15 de janeiro de 2010

Entrevista com Raghuram Rajan

Por John Cassidy


Esta é a sétima de uma série de entrevistas com economistas da Escola de Chicago. Leia “Depois da Explosão”, a história de John Cassidy sobre os economistas de Chicago e a crise financeira.

Tradução / Encontrei-me com Rajan no seu gabinete na Booth School of Business. Comecei por lhe perguntar sobre o trabalho académico que ele e vários colegas da escola de gestão realizaram nos anos que antecederam 2007 sobre banca e liquidez. Para além de explorar questões teóricas que se revelaram importantes, Rajan, no Verão de 2005, emitiu um aviso presciente sobre os perigos de uma explosão financeira envolvendo os mercados de crédito. Foi notável, observei, que apesar da imagem de Chicago como um bastião da eficiência do mercado, era também a sede de uma investigação muito mais questionadora do sistema financeiro.

Esqueça as declarações públicas. A investigação feita neste local foi, essencialmente, muito certeira – questões de liquidez, o facto de a liquidez poder secar e quem está lá para fornecer liquidez nessas situações. Um dos meus colegas, Doug Diamond, é, em muitos aspetos, o pai da teoria bancária moderna. Ele escreveu o livro sobre as corridas aos bancos, literalmente. Quando ele viajava para dar as suas palestras, as pessoas costumavam dizer: “Porque é que estás a trabalhar em história?” Infelizmente, estas coisas são demasiado reais hoje em dia.

A questão é que a investigação impulsiona o pensamento, e há todo o tipo de investigação a ser feita aqui. As pessoas que estão nos extremos recebem muita imprensa, pessoas que dizem: “Não vamos fazer nada, vamos liquidar” – o tipo de visão de Andrew Mellon. Há pessoas em Chicago que têm essa opinião. Há outros que entendem que o sistema bancário é muito mais importante e diferente da maioria das empresas. Sim, é possível fechar alguns bancos sem problemas, mas há alguns bancos que estão tão interligados que não há essa opção.

Há pessoas que dizem, como Simon Johnson [economista do MIT que trabalhou no Fundo Monetário Internacional], por exemplo: “Oh, nós sabemos como fechar estes bancos. Fizemo-lo no FMI”. O FMI nunca fez nada desta dimensão – nem por sombras. Os Estados Unidos fecharam bancos, como o Wachovia ou o Washington Mutual, ou pelo menos dissolveram-nos, e estes são realmente grandes bancos. Mas quando se chega ao Citigroup ou ao Bank ofAmerica é uma questão completamente diferente. Temos de descobrir como o fazer – sem qualquer dúvida. E podíamos ter sido muito mais duros com os bancos do que temos sido. Mesmo agora, poderíamos ser muito mais duros do que somos. Mas argumentar que é uma coisa muito simples de fazer – que é só uma questão de os nacionalizar ou de os fechar – há uma série de questões que se colocam.

Tudo o que estou a dizer é que não há respostas fáceis nesta questão… e não é preciso ser corrupto ou estar a soldo do sector financeiro para dizer: Esperem um minuto: não é tão simples como deixá-los ir todos à falência ou nacionalizá-los a todos. Este é meu discurso sobre o sector bancário. De um modo geral, penso que fizemos tudo o que era necessário fazer. Penso que o lado negativo do que não fizemos é o facto de não termos obrigado os bancos a enfrentar mais dificuldades. Isso teria tornado politicamente mais fácil fazer o que precisava de ser feito.

Quando diz “obrigar os bancos a enfrentar mais dificuldades”, o que é que quer dizer? Uma regulamentação mais dura? Grandes participações de capital para o governo - na linha dos britânicos?

Participações no capital e outras coisas. Por exemplo, mesmo agora [o Governo] pode exigir que todas as compensações acima de um determinado montante sejam pagas em ações, e ações que sejam verdadeiras ações. A forma como os bancos o fazem agora é pagar às pessoas em ações, mas também recompram quantidades iguais de ações [no mercado]. Assim, não há aumento de capital.

O que temos neste momento é uma situação em que todos os aforradores do país estão, essencialmente, a pagar um enorme imposto para salvar o sistema bancário. Estamos todos a ser lixados nas nossas contas do mercado monetário – a receber 0,25 por cento – e os bancos estão a fazer um enorme spread em quase todos os ativos que detêm, porque os estão a financiar a taxas muito próximas de zero. Uma outra forma de o fazer – uma forma que seria bom tentar – é obrigar os bancos a proceder a aumentos de capital.

Qual é o objetivo de tudo isto? O objectivo de tudo isto é fazer com que os bancos emprestem. Bem, eles têm feito tudo o resto excepto emprestar. Agora, pode ser que não haja muitas oportunidades de empréstimo lucrativas nesta altura. Mas se não há, porque é que todos os aforradores estão a pagar por isto? Porque não se está a conseguir que eles emprestem mais e não se está a conseguir mais investimento, que era o objectivo de ter taxas de juro tão baixas. Na verdade, o que se está a fazer é criar uma série de outras bolhas de activos nesta altura.

Outra forma seria impor uma pressão mais direta sobre os bancos. Por exemplo, se os bancos estivessem cheios de capital e descobrissem que não podiam pagar bónus, e que todo esse [dinheiro] foi para aumentar a base de capital, teriam um incentivo para fazer empréstimos para reduzir o capital efetivo que têm. O que temos neste momento é que os cidadãos estão a pagar pelos bancos. Façam com que os bancos paguem por si próprios.

Isso afasta-se, comletamente, da questão da Escola de Chicago. Mas o que estou a argumentar é que em Chicago temos o extremo, que diz: “Deixem cair as cartas, elas que caiam. Qual é o problema de deixar alguns bancos irem à falência?” A opinião de quem defende esse ponto de vista depende do quanto se acha que os bancos como instituição são importantes. Doug Diamond e eu achamos que é essa a situação. Há muito capital organizacional e relacional colocado nos bancos. Se os deixarmos cair, é muito difícil pô-los a funcionar [de novo].

E quanto às causas da crise?

Dentro da grande tenda de Chicago, mais uma vez, há muitas explicações diferentes para o facto de isto ter acontecido. Se foi um problema de agência no próprio sistema bancário. Se foram os mercados que se descontrolaram – Dick Thaler estaria nesse campo – exuberância irracional de um tipo ou de outro. Ou se foi a intervenção do governo – a história de empurrar o crédito para os segmentos menos favorecidos da população. A minha sensação é que, se pensarmos seriamente no assunto, todas os elementos são importantes.

Quando se tem uma crise sistémica deste tipo num país desenvolvido… o objetivo do desenvolvimento é lidar com alguns destes problemas. Não há uma extensão populista do crédito. Não há bancos que enlouqueceram. Há uma supervisão razoável. É isso que sempre defendemos – é preciso ter boas instituições. E tudo isso se desmoronou. O que sugere que não se trata de um pequeno colapso; não é uma coisa pequena que correu mal. Não se pode culpar Greenspan por tudo. Trata-se de um colapso sistémico, e temos de analisar de forma mais ampla as razões que o levaram a acontecer.

Há quanto tempo está em Chicago?

Vim para cá em 1991.

Quando a Chicago estava muito associada à hipótese dos mercados eficientes?

Eu suponho... Quando vim para cá, Merton Miller e Gene Fama eram os líderes do grupo de finanças. Claramente, ambos estavam fortemente convencidos do velho ponto de vista de Chicago. Desde então, diria que Dick Thaler e Rob Vishny têm sido duas figuras importantes que sustentam que há sérios desvios em relação aos fatores fundamentais. A ideia de uma forma forte de eficiência é a seguinte: Se todos sabem que as coisas estão a correr mal, porque não as corrigem? Os argumentos de Vishny têm-se debruçado sobre a razão pela qual as coisas não são corrigidas – limites à arbitragem e coisas do género. Penso que isso é bastante persuasivo. O trabalho de Dick Thaler tem-se debruçado sobre a forma como as pessoas cometem erros de um determinado tipo. Isso, por si só, não é suficiente para explicar grandes desvios. Se alguém comete erros, porque é que outra pessoa não vê esses erros e tenta tirar partido deles?

Quem é que trouxe para aqui Thaler e Vishny? Foi tomada uma decisão deliberada para tentar alargar abordagem de Chicago?

O Vishny evoluiu. Quando entrou, era um tipo que se dedicava às finanças empresariais, mas depois interessou-se pela eficiência do mercado e coisas do género. Juntou o gesto às palavras. Dirigiu um fundo [de investimento] muito bem sucedido. E agora regressou. Vishny evoluiu e, portanto, não importou o vírus. Thaler foi uma importação direta. Acho que Gene, para seu crédito, e Vishny tiveram um grande papel em trazer Dick para cá.

Quero contar-lhe uma história que não sei se mais alguém já lha contou. Dick Thaler costumava dar um curso sobre a ineficiência do mercado. Durante nove semanas, ele defendia a ideia de que os mercados eram ineficientes, por esta ou aquela razão, por esta ou aquela maneira. Na décima semana, ele convidava Gene Fama. E Gene deitava por terra tudo o que Dick tinha ensinado aos alunos durante essas nove semanas. Era Chicago no seu melhor – onde se tem um debate mas se respeita o ponto de vista do outro, mesmo que seja diametralmente oposto ao seu. Não se trata de pessoas; trata-se de ideias. Infelizmente, em demasiados departamentos, os desacordos sobre ideias transformam-se em desacordos pessoais. Essa é uma diferença importante em Chicago – criticamos a ideia, e criticamo-la muito ferozmente internamente, mas não a pessoa.

Existe uma grande diferença entre a escola de gestão e o departamento de economia da universidade?

O departamento de economia, como sabe, tem personalidades gigantescas. Eu diria que a escola de gestão tem menos personalidades. Talvez haja menos gigantes na escola de gestão, mas também pode ser que a cultura aqui seja mais de dar e receber.

Como observador externo, por vezes parece que a escola de gestão está a começar a dominar o departamento de economia. Será que isso é justo?

Temos muito mais gente jovem – só por causa da dimensão. Temos um grupo de economia, um grupo de comportamento, um grupo de finanças. Penso que, em termos de números, somos maiores. Além disso, as escolas de gestão têm normalmente recursos substanciais, etc. Tudo isso ajuda. Todos estes fatores ajudam. Mas eu diria que continua a ser um departamento de economia formidável.

Tem havido muitos debates internos sobre a crise? Seminários, esse tipo de coisas?

Sim, quando a crise começou a agravar-se, realizámos uma série de seminários em toda a escola. E o nosso refeitório está sempre cheio de debates sobre este assunto – mais uma vez, porque divergimos internamente sobre as causas e os remédios. Tudo se resume a duas ou três coisas.

Primeiro: até que ponto foram os espíritos animais e erros ou incentivos distorcidos.

Segundo: a importância do sistema bancário. Se deixarmos que todos entrem em colapso, eles podem regenerar-se imediatamente, ou há alguma dificuldade em reconstruir organizações depois de entrarem em colapso? Há quem diga que é preciso liquidar e que das cinzas surgirão as fénix. Outros dizem que as cinzas são cinzas e que não se ganha nada com isso.

Terceiro: há também alguma discussão sobre a extensão da ligação entre o centro financeiro e o sistema político. Os que estão situados à esquerda e os que estão situados à direita pensam, basicamente, que estão na cama uns com os outros. Os que estão no centro pensam que [os decisores políticos] estão numa situação difícil.

Então, tem alguma simpatia por Tim Geithner, Larry Summers e outros membros da Administração Obama que estão a ser atacados por serem demasiado brandos com Wall Street? Afinal de contas, as pessoas tendem a esquecer como as coisas pareciam terríveis no final de 2008 e no início de 2009.

(Acena com a cabeça) A questão é a seguinte. Muita gente dizia que a única saída era nacionalizar os bancos, e agora não estão a rever o que diziam na altura. E os tipos que diziam: “Deixem-nos todos falir”? Também não estão a voltar ao que disseram. Se calhar, se os tivéssemos deixado falir, teríamos tido um resultado melhor – quem sabe? Mas penso que há que dar crédito às autoridades por, pelo menos, terem posto uma pedra sob o pânico. E penso que [Hank] Paulson merece algum desse crédito. Esta Administração seguiu um pouco do que ele fez.

Agora, eles estavam a jogar num ambiente em que estavam realmente a inventar à medida que iam fazendo, por isso tenho muita simpatia pelo que fizeram. Mas penso, em retrospetiva, e mesmo na altura, que podiam ter sido muito mais duros. O seu receio era que, se fossem muito mais duros, teriam atingido o fundo do poço. Penso que, mesmo nessa altura, poderiam ter sido mais rigorosos para com os bancos.

Quer dizer, quando estavam a dar garantias de dívida e injeções de capital, etc?

Sim. Na altura, podiam ter pedido mais [em troca], mas não creio que estivessem centrados nisso. O problema agora é que os bancos atuam como se nunca tivesse havido um problema. É a lógica expost: pagámos-vos com os próximos lucros. Bem, nessa altura ninguém estava disposto a emprestar-vos dinheiro. A taxa de juro efetiva que o governo deveria ter cobrado seria infinita. Quando não há quantidade de dinheiro disponível, o preço é infinito. (Risos) Portanto, argumentar que não foi um empréstimo subsidiado só porque o pagaram é ridículo. Eles sabem-no, mas, obviamente, é mais difícil de o explicar ao público.

E para onde vamos a partir de aqui?

O verdadeiro problema é que os Estados Unidos têm, em muitos aspectos, incentivado demasiado o consumo como paliativo para outras coisas que não foram resolvidas. Por isso, andamos à deriva porque a crise não foi suficientemente profunda [para obrigar a grandes mudanças]. Usámos todas as nossas balas. Não temos mais balas e estamos a incentivar novamente a tomada de riscos. Não estou a dizer que vamos necessariamente ter outra crise em breve. Mas o que é que temos de reserva se não tratámos dos problemas fundamentais? É essa a minha preocupação – que saiamos daqui sem uma noção séria de que há problemas que temos de resolver. Teremos identificado os bónus como um problema, ou algo do género, e imposto algumas restrições. Mas não teremos lidado com os problemas profundos subjacentes.

Voltando à sua investigação sobre o sector bancário: Encontrou alguma oposição a nível interno?

Não, não estávamos a levantar nenhum problema. O nosso estudo incidia sobre a liquidez e a possibilidade de esta se esgotar. Não se tratava da eficiência do mercado, nem de nada desse género. Era técnica e um pouco obscura. De certa forma, o que fizemos foi acrescentar alguns pormenores institucionais à teoria tradicional.

Houve precursores em Chicago da sua linha de trabalho?

Bem, há o Ronald Coase. Coase é uma figura importante em Chicago, e foi ele que começou esta coisa de se preocupar com a organização.

Falámos da teoria dos mercados eficientes. E a outra grande teoria moderna associada a Chicago – a hipótese das expectativas racionais? O que é que resta dessa teoria?

A culpa dos profissionais da macroeconomia não foi tanto das expectativas racionais, que são um dispositivo conveniente e útil. Foi o facto de ignorar as interdependências ou tubagem do sistema. Os economistas puderam dar-se ao luxo de o fazer durante muito tempo, porque ao nível das interdependências não havia nenhum efeito de reação. Agora que a correção foi feita, descobrimos que os empréstimos não são feitos num mercado puro e imaculado. As coisas podem ir abaixo. Pode haver constrangimentos de quantidade quando ninguém está disposto a conceder empréstimos a qualquer preço.

Não se trata tanto de expectativas racionais, que considero terem sido um avanço importante. O erro foi pensarmos que a economia funcionava razoavelmente bem e que podíamos ignorar os pormenores institucionais. Aprendemos que isso estava errado.

John Cassidy é redator da The New Yorker desde 1995. Ele também escreve uma coluna sobre política, economia e muito mais para newyorker.com.

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