13 de setembro de 2008

Para perder o medo de crescer

Antônio Corrêa de Lacerda

Folha de S.Paulo

TALVEZ O maior risco para a continuidade do crescimento da economia brasileira atual não sejam a incerteza do cenário internacional ou mesmo os gargalos internos. O grande desafio é livrar-se de falsos dilemas e comprometer todos, governo e agentes econômicos, com o "espírito do crescimento".

A nação convive com um imenso "déficit" social. A cada ano, 1,8 milhão de novos trabalhadores procuram o seu primeiro emprego, nem sempre com sucesso. Há também uma dívida com os cerca de um quinto dos jovens entre 17 e 24 anos que permanecem desempregados, apesar da reativação da economia.

O crescimento se constitui em um imperativo para um país com as características brasileiras. Não que a expressão quantitativa do crescimento seja suficiente para consubstanciar a melhora qualitativa do desenvolvimento. Mas este não se realiza sem aquele, sendo, portanto, uma condição necessária.

A análise econômica convencional tem se pautado nas questões que envolvem as restrições ao crescimento econômico brasileiro. A idéia do PIB potencial, nível a partir do qual adviriam pressões inflacionárias, é bastante questionável. Primeiro, porque se revela tautológica. Como as decisões da política econômica se pautam em um "teto" para o crescimento, esse se transforma em uma profecia auto-realizável.

Segundo, porque os indicadores referentes ao índice de ocupação da indústria precisam ser vistos com cuidado. Eles partem das respostas das empresas, que tendem a adequar a sua capacidade de produção, incluindo o uso de turnos de produção, no intuito de atender à demanda esperada.

Da mesma forma, investimentos são programados e realizados com base na expectativa de demanda.

Os dados, tanto a formação bruta de capital fixo, que vem crescendo 16,2%, quanto os levantamentos de intenções de investimentos, corroboram a visão de que não há desequilíbrios entre oferta e demanda à frente.

Esses aspectos precisam ser levados em conta na fixação das taxas de juros, na regulação creditícia e demais decisões de política econômica.

Nesse ponto, o risco é que o exagero na elevação dos juros, antes que tempestivo, seja açodado. Também é preciso evitar que, em nome da parcimônia, se sucumba à pusilanimidade, a característica dos fracos.

Temos uma meta rígida de inflação, mas pouco compromisso com o desenvolvimento. A situação vigente leva a um certo "conforto". Para o governante, os resultados do crescimento, ainda que aquém do necessário, dão uma falsa satisfação do "dever cumprido", quando comparado ao passado pregresso. Os elevados índices de aprovação do governo confirmam essa hipótese (é a economia, estúpido!). No "mercado", forma-se um pseudoconsenso em favor de decisões de cunho conservador.

A garantia de que o país possa crescer aceleradamente, superando gargalos sem gerar pressões inflacionarias, é estimular investimentos por meio de um ambiente favorável. Isso inclui não só juros mais baixos, câmbio competitivo, adequação tributária, melhora das condições de logística e infra-estrutura etc., mas também maior determinação em políticas de competitividade.

Mas não haverá um dia "d" a partir do qual o país estará pronto para crescer. Trata-se de processo, do qual o crescimento é parte integrante. Assim como a poupança é resultado do efeito multiplicador dos investimentos, e não um pré-requisito.

O governo precisa fazer a sua parte, melhorando a eficácia da gestão dos recursos públicos, garantindo a estabilidade e a clareza do ambiente regulatório e realizando os investimentos que lhe competem.

Para o setor privado, o que desperta de fato o "espírito animal" dos empresários é, além das condições já mencionadas, uma percepção firme de aumento continuado da demanda. Curiosamente, a despeito da complexidade que envolve o tema, o que viabiliza o crescimento é mesmo o desejo de crescer!

Sobre o autor

Antônio Corrêa de Lacerda, doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp, é professor doutor do Departamento de Economia da PUC-SP e co-autor, entre outros livros, de "Economia Brasileira" (Saraiva).

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