26 de setembro de 2019

Diversionismo

Há soluções que conciliam equilíbrio fiscal, crescimento e redução de desigualdades

Laura Carvalho

Folha de S.Paulo

Teto de gastos: cerca de 80% das despesas do governo federal têm seu crescimento anual limitado pela inflação. Pedro Ladeira/Folhapress

O artigo “Por que cortar gastos não é a solução para o Brasil ter crescimento vigoroso?”, publicado nesta Folha em 14/9 por Esther Dweck, Fernando Lara, Guilherme Mello e Pedro Rossi, interpretou de forma equivocada os dados disponibilizados pelo Banco Central quando argumentou que os déficits primários registrados de 2015 a 2018, por exemplo, teriam respondido por apenas 0,5 ponto percentual (p.p.) do PIB/ano para o aumento da dívida bruta do governo.

Na verdade essa contribuição alcançaria 1,9 p.p.

Nem mesmo a alteração significativa desses números invalidou os argumentos centrais do artigo, como pode ser verificado na versão já corrigida do site da Folha. Mas o erro tem de ser lamentado por ensejar uma enxurrada de reações virulentas nas redes sociais e veículos de mídia de quem parece querer jogar areia sobre:


  1. a falta de evidência empírica para a tese de que o crescimento desenfreado de despesas causou a crise econômica.
  2. as sucessivas frustrações nas projeções de crescimento dos que defendiam que a agenda implementada no país nos últimos quatro anos traria de volta a confiança dos investidores.
  3. a percepção crescente entre economistas e sociedade civil de que o corte de gastos sociais pode agravar nosso grave quadro de estagnação concentradora de renda.

Quanto ao primeiro ponto, cabe sempre lembrar que um erro não invalida o outro.

Marcos Lisboa, Marcos Mendes e Marcelo Gazzano em “Por que o governo deve cortar gastos para o Brasil crescer”, publicado também nesta Folha em 8/9, com o qual os autores buscavam debater, afirmam por duas vezes que as dificuldades orçamentárias no país derivam de um “crescimento acelerado de gastos obrigatórios”. Ora, os autores certamente sabem que o termo “aceleração” se refere à segunda derivada da variável, ou seja, só se aplicaria nesse caso a uma situação em que as despesas obrigatórias crescem a um ritmo cada vez maior.

Pois bem. De acordo com a Tabela 1.1 - A da Secretaria do Tesouro Nacional, as despesas obrigatórias do governo central —benefícios previdenciários, despesas com pessoal e encargos sociais, e outras—  cresceram em média, em termos reais, 6,6% ao ano entre 1998 e 2002; 7,4% ao ano entre 2006 e 2010; 4,9% ao ano entre 2011 e 2014, e apenas 2,1% ao ano entre 2015 e 2018.

Ou seja, de fato essas despesas cresceram um pouco mais rápido entre 2003 e 2010 —período em que o Brasil acumulou superávits primários graças ao crescimento também acelerado das receitas—, do que no segundo governo FHC.

Só que o primeiro ano de déficit primário em 2014 veio justamente após um período de desaceleração no crescimento dessas despesas. Em nenhum dos anos do período 2011-2014, a taxa foi superior à média do período 2003-2010.

Em vez de exigir outro Erramos, interessa mais à sociedade trazer o debate para o terreno das soluções que sejam capazes de conciliar equilíbrio fiscal, crescimento econômico e redução de desigualdades.

Abrir espaço para investimentos sociais por meio de medidas que eliminem subsídios e as famigeradas desonerações é um excelente ponto de partida. As propostas recentes de Arminio Fraga, por exemplo, vão nessa direção.

Sobre a autora

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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