5 de setembro de 2019

O Partido Trabalhista pode vencer a próxima eleição

Boris Johnson manteve uma liderança nas pesquisas durante seus problemas com o Brexit. Mas a história recente e o programa radical de Jeremy Corbyn mostram que o Partido Trabalhista não tem o que temer perante uma eleição geral repentina.

Daniel Finn

Jacobin

O líder trabalhista Jeremy Corbyn e o chanceler das Sombras John McDonnell participam de uma manifestação trabalhista antes de uma reunião do gabinete sombra em 2 de setembro de 2019 em Salford, Inglaterra. Anthony Devlin / Getty

Tradução / Todos concordam que haverá, antes do imaginado, uma eleição na Grã Bretanha. O resultado das batalhas parlamentares entre Boris Johnson e seus oponentes decidirá como e quando essa eleição será convocada. Até o momento, o novo primeiro-ministro tem levado a pior nos confrontos. Mas não importa qual tipo de surra Johnson leve na Câmara dos Comuns, a tarefa mais importante ainda estará para ser cumprida.

Quais as perspectivas eleitorais para Jeremy Corbyn, do PArtido Trabalhista, se e quando o parlamento for dissolvido? As mais recentes pesquisas de opinião não parecem promissoras para o Partido Trabalhista, mas a mesma observação poderia ter sido feita em 2017, até com mais força. Será que o Partido Trabalhista conseguirá igualar seu resultado surpreendente de dois anos atrás – que preparou o palco para a atual crise Tory – ou poderá se dar ainda melhor?

A eleição geral no Reino Unido em 2017 é o marco mais próximo que temos para saber o que acontecerá a seguir. Camadas de mitologia se sobrepuseram em torno desta eleição: desmontá-las ajudará a esclarecer se a repetição é provável.

Lendo as Runas

Após uma série de choques eleitorais como Trump e o Brexit, tornou-se normal argumentar que as pesquisas de opinião não são mais confiáveis. Entretanto, é mais certo dizer que não podemos confiar na sabedoria convencional sobre como as pesquisas devem ser interpretadas.

Há duas regras básicas que deveriam ter condenado os esforços dos Trabalhistas em 2017: a primeira dizia que as campanhas eleitorais tiveram um impacto meramente marginal na performance final de um partido; a segunda dizia que sempre que houvesse grande discrepância entre os números da pesquisa entre diferentes agências, o dado médio seria o norte mais seguro.

No mês em que Theresa May convocou uma eleição antecipada, a média de liderança das pesquisas referente ao Partido Conservador era de 18,5%. Uma única pesquisa aquele mês deu aos Tories uma vantagem de menos de 10%. Mesmo aquele valor aberrante – com uma diferença de 9% entre Trabalhistas e Conservadores – teria dado a May uma vitória decisiva se tivesse sido confirmado no dia da votação.

A partir do fim de abril o Partido Trabalhista diminuiu a distância progressivamente, mas as semanas finais de campanha ainda deixavam uma grande margem de indecisão. Das últimas dez pesquisas, apenas três deram aos Tories uma dianteira de menos de 5%; três indicavam os Tories superando os Trabalhistas em mais de 10%. Ainda assim, o resultado final mostrou que o partido de May derrotou seu oponente por apenas 2%. Isto estava de acordo com as previsões das pesquisas mais otimistas em relação aos Trabalhistas.

Não há razão para imaginar que agências de pesquisa erraram grosseiramente quando a eleição foi convocada. O Partido Trabalhista estava muito atrás dos Tories por uma margem que deveria ser insuperável, caso os precedentes servissem como guia. No espaço de dois meses, a diferença diminuiu ao ponto de May perder sua maioria parlamentar e chegar quase a ser totalmente ultrapassada pelo partido de Corbyn.

Explicando

O resultado veio como um grande choque para os politólogos britânicos, que ficaram visivelmente desorientados por algum tempo. Por fim, eles começaram a articular uma história tranquilizadora sobre o que havia acontecido. Tal história possibilitou a negação de qualquer crédito a Corbyn, seus aliados, ou a toda movimentação por trás deles.

De acordo com o argumento, May e o Partido Conservador é que haviam desperdiçado sua vantagem com uma campanha fraca que simplesmente reforçou seus defeitos como líder. Assim que essa história se tornou a ortodoxia a respeito da eleição de 2017, foi possível adicionar mais uma reviravolta: ao invés de receber algum crédito por desmantelar a maioria de May, Corbyn deveria ser culpabilizado por não vencer a eleição contra um oponente tão fraco.

Esta história consoladora é imprecisa e dissimulada sob todos os aspectos. Antes da eleição de 2017, pouquíssimas pessoas consideravam May uma líder fraca e incompetente. Na verdade, ela era vista como uma formidável articuladora capaz de dar um golpe de misericórdia no Partido Trabalhista de Corbyn. Para qualquer um que tenha esquecido o tom das declarações sobre o governo de May, vale a pena ler o perfil admirável de Jason Crowley, editor do liberal New Statesman, que apareceu apenas quatro meses antes do naufrágio eleitoral. Os traços de personalidade que são hoje representados como o calcanhar de Aquiles de May atingiu a maioria dos comentadores como um recurso: ela seria uma política sóbria e séria, ao contrário do ostentoso homem de Relações Públicas, David Cameron.

A ideia de que May fosse a pior premier de tempos atuais, liderando o pior governo, só tomou forma após a eleição de 2017. May desejava encarar todas as tensões da implementação do Brexit desde uma posição de força, contando com uma folgada maioria parlamentar. Ao invés disso, ela teve que lutar com aquelas contradições enquanto os Tories rebeldes – de ambos os espectros do partido – que consideravam sua postura ou muito fraca ou muito dura. Isso sem falar do Partido da Democracia Unionista, cujos membros do Parlamento se mostraram como mais uma pedra do sapato para May.

Qualquer líder nesta posição terminaria parecendo fraco. De nove entre dez vezes na política contemporânea, é a circunstância que faz o homem (ou a mulher), não o contrário.

As conquistas dos trabalhistas

Se a aposta eleitoral de May falhou, isto não se deu por conta de uma derrocada Tory. O resultado final de seu partido, 42,4%, foi o melhor resultado para os Conservadores em três décadas. Foi melhor ainda do que a performance dos Trabalhista sob Tony Blair em 2001, que garantiu uma maioria de quase cem assentos. Foi também 5% maior do que o triunfo de David Cameron em 2015, que também garantiu maioria parlamentar.

O objetivo de May na campanha era o de usar o Brexit como uma alavanca, conquistando eleitores do UKIP, bem como Trabalhistas a favor do Brexit, em número suficiente para converter bastiões Trabalhistas em assentos Tory. A desagregação regional mostra o quão perto May chegou de alcançar seu objetivo. Em algumas regiões-chave a favor do Brexit, a guinada Tory esteve muito maior do que a média nacional: 9,1% no Nordeste da Inglaterra, 7,8% em Yorkshire e Humber, 7,3% nas Midlands Leste e Oeste, 6,3% no País de Gales. Em Londres, os votos aos Conservadores cresceram em todas as regiões da Inglaterra.

Foi a performance Trabalhista que desmontou as ambições de May. A fração de votos para o partido de Corbyn cresceu numa percentagem maior que o crescimento Tory em todas as regiões, exceto o Nordeste da Inglaterra – mas mesmo aí foi somente 0,5% menor – e na Escócia, onde existe uma dinâmica política diferente. Em Yorkshire & Humber, os votos ao Partido Trabalhista aumentaram 9,9%; no País de Gales em 12,1% e no Leste da Inglaterra, em 10,7% (quase o dobro do crescimento Tory na região). Os votos aos Trabalhistas cresceram em todas as regiões britânicas; e em 7 dentre 12 casos, em dois dígitos.

A grande narrativa da eleição de 2017 foi um surto Trabalhista, não um colapso Tory. A participação de 40% dos votos do partido foi superior à performance vencedora nas três eleições precedentes e prejudicou o governo de Theresa May, apesar de sua inesperada vantagem pós-Brexit.

A constante alegação de que Corbyn deveria ter vencido imediatamente não pode ser levada a sério. A performance dos Trabalhistas nas eleições de 2010 e 2015 tinha sido tão ruim que era virtualmente impossível para o partido ganhar a maioria no Parlamento de uma única tacada: simplesmente não havia constituintes suficientes nas quais os Trabalhistas tinham chances de conquistar um assento.

Caso os Trabalhistas tivessem vencido 35% dos votos – já uma grande melhoria em relação aos resultados obtidos por Gordon Brown e Ed Milliband – May teria saído das eleições com sua maioria fortalecida e sem dúvida já teria dado continuidade ao Brexit conforme seus desejos. Ninguém falaria hoje do “pior governo de todos”.

Fora de Controle

O que tudo isto significa para qualquer eleição antecipada? A primeira lição é óbvia: os Trabalhistas não devem se basear numa derrocada Tory, uma vez que isto não aconteceu em 2017. Se os Trabalhistas puderem igualar sua performance na campanha de dois anos atrás, isto será suficiente para por um fim à galopada de Boris Johnson.

É claro que a possibilidade de repetir a performance é agora uma das maiores questões da política Britânica. O terreno sem dúvida mudou desde junho de 2017 e a maior mudança veio nos últimos meses.

Por tudo que foi dito corretamente sobre a falibilidade das pesquisas, elas ainda não são o melhor guia que temos para o estado geral da opinião pública. Da última eleição até os primeiros meses de 2019, a sondagem típica referente ao Partido Trabalhista variava entre os 35% e 40%, as vezes um pouco maior. Os Tories se encontravam basicamente na mesma posição e a distância entre os partidos ficava entre as cifras mais baixas. Então a situação ficou fora de controle, quando a crise do Brexit ocupou o espaço central. Tanto Trabalhistas quanto Conservadores perderam seu apoio para grupos menores que tomavam uma postura mais dura pró- ou anti-Brexit: o Partido do Brexit de Nigel Farage, os Liberais Democratas, os Verdes, ou os nacionalistas Escoceses e Galeses.

Inicialmente os Tories foram os mais afetados por essa tendência, com seu apoio indo abaixo dos 30%. Mas os Trabalhistas logo sofreram um golpe profundo, especialmente depois da eleição Europeia em maio. Desde que Boris Johnson se tornou líder do Tory, seu partido conseguiu conquistar parte do terreno que havia perdido, ultrapassando a linha dos 30% pela primeira vez desde o começo de abril. A média das pesquisas para os Trabalhistas desde o começo de agosto seguia em meados dos 20%. Mas a média da liderança Tory durante este mesmo período foi menor do que a mais baixa liderança Tory em abril de 2017. A posição dos Trabalhistas numa eleição antecipada é mais fraca do que a que seus apoiadores poderiam ter esperado no começo do ano, mas mais forte do que era quando o “Corbinismo” encarou anteriormente.

Complicações

Será que o Partido Trabalhista consegue ser bem-sucedido novamente? Uma eleição realizada no outono (primavera no hemisfério sul) deste ano será diferente da de 2017 numa questão fundamental: o Brexit será absolutamente central. Algo notável sobre a eleição de 2017 foi o abismo entre os eleitorados Tory e Trabalhista: não no sentido de ser pró ou anti-Brexit, mas na importância que davam ao assunto. Uma pesquisa descobriu que o Brexit era de longe o fator mais significativo entre os eleitores Tory: 48% disseram que era o problema mais importante para a escolha de seu voto. Ao contrário, apenas 8% dos eleitores Trabalhistas disseram ser o Brexit a questão mais importante (33% citaram o serviço de saúde britânico).

Foi quase como se duas campanhas eleitorais tivessem sido realizadas em paralelo: uma sobre a relação da Grâ-Bretanha com a União Europeia e outra sobre questões de política social interna. Aqueles para quem a prioridade era tirar a Grã-Bretanha da União Europeia votaram Tory; aqueles que se importavam com a reparação de danos causados por anos de austeridade votaram Partido Trabalhista. A base do Partido Trabalhista de 2015 se dividiu em dois-terços contra e um-terço a favor do Brexit durante o referendo. Em 2017, sua coalizão eleitoral, que era muito maior, manteve a mesma divisão dois-para-um contra e favor do Brext.

Será difícil para o Partido Trabalhista lançar mão da mesma manobra desta vez. Até certo ponto era inevitável que o Brexit chegasse ao topo da agenda, enquanto a data-limite se aproximava e o parlamento eleito em 2017 se mostrava incapaz de concordar a respeito dos termos do acordo. Mas houve também um esforço conjunto entre diversos atores políticos – a ala direita anti-Corbyn do Partido trabalhista, os rivais eleitorais do Partido, especialmente os Liberais Democratas; e a campanha do Voto do Povo – para dirimir a estratégia de Corbyn por um “soft-Brexit”, de estilo norueguês: a opção mais provável de assegurar um consenso amplo.

A eleição europeia sobrecarregou este esforço e forçou o Partido Trabalhista a mudar de direção no verão, numa aposta para reconquistar o apoio perdido aos grupos a favor de uma permanência dura na União Europeia. O Partido agora diz que convocará um segundo referendo sobre os termos de qualquer acordo para o Brexit incluindo “permanecer” na União Europeia, na cédula de votação. De fato, esta nova diretriz significa que o Partido Trabalhista tem a oferecer ao eleitor pró-permanência do que a eleitores pró-Brexit, mas este é o caminho que a liderança partidária escolheu trilhar. A melhor esperança dos Trabalhistas é que seu eleitorado pró-Brexit se preocupe mais com a agenda pela reforma doméstica do que com a saída da União Europeia. Uma eleição antecipada testará esta teoria.

A equipe de Boris Johnson fez uma aposta própria, descrita por Philip Stephens no Financial Times:

“Durante os anos 1960, os Republicanos de direita dos EUA embarcaram naquilo que foi chamado ‘estratégia sulista’ – um discurso populista voltado a classe trabalhadora branca que estavam desencantados com o liberalismo dos direitos civis do Partido Democrata. O Sr. Johnson tem uma “estratégia nortista”. Lançando o Brexit como uma luta contra estrangeiros e contra a imigração ele espera vencer uma eleição conquistando eleitores da classe trabalhadora branca em áreas tradicionalmente Trabalhista. Nos é prometida uma campanha que pode fazer até o Sr. Trump envergonhar-se”.

Entretanto, o paralelo feito aqui é enganoso e (espera-se) delirante. A estratégia sulista de Nixon não apelou apenas para eleitores da classe trabalhadora branca: também abrangeu eleitores brancos no geral. A estratégia foi direcionada a uma região em que um sistema de supremacia racial imperava há gerações, baseada na privação de direitos de Afro-Americanos e violenta repressão sobre aqueles que resistiam. Qualquer tentativa de Johnson de conquistar o Norte e as Midlands – casualmente aglutinadas como “o norte” da Inglaterra – se construirá sobre bases muito menos sólidas.

O Partido Trabalhista possui um programa de reforma capaz de apelar à classe trabalhadora independentemente da raça e de como votaram no referendo do Brexit. Este programa também possui raízes sociais profundas nestas região. Algo que falta aos Tories. A “estratégia nortista” de Johnson com certeza será tão sórdida quando Stephen prevê, mas dificilmente será alcançada.

O panorama eleitoral também será mais congestionada do que foi em 2017, quando os partidos menores foram esmagados. Caso haja performances fortes do Partido do Brexit e dos Liberais Democratas, e também dos nacionalistas da Escócia e de Gales, o sistema eleitoral britânico, pouco representativo, reagirá dos modos mais imprevisíveis e confusos.

Entretanto uma questão permanece firme no poder do Partido Trabalhista. Assim como em 2017, o partido pode lançar uma campanha insurgente, com um manifesto baseado em políticas populares, sociais-democratas, fazendo uso dos filiados para um escrutínio de larga escala, espalhando a mensagem do Trabalhismo online, o que se provou vital há dois anos. Os comentadores políticos britânicos subestimaram demais a força de uma campanha como essa. Corbyn e seus apoiadores terão, em breve, a chance de novamente ensiná-los a lição.

Sobre o autor

Daniel Finn é editor adjunto da New Left Review. Ele é autor de "One Man’s Terrorist: A Political History of the IRA".

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