18 de abril de 2013

A invenção da Terra de Israel

Neste segundo volume de sua trilogia de estudos judaicos, Sand explora como a "Terra de Israel" foi inventada, e desmascara a mitologia nacionalista popular.

Donald Sassoon

The Guardian

Em 2009, Shlomo Sand publicou “A Invenção do Povo Judeu", no qual afirmou que os judeus têm pouco em comum uns com os outros. Não existe uma linhagem étnica comum em virtude do elevado índice de conversão na antiguidade. Também não têm uma linguagem comum, pois o hebraico era unicamente utilizado para efeitos litúrgicos e não era nem falado no tempo de Jesus. O ídiche era somente utilizado pelos judeus asquenazes. O que resta para os unir? Religião? Mas religião não cria um povo – vejamos o caso dos muçulmanos e dos católicos. Além de que muitos dos judeus não são religiosos. Sionismo? Não passa de uma opção política: alguém pode ser escocês e não ser partidário do nacionalismo escocês. Além de que muitos judeus, incluindo sionistas, não têm a mínima intenção de “retornar” à Terra Santa preferindo permanecer em Londres, Brooklyn ou onde seja. Por outras palavras, a designação de “Povo Judeu” é uma construção política, uma invenção. Agora, Sand diz-nos neste segundo volume, daquilo que será uma trilogia, que mesmo a ideia de “Terra de Israel” foi inventada. O terceiro volume da trilogia será “A Invenção dos Judeus Seculares”.

A “Terra de Israel” quase não é mencionada no Antigo Testamento; a expressão mais frequente é Terra de Canaã. Quando é mencionada, não inclui Jerusalém, Hebron ou Belém. “Israel” bíblica é somente Israel Norte (Samaria) e jamais existiu um reino único e unido que incluísse a antiga Judeia e Samaria. 

Mesmo que tal reino alguma vez tenha existido, não é um argumento válido para reivindicar um estado após mais de 2000 anos. É uma ironia da História que tantos sionistas, muitos deles seculares e socialistas usem argumentos religiosos para sustentar as suas teses. Além disso, o relato bíblico deixa bem claro que os judeus, liderados por Moisés e depois por Josué, foram colonizadores e ordenados por Deus para exterminar “tudo o que respire”. “Destrói-os completamente – Hititas, Amoritas, Cananeus, Ferezeus, Hivitas e Jebuseus - como o Senhor vos ordenou”. Imaginem se os Amoritas voltassem para reclamar a sua antiga terra. Se o fizessem, isto é o que Deuteronómio 20 tem a dizer: “Passem pela espada todos os homens... Quanto às mulheres, crianças, gado e tudo o mais... podem tomá-los para vós como pilhagem”. Hoje em dia, uma injunção deste tipo iria levá-lo diretamente para o Tribunal Penal Internacional.

A incerteza quanto ao que constitui exatamente a “Terra de Israel” perdura até hoje. Existe um estado de Israel reconhecido internacionalmente com fronteiras claramente definidas (A Linha Verde de 1967 resultou da expansão que se seguiu à guerra de 1948) e existe a “Terra de Israel” cujas fronteiras dependem de quem está falando; para alguns isso inclui toda a Cisjordânia, para outros toda a Jordânia. Para muitos, inclui parte da Turquia, Síria e Iraque, pois Deus prometeu a Abraão e aos seus descendentes “esta terra, desde o rio do Egito até ao Eufrates”.

No judaísmo tradicional não existe qualquer determinação de “regresso” à “Terra de Israel”. O ritual “próximo ano em Jerusalém”, que faz parte da oração do Sêder de Pessach, nunca foi uma chamada para reivindicar ou reconstituir um estado.

No século XIX, aqueles que defendiam o “regresso” dos judeus à Terra Santa eram mais cristãos sionistas que judeus. Lord Shaftesbury, um Tory compassivo que contribuiu para a melhoria das condições de loucos em asilos e crianças nas fábricas (The Ten Hours Act, 1833), lutou incessantemente para promover uma presença judaica na Palestina. Shlomo Sand descreve-o como um Theodor Herzl antes de Herzl, e com razão pois parece que foi Shaftesbury quem criou a famosa frase “Uma terra sem povo para um povo sem terra”. Claro que ele tinha a esperança que os judeus se convertessem ao cristianismo. Lord Palmerston, do lado liberal, também se entusiasmou com a ideia, não por se importar com os judeus (ou cristãos), mas porque pensava que se os judeus britânicos colonizassem uma parte do Império Otomano, isso aumentaria a influência britânica.

Nessa altura, poucos judeus eram sionistas. Quando perseguidos, como aconteceu no Império Russo, preferiam fugir para as novas terras de emigração, como a Argentina ou os Estados Unidos, do que para a Terra Prometida. O que fez o "Estado de Israel" possível não foi a promessa de Deus, mas sim o Holocausto e a relutância ocidental de providenciar refúgio aos sobreviventes.

Grande parte do que Shlomo Sand revela é conhecido pelos especialistas. O seu feito consiste em desmascarar a mitologia nacionalista que reina em grande parte da opinião popular. Também normaliza os judeus, uma vez que desafia a crença no excepcionalismo. O Holocausto foi um evento único, mas a ladainha nacionalista é basicamente semelhante em todas as nações – quase um gênero literário em si – pois está dividida entre um sentido lacrimoso de vitimização e autopiedade e uma narrativa presunçosa de feitos heroicos. "We", so goes the story, have been around for centuries (1066, famously, in Britain; 966 in Poland; since antiquity in Italy and in Greece). Eventually, after centuries, we achieved our freedom, our independence, our happiness, and we, who are unlike everyone else, can finally be like everyone else: members and possessors of a country and a nation.

Demystifying what the French call le roman national seems to be today one of the major tasks of historians (once they used to write it). This can be an uphill struggle, yet it is to the credit of the Israeli book-reading public that Sand's previous book, The Invention of the Jewish People became a bestseller. Truth-telling may be painful but necessary.

Sobre o autor

Donald Sassoon é professor de História Comparada da Europa na Faculdade Queen Mary da Universidade de Londres.

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