4 de janeiro de 2025

Os espectros da escassez de Mark Fisher

O vazio fantasmagórico do realismo capitalista obscurece o potencial para alegria e abundância coletivas. A escrita de Mark Fisher oferece um vislumbre das possibilidades que estão além da aparente inevitabilidade do presente.

Devin Thomas O'Shea

Jacobin

O trabalho de Mark Fisher perdura como um antídoto à desesperança. (Daily Herald Archive / National Science and Media Museum / SSPL via Getty Images)

Tradução / O vazio fantasmagórico do realismo capitalista obscurece o potencial para a alegria e a abundância coletivas. Os textos de Mark Fisher oferecem um vislumbre das possibilidades que estão além da aparente inevitabilidade do presente.

Você vislumbra uma figura no espelho do outro lado do corredor, mas quando se vira para verificar, não há ninguém lá. Espectros permanecem em espaços vazios, criando uma atmosfera sombria — como os corredores de uma velha mansão ou um caminho através de um cemitério desolado. Esses são contextos clássicos para uma assombração, assim como o vazio não natural de uma Vila Potemkin.

É estranho olhar para o horizonte de uma grande cidade dos EUA e saber que alguns desses arranha-céus brilhantes estão completamente vazios; torres fantasmas residenciais servindo como meros ativos financeiros em portfólios imobiliários, assombrados por sua própria vacância. Da mesma forma, fantasmas são conhecidos por duplicações assustadoras, como as gêmeas em O Iluminado, e por excessos enervantes — enxames escuros de moscas, um bando de corvos, vozes do nada. Da mesma forma, é estranho vagar nos fundos de uma grande loja de departamentos, passando pelas docas de carga e encontrar caçambas cheias de alimentos perfeitamente comestíveis, ou produtos de consumo embalados, que, aparentemente, não estavam vendendo, e agora estão indo para aterros sanitários.

Em The Weird and the Eerie [O Estranho e o Misterioso], Mark Fisher escreveu sobre como esses sentimentos estranhos acenam em direção a coisas fora da nossa percepção — algo fantasmagórico, completamente espantoso. Veladas e sobrenaturais, essas assombrações apontam para o que Fisher evocativamente chamou de “o espectro de um mundo que poderia ser livre”.

Fisher, que lutou contra uma depressão clínica ao longo da vida, tirou a própria vida em 2017, mas seu trabalho perdura como um antídoto para a desesperança — especialmente sua última proposta de livro, intitulada, de brincadeira, Comunismo Ácido.

Além do espelho do realismo capitalista

Aobra mais famosa de Fisher continua sendo Realismo Capitalista. É um livro que descreve o sistema monótono e sem futuro em que estamos presos; um período de estagnação cultural e austeridade, juntamente com a suspeita sempre presente de que o mundo logo chegará ao fim.

Fisher descreve o realismo capitalista como uma visão de mundo artificialmente construída que nos aprisiona em um ciclo depressivo. O ciclo se sustenta por meio de um paradoxo: uma sensação generalizada de desgraça e apreensão que, na verdade, reforça o status quo. De acordo com Fisher, essa maneira pessimista de ver o mundo é um desenvolvimento estratégico do capitalismo neoliberal. É um sistema que garante que não podemos pensar fora de seus limites, não importa o quanto tentemos. Mesmo se tirarmos os óculos da ideologia Eles Vivem, há outro par de óculos semelhantes ainda em nosso rosto, que não conseguimos nem detectar. Mesmo quando pensamos que estamos escapando da Matrix com a pílula vermelha, simplesmente fazemos a transição para outra sala da Matrix rotulada como “o mundo real”. Essa duplicação assustadora, semelhante à de Escher, faz parte da assombração e, por necessidade, temos que usar a ficção para falar sobre isso.

Enquanto as gerações anteriores acreditavam em algum tipo de projeto ideológico do presente — visando construir um futuro melhor — o realismo capitalista é totalmente definido pelo capitalismo, que traz o curto prazo à tona, apagando qualquer futuro onde o capitalismo esteja ausente. É mais capitalismo, ou o fim do mundo. Não há alternativa.

Essa condição se desenvolveu gradualmente ao longo de décadas, criando paralisia generalizada por meio da atomização. Mas em Comunismo Ácido, Fisher buscou inverter o poder desse sistema, colocando o Golias de cabeça para baixo: “Em vez de buscar superar o capital, deveríamos nos concentrar no que o capital sempre deve obstruir: a capacidade coletiva de produzir, cuidar e desfrutar… muito longe de defender a ‘criação de riqueza’, o capital, sempre e necessariamente, bloqueia a produção de riqueza comum.”

Tanto para Fisher quanto para seus heróis intelectuais como Fredric Jameson, a distância entre o mundo que poderia ser livre e o que temos agora é um terreno mensurável se usarmos metáforas e linguagem criadas na ficção — especialmente na ficção científica. Em Comunismo Ácido, no entanto, Fisher também apontou para formas concretas e históricas de ver: a proliferação efervescente de experimentos de socialismo democrático e comunismo libertário que floresceram na década de 1960.

A contracultura dos anos 1960 foi criada por condições materiais — Fisher usa um exemplo das memórias de Danny Baker, um DJ de rádio relembrando férias em família em 1966. Os pais de Baker levam a família para a praia em um automóvel popular acessível, usando o tempo livre longe do trabalho graças aos direitos trabalhistas duramente conquistados pela geração anterior. Na areia, com vista para o surfe, a tecnologia de um rádio transistor do tamanho de um eletrodoméstico torna possível ouvir os Kinks e os Beatles, que estão cantando sobre sonhos, percepção e a maneira como as regras do mundo se apresentam como inquebráveis, mas não são. A realidade é psicodélica, maleável, em um estado constante de fluxo, e se todos decidissem que algo deveria parar, ou outra coisa deveria começar, então nosso desejo coletivo — nosso desejo por um futuro — é uma força irrefreável em toda a espécie.

Para Fisher, esse devaneio não é um desperdício; é o reconhecimento lógico de um fato absoluto: essa capacidade coletiva foi fisicamente demonstrada, com efeitos terríveis, nas guerras mundiais.

Assombrado pelo mito da escassez

Fisher aponta a carreira de Baker na radiodifusão pública como parte dessa evolução do pós-guerra na esfera pública. No rádio e na televisão, as perspectivas da classe trabalhadora proliferaram, especialmente quando programas governamentais engajados pagaram pela cultura ocidental que poderia ser carregada e disparada contra inimigos como munição, sacudindo os corpos tanto do fascismo europeu quanto do comunismo soviético.

Programas como o New Deal, o GI Bill ou o vasto programa de habitação social do Reino Unido exibiram os governos ocidentais não apenas como pilares de valores capitalistas, mas também como arquitetos de estruturas quase comunistas. Iniciativas como a Works Progress Administration [Administração do Progresso de Obras] ou os próprios militares demonstraram a capacidade do Estado para organização coletiva em grande escala.

O boom do pós-guerra elevou milhões de pessoas comuns (predominantemente brancas) a novas vidas de classe média, caracterizadas por segurança, dignidade social, consumismo, oportunidade criativa e descanso. Avanços em automação, materiais de construção e agricultura apoiaram essa transformação, o que provou que os governos poderiam criar sistemas poderosos de bem público da noite para o dia. Na década de 1960, os filhos daqueles que demonstraram esse poder coletivo sonhavam em aplicar essa capacidade em escala global, independentemente de raça, gênero e nacionalidade.

Em vez disso, não obtivemos nada além de escassez.

Em Comunismo Ácido — um título que faz alusão à nossa necessidade de reestetizar a vida cotidiana, elevar nossa consciência e enxergar através do tigre de papel do realismo capitalista — Fisher aponta a escassez e a restrição artificial como o principal gerador de riqueza para aqueles no comando da ordem do pós-guerra.

Inflação foi a palavra da moda da eleição de 2024, que se deveu em parte à escassez real — assim como às várias crises na cadeia de suprimentos durante a pandemia, que tornaram os americanos mais ricos 40% mais ricos. Mas as corporações também têm praticado aumentos de preços sem consequências, criando uma forma de escassez artificial que corrói o valor dos aumentos salariais por meio da inflação. Fisher identifica esse padrão como uma característica definidora do capitalismo neoliberal: “Um sistema que gera escassez artificial para produzir escassez real; um sistema que produz escassez real para gerar escassez artificial.”

Considere a degradação da superfície do solo por pesticidas, que beneficia empresas como a Monsanto — elas lucram com a venda de pesticidas e podem então lançar alimentos geneticamente modificados como uma solução para os danos. Essa lógica cíclica perpetua um sistema ostensivamente projetado para a criação de riqueza, mas, na realidade, obstrui a produção de riqueza comum. Recursos são retidos, e o valor do trabalho é desviado. Um sistema capaz de satisfazer as necessidades de todos, abrigo, comida, assistência médica, uma vida livre de trabalho sem sentido — as premissas do Red Plenty — é deliberadamente frustrado.

Para Fisher, esse é o núcleo materialista da contracultura. Os detritos hippies restantes — sinais de paz, coletes de couro, a música da época — são resquícios assombrados de um potencial mais profundo e não realizado. Fisher desprezava os hippies e sua exaltação do uso de drogas, criticando seu “infantilismo hedônico” como um reforço do realismo capitalista, em vez de uma rebelião contra ele. Mas, ainda assim, Fisher se apegou ao sonho “psicodélico” de emancipação, uma visão de capacidade e possibilidade coletivas.

À medida que confrontamos a presença assombrosa do realismo capitalista — chegando ao trabalho com Donald Trump no comando novamente, suportando temperaturas crescentes enquanto o mundo se aproxima da marca de 1,5 grau Celsius, enfrentando um clima cada vez mais catastrófico ou ouvindo a última história de crueldade hesitante cometida pela classe dominante — é importante reconhecer que o fim do mundo é exercido como uma ameaça constante para manter o status quo. A repetição infinita de termos como “temperaturas recordes” e “chuvas sem precedentes” e “Hillary Clinton dá conselhos” inspira pavor, mas claramente não precisa ser assim.

Como soaria a “razão psicodélica”? Como a consciência psicodélica e a consciência de classe poderiam convergir para imaginar um mundo além do realismo capitalista?

Dando socos no deserto do real

Como David Graeber documentou em Bullshit Jobs [Trabalhos de Merda], todos os dias, nosso sistema de trabalho inflige uma “cicatriz” moral e espiritual em “nossa alma coletiva”. Em 1930, escreve Graeber, o economista John Maynard Keynes previu que os Estados Unidos e o Reino Unido teriam uma semana de trabalho de quinze horas até o ano 2000. “Em vez disso, a tecnologia foi mobilizada, se tanto, para descobrir maneiras de fazer todos nós trabalharmos mais. Para conseguir isso, tiveram que ser criados empregos que são, efetivamente, inúteis.”

Graeber aponta para o inchaço do setor administrativo, o crescimento astronômico de serviços financeiros, marketing, direito corporativo, recursos humanos e consultoria de relações públicas como exemplos de profissões cujos praticantes confessam que eles próprios não acreditam que contribuem para a sociedade. Todos nós sabemos que é uma merda. Muitos de nós vamos trabalhar pelo salário, contamos as horas e então usamos nosso tempo livre limitado para o reparo autoconfortante necessário para repetir o ciclo amanhã.

Essa foi minha experiência com a maioria dos empregos, e isso cria um ciclo diário de “chicote e bálsamo”, difundindo uma epidemia de depressão, abuso de substâncias e um sentimento central de falta de sentido individual, apesar da compensação financeira adequada ou boa. É um resultado da visão de abundância adiada — somos assombrados por sonhos de Red Plenty; de possibilidades coletivas que estão aparentemente fora de alcance. Mas dicas sobre como superar isso surgem em pensadores como Fisher. Em Comunismo Ácido, ele captura esse mal-estar em uma perspectiva que sai da rotina da vida moderna:

O fardo onírico da vida cotidiana de uma perspectiva que flutuava ao lado, acima ou além dela: fosse a rua movimentada vislumbrada da janela alta de um dorminhoco, cuja cama se torna um barco a remo suavemente ocioso; a neblina e a geada de uma manhã de segunda-feira abjuradas de uma tarde ensolarada de domingo que não precisa acabar; ou as urgências dos negócios desdenhadas levianamente do ninho de uma mansão aristocrática labiríntica, agora ocupada por sonhadores da classe trabalhadora que nunca mais voltarão a bater o ponto.

O trabalho de Fisher, incluindo seu blog de k-punk, era um marco da blogosfera do início dos anos 2000, antes que esse espaço fosse subsumido pelos cercamentos corporativos da mídia online. A internet, que poderia ter permanecido um vasto e poderoso espaço público de informação, foi sequestrada pelas pessoas mais estúpidas e tristes que veem seu potencial apenas como uma ferramenta para obterem lucro infinito. A inteligência artificial está deixando uma merda nossa linguagem, arte e compreensão geral do mundo, enquanto o avanço tecnológico é cada vez mais sinônimo de desemprego em massa, vigilância e colheita de mão de obra sem fim por meio de postagens, de rolagem e curtidas. Nos bastidores, a Flórida afunda e novas epidemias e contaminações proliferam.

Em um mundo pós-1,5 grau Celsius, as ruínas de indústrias abandonadas não deveriam abrigar algo melhor? Uma esfera midiática pública? Galerias de arte, locais de concertos, teatros, estádios e campos esportivos? E se mais pessoas passassem o dia aprendendo falas de uma peça, desenhando roupas ou assistindo à peça em si. E se as pessoas pudessem não fazer nada por tempo suficiente para redescobrir que tipo de trabalho realmente acharíamos satisfatório se estivéssemos completamente, 100%, entediados?

O pensamento utópico frequentemente sinaliza falta de seriedade, especialmente na esquerda, onde os medos da ingenuidade abundam. Mas o Comunismo Ácido de Fisher nos lembra que imaginar “a maneira como as coisas poderiam ser” é um tônico vital contra o desespero: “Imagens de satisfação… destruiriam a sociedade que as suprime.”

Fisher se baseia nas ideias de Herbert Marcuse sobre por que a arte não tem o poder de retratar a utopia ou a “verdadeira satisfação”. Fisher diz que a arte só pode “medir nossa distância” entre hoje e a possibilidade de Red Plenty — no deserto do realismo capitalista, retratar o utópico inundaria a paisagem árida na qual a imagem foi suprimida. Esse processo não seria resultado de violência, mas de satisfação: segurança, prosperidade, fartura, crescimento real; uma torrente de bens públicos.

Em Realismo Capitalista, Fisher analisou o famoso filme Filhos da Esperança, de 2006 — uma história de ficção científica sobre o mundo enfrentando uma epidemia de esterilidade. A incapacidade de conceber filhos quase destrói a humanidade, as escolas primárias estão assustadoramente vazias e sem vozes infantis. O filme acompanha a mãe e guardiã da primeira criança nascida em décadas — é uma narrativa poderosa sobre um messias, oferecendo uma visão de renovação espiritual em uma distopia que se parece cada vez mais com o nosso mundo.

Fisher estava à frente de seu tempo e sentiu mais do que sua cota justa da dor do mundo. Ele buscou renovação em Comunismo Ácido, e há dicas em suas palestras finais reunidas em Desejo Pós-Capitalista, editado por Matt Colquhoun. Muitos de nós desejamos que o projeto não tivesse ficado inacabado. Mas, esse é o nosso trabalho — o pensamento de Fisher influenciou muitos, e a tocha foi carregada em livros como Inventing the Future: Postcapitalism and a World Without Work [Inventando o Futuro: Pós-Capitalismo e um Mundo Sem Trabalho] e After Work: A History of the Home and the Fight for Free Time [Depois do Trabalho: Uma História do Lar e a Luta por Tempo Livre].

Um dos temas principais em Comunismo Ácido diz respeito à “estetização da vida cotidiana” — uma maneira de olhar o cotidiano de modo distinto, tentando vê-lo radicalmente de outra forma. Isso não é pensamento mágico, como O Segredo, mas uma ferramenta para combater o derrotismo. Ao reencantar o cotidiano, podemos detectar vislumbres de utopia — de Red Plenty — e resistir à inevitabilidade sufocante do presente. Fisher nos desafiou a ver a dignidade humana global como uma força que deve ser contida, amarrada e sedada para manter o sistema atual intacto. Como avançamos mais para o reino da razão psicodélica? Fisher nos iniciou perguntando: “E se o sucesso do neoliberalismo não fosse uma indicação da inevitabilidade do capitalismo, mas a evidência do tamanho da ameaça representada pelo espectro de uma sociedade que poderia ser livre?”

Colaborador

Os escritos de Devin Thomas O'Shea foram publicados na Nation, Protean, Current Affairs, Boulevard e em outros lugares.

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