25 de março de 2020

Está na hora de o BC entrar diretamente no combate ao coronavírus

Lá fora principais bancos centrais do mundo já largaram a bazuca e resolveram usar armas nucleares contra a crise

Nelson Barbosa

Folha de S.Paulo

Fachada do Edifício-sede do Banco Central do Brasil em Brasília. Ueslei Marcelino/Reuters

O choque da Covid-19 criou demanda emergencial por liquidez em vários países, inclusive no Brasil. Lá fora os principais bancos centrais do mundo já largaram a bazuca e resolveram usar armas nucleares contra a crise.

Na Europa a resposta começou mal, com declaração infeliz de Christine Lagarde, presidente do BCE (Banco Central Europeu) dizendo que não era responsabilidade dela “reduzir spreads”. Traduzindo do economês, Lagarde sinalizou que o BCE não atuaria para reduzir taxas de juros pagas por países do Euro em dificuldade. As taxas pagas pelo governo italiano subiram imediatamente, Lagarde apanhou na mídia e o BCE mudou de posição, anunciando 750 bilhões de Euros para comprar títulos públicos e privados.

A resposta monetária mais rápida veio dos EUA, onde o Fed (Federal Reserve, banco central americano) anunciou mais e mais injeção de liquidez para bancos e, nesta semana, resolveu atuar diretamente no financiamento para empresas, consumidores e até municípios, em linhas de crédito especial ou “facilities”.

Na prática o Fed atuará como emprestador de última instância ao setor não bancário, criando uma linha direta para comprar e carregar os empréstimos emergenciais feitos pelos bancos. Esta medida dará liquidez de curto prazo e funding de médio e longo prazo para a expansão do crédito.

Por aqui nosso BC já respondeu à crise liberando compulsório e relaxando requerimentos de capital e provisão sobre os bancos. Duas medidas regulatórias que ampliam em muito a capacidade de empréstimo do sistema financeiro em tempos de crise. Parabéns ao BC!

Nosso BC também anunciou “Linha Temporária Especial de Liquidez” (LTEL), para comprar títulos privados em posse do sistema financeiro, e a recriação do “Depósito a Prazo com Garantia Especial” (DPGE), para garantir liquidez aos bancos médios e pequenos. Estas duas medidas foram adotadas também em 2008, para combater a crise financeira daquela época, mas a linha de crédito direto para títulos privados não funcionou bem. Explico.

Em 2008, o então governo Lula publicou a MP 442, autorizando o BC a fazer operações compromissadas e redesconto com títulos privados. A proposta foi aprovada (Lei 11.882 de 2008), mas o BC acabou fazendo muito pouco em tal direção.

Para quem se lembra, a crise de 2008 se agravou em setembro daquele ano, mas o BC, então dirigido por Henrique Meirelles, só foi reduzir o juro em janeiro de 2009, quatro meses após a quebra do Lehman Brothers.

A lentidão do BC em responder à crise de 2008 foi um dos motivos que levou o governo Lula adotar um “afrouxamento quantitativo” via Tesouro e BNDES. O Tesouro emprestou recursos ao BNDES, que por sua vez atuou como pôde para dar liquidez ao setor não bancário em 2008-09. Depois o mecanismo Tesouro-BNDES se desvirtuou, indo além do necessário, mas ele foi efetivo para combater a crise financeira.

Para provar que a atuação inicial do Tesouro-BNDES foi correta, antigos críticos do governo Lula, como Armínio Fraga, agora defendem praticamente a mesma coisa contra a crise da Covid 19: empréstimos do Tesouro aos bancos, empréstimos emergenciais dos bancos ao setor não bancário, com garantia e/ou subsídio do Tesouro, de modo transparente no orçamento.

Parabenizo Armínio e similares pela sensatez, mas faço três sugestões, duas básicas e uma radical, pois sou um pouco mais heterodoxo do que economistas nem-nem.

Primeiro, o BNDES ainda está sentado em quase R$ 200 bilhões de recursos do Tesouro, não sacados antecipadamente por Temer e Bolsonaro. Este volume de recursos pode e deve ser utilizado já para linhas emergenciais. Se necessário, com subsídio “na luz do sol”, isto é, usando a TLP como referência para o custo de oportunidade do Tesouro.

Segundo, o Senador Jaques Wagner já apresentou projeto de lei (PL) para autorizar o BNDES a usar os recursos que possui, e obter novos se necessário. Dado que o governo Bolsonaro tem mostrado dificuldade em responder rápido à crise, sugiro que um senador do PSDB assuma relatoria do PL de Jaques Wagner, aperfeiçoando a medida e fazendo ela andar rápido.

Terceiro... e lá vem a medida radical: sugiro copiar os “bolivarianos” dos EUA e, além da atuação do BNDES, criar linha direta do BC para comprar empréstimos destinados a financiar a folha de pagamento das empresas neste momento de crise. Esqueça o Tesouro neste caso. A situação exige ação direta entre BC, bancos e empresas para agilizar a implementação.

A “Linha de Garantia do Emprego” (LGE) seria um ativo do BC, que carregaria os empréstimos feitos às empresas enquanto fosse necessário. A LGE também teria registro ou rubrica específica no balanço do BC, para separar atuação emergencial contra a crise do dia a dia da política monetária.

Mais importante, a LGE inverteria a lógica de atuação do governo, pois a iniciativa partiria do setor não bancário e depois seria sancionada pelo BC. Mais especificamente, em vez de liberar recursos para os bancos e esperar que eles emprestem, o BC garantiria a recompra de tudo que for emprestado para financiar folha de pagamento neste momento da crise, cabendo às empresas procurar os bancos, que atuariam como administradores da linha do BC.

Se os bancos privados refugarem em atuar (o que é provável), os bancos públicos podem ir na frente, pois serão operadores de uma linha do BC da mesma forma que hoje são repassadores de linhas do BNDES.

Para não haver desvio de função, as condições da LGE devem ser especificadas em lei própria, preferencialmente para Micro e Pequenas Empresas com juros baixos ou até zero (eu avisei que sou radical), prestação de contas ao Congresso, e contrapartida de não demissão por parte das empresas que tomarem o crédito, por pelo menos um ano após o fim do empréstimo. A atuação do Congresso é fundamental para definir estes pontos operacionais, dado que o Ministério da Economia está meio atrapalhado.

E a LGE pode complementar a iniciativa fiscal do Tesouro para a proteção de empregos, se e quando o governo Bolsonaro conseguir completar a nova versão do programa de redução negociada de jornada de trabalho e salários (Layoff), lançada por Dilma em 2015, após conversa com empregadores e empregados.

Tudo indica que a crise atual é mais séria que a de 2008. Naquela época Lula liberou o BC para agir no crédito, mas o BC fez pouco e ainda demorou a cortar a SELIC, forçando o Tesouro a atuar via BNDES.

Agora o BC está bem mais rápido, mas ainda assim sugiro aprender com 2008 e criar logo linha direta do BC para o setor não bancário, como outros países já fizeram.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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