19 de janeiro de 2017

Libertação de Oscar López Rivera

O regozijo generalizado em torno da libertação de Oscar López Rivera mostra que a luta anticolonial ainda encontra eco em Porto Rico.

Ed Morales


Um mural em Ponce, Porto Rico. Tito Caraballo/Flickr

Tradução / A campanha para libertar o nacionalista porto-riquenho Oscar López Rivera, um preso político encarcerado numa penitenciária dos EUA desde 1981, foi dominante em vários setores do ativismo porto-riquenho na última década. As 34 Mujeres Por Oscar já fazem parte de Union Square ou de outros lugares de Nova Iorque há anos, e quando o Supremo Tribunal legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2015, havia posters de Oscar enfeitados com uma bandeira arco-íris por todo o lado em San Juan.

Por isso, quando o presidente Obama anunciou na terça-feira que ia comutar a sentença de López Rivera e permitir a sua libertação em maio, isso desencadeou uma onda de emoção na ilha e em muitos centros urbanos onde vive a diáspora.

O júbilo pela comutação da pena a López Rivera – não é um perdão, mas um corte na sua sentença – atravessou todas as tendências políticas em Porto Rico, da esquerda socialista ao esverdeado Partido Independentista Porto-Riquenho, do centrista Partido Popular Democrático ao cada vez mais de direita Partido Nuevo Progresista.

O apoio generalizado a alguém como López Rivera, um antigo líder dum grupo militante esquerdista, as Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN), é um reflexo da canga colonial que os porto-riquenhos têm sofrido há séculos.

O espírito anticolonial

As raízes das FALN estão nos movimentos nacionalistas violentamente reprimidos em Porto Rico nos anos 30 e 40 do século passado, liderados por um formado em Harvard, Pedro Albizu Campos, que passou muitos anos na prisão pelo seu papel em organizar revoltas e greves por toda a a ilha em protesto contra a ordem colonial. Em 1954, um ataque à Câmara dos Representantes em Washington resultou na detenção e prisão de um grupo de quatro nacionalistas, incluindo a lendária Lolita Lebrón.

Quando as FALN irromperam com uma série de bombardeios a edifícios de grandes empresas em 1974, uma das suas exigências era a libertação de Lebrón e restantes companheiros presos. Mas as FALN também deram corpo a uma forma diferente de militância nacionalista, formada pela experiência dos migrantes porto-riquenhos e das suas crianças, que cresceram em cidades como Nova Iorque, Chicago e Filadélfia e foram diretamente atingidas pelo racismo, segregação e injustiça social.

À semelhança dos Weathermen, uma derivação violenta dos Students for a Democratic America, as FALN acreditavam no enfrentamento armado com o governo dos EUA e as multinacionais, e tal como o Exército Republicano Irlandês, defendiam que os seus membros tinham o direito a lutar pela via militar pela soberania nacional, distinguindo-se assim das atividades nihilistas dos chamados grupos “terroristas”. A primeira ação das FALN – atentados coordenados nos edifícios da Exxon, Union Carbide e Reserva Federal, entre outros alvos – surgiu na véspera de um comício pró-independência marcado para o Madison Square Gardem e três dias antes das audições sobre o estatuto colonial de Porto Rico no Comitê Especial da ONU para a Descolonização.

Enquanto o Partido Socialista porto-riquenho começou por rejeitar o uso de violência das FALN, no início dos anos 1980 os movimentos nacionalistas porto-riquenhos davam força à ideia de que os presos das FALN eram “combatentes pela liberdade” e “patriotas”. O grupo acabou por conquistar solidariedade em muitas áreas da comunidade porto-riquenha.

López Rivera aderiu às FALN após trabalhar como organizador comunitário em Chicago e ter sido mobilizado para o Vietnã. Esta última experiência tem sido apontada como elemento chave na sua radicalização. Enquanto os Estados Unidos tentavam herdar o fardo e os despojos da ocupação francesa no Sudeste Asiático, ele testemunhou com os seus olhos o racismo colonial em prática, fazendo a ligação com o que considerava ser o colonialismo interno que bloqueava porto-riquenhos, outros grupos latinos, asiáticos e afroamericanos nos Estados Unidos. Os políticos radicais de cor, como López Rivera, viam a luta anti-racista como parte de um confronto global como o imperialismo e colonialismo classistas. Ligar-se às FALN foi um passo lógico, se não inevitável.

Apesar de López Rivera nunca ter sido acusado ou considerado culpado de envolvimento direto em qualquer das ações violentas das FALN – que incluíram vários atentados, alguns mortais, em Nova Iorque e Chicago – foi condenado em 1981 por conspiração sediciosa (basicamente um crime de pensamento) e condenado a cinquenta e cinco anos. Ele passou mais de doze anos privado de qualquer contato humano.

Em 1999, López Rivera recusou uma oferta de libertação de Bill Clinton, porque a) implicava cumprir mais dez anos e b) teria deixado alguns dos restantes presos das FALN a apodrecer na prisão. (A proposta de Clinton acabou por libertar onze dos condenados no seu processo.) Nos últimos vinte anos, López Rivera e os seus restantes camaradas das FALN renunciaram à violência – um caminho seguido por outros militantes porto-riquenhos como Dylcia Pagán e Elizam Escobar – ajudando a atrair o apoio de largas franjas da população e de apoiadores bem colocados como o congressista Luís Gutierrez, o ator e compositor Lin-Manuel Miranda, a presidente da Câmara de San Juan, Carmen Yulín Cruz, o ativista LGBTQ Pedro Julio Serrano ou o rapper René Pérez Joglar (Residente).

Sob o peso da dívida e da austeridade

O apoio a López Rivera entre a maioria dos porto-riquenhos ainda é considerável. Mas o que explica que o porto-riquenho médio olhe para a realidade colonial como sendo tão injusta que está disposto a aceitar alguém que em tempos acreditou na confrontação violenta? Em alguma medida, a resposta está em compreender que apesar da fundação alegadamente anticolonial dos Estados Unidos, eles tomaram posse e exploraram descaradamente uma ilha ao longo de mais de cem anos, como se fosse uma colônia de fato, construindo artificialmente a sua economia como um ensaio do livre-comércio para a extração de lucro empresarial, muito antes de surgir o tratado NAFTA. De fato, enquanto a ilha prepara uma grande festa para a libertação de López Rivera, e a prefeita Cruz oferece a López Rivera um emprego na “comunidade”, Porto Rico enfrenta medidas severas de austeridade graças a um conselho fiscalizador orçamental cuja imposição foi assinada, lacrada e apresentada por Obama, a maioria democrática no Senado e Lin Manuel Miranda como a melhor e última esperança da ilha para gerir a sua crise da dívida de 72 bilhões de dólares.

Ainda na semana passada a lei de reforma laboral aprovada na Câmara de Representantes porto-riquenha, proposta pelo vencedor das últimas eleições – o Partido Nuevo Progresista, cujo governador estava entre os que pediam e festejaram o anúncio de libertação de López Rivera – traz uma série de medidas no sentido de diminuir salários, prêmios e valor das horas extraordinárias para milhares de trabalhadores, numa tentativa de mostrar ao conselho fiscalizador que irá alinhar com a austeridade.

Ontem, no meio de uma crise de financiamento dos serviços de saúde – os médicos e especialistas continuam a sair da ilha – o sindicato de um dos maiores hospitais da ilha, Auxilio Mutuo, convocou uma greve de vinte e cinco horas. Entretanto, Trump nomeou como um dos conselheiros econômicos mais próximos o bilionário dos fundos especulativos John Paulson, um dos maiores investidores imobiliários em Porto Rico, e o novo governador Ricardo Roselló contactou o antigo correligionário de Trump, Corey Lewandowski, para fazer lobby junto do novo presidente sobre a crise da dívida.

Apesar da estratégia fracassada da luta armada por parte de Oscar López e das FALN, a explosão de apoio para a sua libertação mostra a sua imagem popular como um combatente anticolonial pela liberdade. No momento em que Porto Rico enfrenta múltiplas crises, a ilha vai precisar de uma dose considerável de espírito anticolonialista para ganhar alguma liberdade e soberania.

Colaborador

Ed Morales é pesquisador no Centro de Estudos da Etnicidade e Raça da Universidade de Columbia, é o autor de Living in Spanglish (St Martins), e prepara-se para publicar Raza Matters (verso).

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