7 de agosto de 2008

Extravagâncias monetárias

O Brasil abusa dos juros altos e da valorização cambial como instrumentos de combate à inflação

Paulo Nogueira Batista Jr.


A ÚLTIMA ata do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) declara que a estratégia é trazer a inflação de volta para a meta central de 4,5% "tempestivamente, isto é, já em 2009".
Talvez o Copom não tenha sido totalmente sincero (espero que não), mas vamos supor que sim.
Faz sentido essa estratégia? Depende. Se os preços do petróleo e dos alimentos continuarem cedendo, a meta central pode ser viável em 2009. Caso contrário, o custo pode ser alto.
Alto e desnecessário. Não seria mais razoável adotar um horizonte mais longo e fazer a taxa de inflação convergir gradualmente para o centro da meta? Buscar, por exemplo, algo como 5% a 5,5% em 2009 e 4,5% só em 2010? Para isso é que existe o intervalo de confiança de dois pontos percentuais acima e abaixo da meta central. Quando a economia sofre um choque de preços violento, como o que ocorreu em 2008 com petróleo, alimentos e outras commodities, a existência de um intervalo de confiança proporciona tempo e flexibilidade à política monetária.
Ao mirar o centro da meta com açodamento, o Copom poderá ser levado a praticar juros extravagantes -com conseqüências em termos de baixo crescimento da economia, aumento do desemprego, pressão sobre as finanças públicas e valorização adicional do real em relação a moedas estrangeiras.
Na verdade, os juros brasileiros já são extravagantes. A UpTrend Consultoria Econômica faz um levantamento periódico das taxas de juro praticadas em 39 países e em Hong Kong. De acordo com o último levantamento, o Brasil lidera com folga o ranking de juros reais. A taxa básica brasileira, descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, alcança 7,2%. A média geral é negativa em 0,2%. Nada menos que 19 países praticam taxas reais negativas -inclusive Estados Unidos, Japão, Israel, Coréia do Sul e Chile.
Se o Copom continuar aumentando a taxa básica, especialmente em doses cavalares, como na sua última reunião, a diferença crescente entre os juros brasileiros e os do resto do mundo atrairá grande volume de recursos do exterior -especialmente se ao diferencial de juros se acrescentar a firme expectativa de valorização do real. A competitividade da economia brasileira irá para o espaço. O nosso déficit estrutural no balanço de pagamentos em conta corrente aumentará ainda mais.
No regime de câmbio flutuante, a valorização cambial não é propriamente um efeito colateral indesejável da política monetária restritiva, mas sim um dos canais de transmissão dessa política. O problema, volto a dizer, é que o Brasil vem abusando da valorização cambial como instrumento de combate à inflação. O espaço para isso é agora pequeno ou inexistente.
A cada mês que passa, pioram os números do balanço de pagamentos. O ritmo de crescimento das importações supera por larga margem o das exportações. São crescentes os gastos com viagens internacionais e com a remessa de lucros e dividendos ao exterior. O déficit em conta corrente acumulado em 12 meses subiu para US$ 18,1 bilhões em junho. As projeções de mercado, coletadas pelo Banco Central, apontam para um déficit de US$ 25 bilhões em 2008 e de US$ 33 bilhões em 2009.
Ora, o cenário internacional está longe, muito longe de tranqüilo. Tudo indica que a fase de bonança acabou. Poderemos sofrer novos choques externos e atravessar períodos de turbulência.
Não é hora de extravagâncias.

Sobre o autor

Paulo Nogueira Batista Jr., 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

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