18 de agosto de 2022

Sobre a tabela de Imposto de Renda

Dá para confiar em promessas de correção no novo governo?

Nelson Barbosa


Pela regra atual do Imposto de Renda, a despesa com aluguel não vira dedução, como ocorre com despesas médicas, por exemplo - Catarina Pignato

Ano eleitoral ressuscita o debate de Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas (IRPF). O fato de a tabela de tributação sobre renda pessoal não ser corrigida desde 2016 também estimula a discussão, pois a inflação acumulada desde então deve atingir 46% (assumindo variação de 7% do IPCA neste ano).

Na última eleição Bolsonaro prometeu corrigir a tabela. Passaram quatro anos e ele não fez nada. Lula já anunciou que, se eleito, corrigirá a tabela, em um percentual a ser definido de acordo com a situação fiscal do governo.

Dá para confiar na promessa de Lula? Acho que sim e aponto um fato (não opinião): passado um período de ajuste, em 2003-04, os governos do PT (Lula e Dilma) corrigiram a tabela de IRPF em todos os anos completos de governo, de 2005 a 2015.

Em 2016, o governo Dilma enviou nova proposta de correção ao Congresso, de 5%, a ser compensada pela tributação de lucros, dividendos e grandes heranças (PL 5205/2016), depois abandonada pelo governo Temer.

Para ser justo com Temer e Bolsonaro, eles não foram os únicos a manter a tabela de IRPF congelada por muito tempo. Fernando Henrique também fez isso, mantendo valores constantes de 1996 a 2001. Só em 2002, último ano de governo tucano, houve correção. Mas vamos olhar para frente.

Qual deve ser a correção da tabela de IRPF em 2023? As opiniões variam dependendo para quem você pergunta. Tomando 1995 como referência, o Sindireceita (Sindicato de Analistas Tributários) calcula uma defasagem de aproximadamente 133% em relação à inflação acumulada desde então.

Saindo do economês, para zerar a defasagem calculada pelo Sindireceita, a faixa de isenção de IRPF teria que subir de R$ 1.903.98 hoje para R$ 4.436,27 em 2023. Já se for para corrigir a tabela de IRPF somente pela inflação acumulada em 2016-22, a faixa de isenção teria que subir para R$ 2.775,81 em 2023.

Quanto custaria a correção? Novamente segundo o Sindireceita, zerar a defasagem aumentaria a renda disponível das famílias, basicamente da classe média, em R$ 53 bilhões. Para colocar o número em perspectiva, segundo estimativas do meu colega Manoel Pires, da FGV, manter o auxílio às famílias de baixa renda no valor médio de R$ 600 por mês custaria cerca de R$ 60 bilhões em 2023.

Dado que o orçamento do governo é limitado, qual deve ser a escolha política? Antes dar minha opinião é bom esclarecer duas coisas. Primeiro, apoio e voto em Lula, mas não falo por sua campanha.

Segundo, seja via correção da tabela de IRPF para a classe média ou transferência de renda aos mais pobres, parte do estímulo fiscal volta ao governo na forma de arrecadação, pois as famílias gastarão parte do aumento de renda (o que nós economistas chamamos de efeito multiplicador).

Voltando à pergunta: o governo deve fazer as duas coisas em 2023. Manter o orçamento das transferências de renda no valor equivalente a R$ 600 por mês, mas melhorando a alocação do recurso, e corrigir a tabela de IRPF em algo entre 46% e 133%.

Mesmo após o efeito multiplicador, as duas medidas aumentarão o déficit primário, e isso terá que ser compensado mais à frente. A forma óbvia de compensação é aumentar os impostos sobre os mais ricos, que era a proposta do governo Dilma lá em 2016. Provavelmente este será o caminho adotado por um eventual governo Lula.

No caso de Bolsonaro, registro que ele tentou fazer a mesma coisa com sua proposta de IRPF no final de 2021, mas a pressão política de quem seria onerado falou mais forte e barrou o projeto. Algumas coisas são apartidárias no Brasil.

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