3 de janeiro de 2020

Para não perder a década na política

Iniciamos 2020 com queda do gasto social e tentativa de intervenção nas universidades

Nelson Barbosa

Folha de S.Paulo

No segundo semestre, o consumo das famílias é apontado como o principal motor da aceleração da atividade econômica. Mantido esse ritmo no próximo ano, a expectativa é que esse seja o primeiro componente da demanda a voltar aos níveis verificados antes da recessão de meados da década. Jefferson Coppola/TBA/Folha S.Paulo

Entramos nos anos 20. A virada simultânea de ano e indicador decenal levou vários analistas a avaliar nossa nova “década perdida”, pois os anos 80 e 90 do século passado também não foram bons em crescimento econômico.

Porém, se utilizarmos o padrão histórico correto, o século 21 começou em 2001 e a segunda década deste século só acabará no final de 2020. Dado que a expectativa média do mercado é de crescimento de 2,3% neste ano, cabe perguntar: será isto suficiente para salvar a década? A resposta é não.

Tomando o PIB per capita como referência, a atual expectativa de crescimento pouco alterará a estagnação prevista para 2011-20. Traduzindo do economês, em 2020 a renda média por habitante do Brasil retornará ao nível de 2010. Para piorar, como houve aumento da desigualdade no período, isto significa redução da renda real dos mais pobres.

Mesmo que a economia surpreenda positivamente (tomara), crescendo 3% neste ano, ainda assim teremos nossa segunda pior década desde que temos dados sobre o PIB per capita do Brasil.

Coloquei todos os números no blog do Ibre/FGV. Nesta coluna me concentrarei no período pós 1980.

Com base nos dados do IBGE, o PIB per capita teve queda acumulada de 3,9% em 1981-90. Em outras palavras, em 1990 estávamos quase 4% mais pobres do que em 1980.

O retrocesso econômico foi parcialmente compensado pelo avanço da democracia, dado que voltamos a ter eleições diretas para presidente nos anos 1980 e encerramos o período com uma nova Constituição e previsão de ampliação da rede de proteção social.

Apesar dos pesares a situação melhorou nos dez anos seguintes, em 1991-00, quando houve expansão de 18,1% na renda real por habitante.

O crescimento foi facilitado pelo cenário externo favorável durante a maior parte do período, que por sua vez viabilizou a estabilização da economia (Plano Real).

Como a redução da inflação beneficiou relativamente mais os mais pobres, também houve redução da desigualdade na “década tucana”. Difícil considerar os anos 1990 como década perdida neste aspecto.

A situação melhorou mais ainda na primeira década deste século, em 2001-10, quando registramos expansão de 27,8% (o “milagrinho” econômico) novamente em um cenário externo quase sempre bem favorável.

Na “década petista” houve aceleração da renda e redução mais rápida da desigualdade, com materialização de vários direitos previstos na Constituição de 1988, via aumento da rede de proteção social e maior acesso a crédito, educação e a empregos com carteira assinada (o “Brasil de Todos” do PT).

Diante do quadro acima, nosso desempenho em 2011-20 é decepcionante, sobretudo quando consideramos o retrocesso político dos últimos anos. Enquanto na década perdida de 1981-10 tivemos redemocratização e “Constituição Cidadã”, hoje temos tendências autoritárias e desmonte da rede proteção social.

Como exemplos, lembro que iniciamos 2020 com previsão de nova queda real do gasto social do governo por habitante, tentativa de intervenção do Planalto nas universidades federais (MP 914) e retomada da guerra jurídica contra a esquerda, vide a nova decisão da Justiça contra o ex-Presidente Lula e a ação da CGU contra Sergio Gabrielli (ex-Presidente da Petrobras).

Diante destes sinais, podemos esperar por mais ataques à democracia neste ano. Para não perder a década também na política, precisaremos de mais mobilização social, pacífica e dentro da lei, contra o obscurantismo em curso. O primeiro passo é repelir a intervenção na educação.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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