13 de setembro de 2019

Cadê a autocrítica do teto de gasto?

Governo cogita flexibilizar o teto de forma envergonhada sem admitir a mudança

Nelson Barbosa

Folha de S.Paulo

Pedro Ladeira/Folhapress

O teto de gasto criado por Temer voltou ao centro do debate fiscal devido à proposta orçamentária do governo Bolsonaro para 2020.

Segundo os números enviados ao Congresso, teremos grande arrocho fiscal no próximo ano, com risco de paralisação de programas públicos e o menor investimento federal em 16 anos, em termos reais.

Não precisa ser assim, mas, para entender por que, devemos relembrar a origem do problema.

A ideia de meta de gasto foi inicialmente proposta pelo governo Dilma, em 2016, só que via projeto de lei, com prazo de quatro anos, possibilidade de crescimento real do gasto se cláusula de escape em caso de recessão.

Após o golpe de 2016, o time Temer (ou "dreadteam") não podia simplesmente adotar a proposta de Dilma. A alternativa foi criar o teto de gasto por emenda constitucional, com congelamento real de despesa em até 20 anos, sem cláusula de escape.

Porém, para não sofrer restrição durante seu mandato, o governo Temer também elevou substancialmente suas despesas em 2016, de modo a começar o teto em patamar elevado a partir de 2017.

A flexibilização fiscal de 2016 foi correta e ajudou a estabilizar a economia no início de 2017. Dito isso, do ponto de vista político, o teto Temer foi pensado para ter efeito só a partir de 2019.

Esse efeito acabou adiado porque o aumento temporário da inflação no início de 2018 criou espaço para elevar despesas em 2019. Assim, neste ano a maior restrição fiscal ainda é a meta de resultado primário.

O teto Temer passará a ser o principal limite fiscal em 2020.

Alguns anos atrás, os defensores do "dreadteam" diziam que a redução do gasto público seria compensada pelo aumento do gasto privado, devido à melhora das expectativas das empresas e trabalhadores (a hipótese da "fada da confiança").

Depois de três anos de crescimento de 1%, o argumento mudou. Hoje os defensores do time Temer passaram à hipótese dos "bond vigilantes", dizendo que qualquer mudança da regra fiscal gerará ataque especulativo imediato ao país, com depreciação cambial e aumento da taxa de juro.

Possível? Sim. Provável? Depende de qual for a regra fiscal alternativa. Aí vamos ao centro da questão: devemos mudar, em vez de revogar, o teto de gasto. E nesse processo podemos passar definitivamente à meta de gasto, abandonando a meta de resultado, bem como corrigir o problema da regra de ouro.

A solução é clara, mas, para não reconhecer o erro do "dreadteam", o governo está cogitando manter o teto de gasto com reclassificação de algumas despesas como extra-teto. Isso é simplesmente flexibilizar o teto sem admitir a mudança.

Os exemplos de mudança envergonhada do teto de gastos são reclassificar gastos da educação como transferência para estados e municípios, bem como mudar o tratamento contábil do adicional de 10% do FGTS.

Todas essas medidas são legais, mas, se o governo fosse de esquerda, a turma de sempre já estaria gritando impeachment. Como não acho correto criminalizar a política fiscal, prefiro focar o problema real.

Precisamos revisar nossa regra fiscal, mantendo meta de gasto, mas não o congelamento criado por Temer. E podemos aproveitar a oportunidade para garantir recursos previsíveis para investimento, saúde, educação, segurança pública e meio ambiente.

Tudo isso pode ser feito via Congresso, mas, como implica reconhecer que o "dreadteam" estava errado, vários colegas economistas estão sabotando a discussão com espantalhos e terrorismo.

Se recusam a fazer autocrítica, apesar de sempre cobrarem autocrítica do outro lado.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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