20 de dezembro de 2012

Lênin e a "aristocracia operária"

O breve ensaio que se segue é uma contribuição à discussão do pensamento de Lênin, por ocasião do centenário de seu nascimento. O assunto pode ser tratado apropriadamente por um marxista britânico, uma vez que o conceito de uma "aristocracia do trabalho" é um que Lênin claramente derivou da história do capitalismo britânico do século XIX. Suas referências concretas à "aristocracia do trabalho" como um estrato da classe trabalhadora parecem ser extraídas exclusivamente da Grã-Bretanha. ... O termo em si é quase certamente derivado de uma passagem de Engels escrita em 1885 e reimpressa na introdução da edição de 1892 de The Condition of the Working Class in England em 1844, que fala dos grandes sindicatos ingleses como formando "uma aristocracia entre a classe trabalhadora".

Eric J. Hobsbawm


December 2012 (Volume 64, Number 7)

Tradução / Eric Hobsbawm, who died last October 1, aged ninety-five, has been much celebrated as one of the twentieth century’s greatest English-language historians despite his steadfast advocacy of socialism and use of the tools of Marxian analysis. But, if asked, the founding editors of Monthly Review, Leo Huberman and Paul Sweezy, his lifelong colleagues and comrades, would have differed a bit. They would have said that it was precisely because Marxism was intrinsic to his theory, understanding, and action that he gained his preeminence.

Both Hobsbawm and MR were born in turbulent times, he in the year of the Bolshevik Revolution, this magazine in the chaotic aftermath of the Second World War. But both came of age with the grim realities of the Cold War. Hobsbawm’s first book, published in the United States as Social Bandits and Primitive Rebels (1960), looked for lessons for fundamental change in pre-modern forms of resistance and rebellion, just as Huberman, Sweezy, and Baran were examining emerging revolutionary forms, especially in China and Cuba. Hobsbawm, of course, went on to chronicle the nineteenth-century revolutionary awakening of Europe while MR examined and analyzed the nascent radical upsurge in the global South.

Given the differences in their respective projects, distinctions in emphasis and direction were inevitable. In the aftermath of the 1956 events in the Soviet sphere Hobsbawm championed Eurocommunism, seemingly a break with the “hard line” Communism of the postwar European parties, but his stance was always to struggle within the movement not to separate himself from it. And for the next half-century he never considered himself anything other than part of the same project in which the editors of MR were engaged. So when W. W. Rostow’s The Stages of Economic Growth: A Non-Communist Manifesto (1960), later seen as a justification for the Kennedy-Johnson third world imperial plans in Vietnam and elsewhere, became the blueprint for the counterattack against the insurgent developing countries, Paul Baran and Hobsbawm published a powerful rebuttal, that among other things, noted the uses that Cold War social science was put in aid of the U.S. imperial enterprise (see “The Stages of Economic Growth,” Kyklos, May 1961, pages 234–42). The impact of this much-cited article was such that little attention is paid any longer to Rostow’s work.

But like many radical academics, Hobsbawm’s perhaps greatest contributions were as a teacher and communicator; something he shared, especially, with MR editor Leo Huberman, who was most committed to what he called “spreading the word.” The two of them became great friends when Hobsbawm came to New York for the first time at the end of the 1950s. In addition to much political talk, Hobsbawm took Huberman to The Five Spot, a dark smoky jazz club on the Bowery to hear music by the young followers of Charlie “Bird” Parker. Huberman, of course, had no idea who that was, but later said that the music and Hobsbawm’s running commentary was an extraordinary introduction to the quintessential musical form of this country. Hobsbawm was able to communicate to Huberman, as he did in his jazz reviews for the New Statesman, the place of jazz and Parker in the narrative of the struggle against Jim Crow on the eve of the civil rights movement. The reviews were collected in The Jazz Scene, which Hobsbawm published with the pseudonym Francis Newton, brought out by Monthly Review Press in the United States in 1960.

Hobsbawm’s interests were wide-ranging, but his scholarship was singular and his commitment to socialism was steely. What made his work especially interesting was his ability not only to capture the historical specificity of a given age, but also his tendency to look at what was on the outskirts of the dominant view and see change as it emerged from the margins. Related to this was his proclivity to take on some of the hardest issues, including those facing the left. The following article, “Lenin and ‘The Aristocracy of Labor,’” from the August 1970 issue of Monthly Review is an instance of the latter.

— The Editors

O breve ensaio que se segue é um contributo para a discussão sobre o pensamento de Lênin, por ocasião do centésimo aniversário do seu nascimento. Trata-se de um assunto que pode ser convenientemente tratado por um marxista inglês, visto que o conceito de Lênin de uma "aristocracia operária" derivou claramente da história do capitalismo britânico do século XIX. As referências concretas que ele faz à "aristocracia do trabalho" como uma camada da classe operária, aparecem retiradas exclusivamente de Inglaterra (embora nas suas notas sobre imperialismo faça referência a fenômenos semelhantes nas partes "brancas" do Império Britânico). O próprio termo quase de certeza deriva de uma passagem escrita por Engels em 1885 e reeditada na introdução à edição de 1892 de A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra em 1844 que fala dos grandes sindicatos ingleses como "uma aristocracia dentro da classe trabalhadora".

A expressão propriamente dita pode ser atribuída a Engels, mas o conceito era familiar no debate político social inglês nos anos 1880. Em geral, era aceito que a classe trabalhadora em Inglaterra, neste período, continha uma camada favorecida – minoritária mas numericamente extensa – que era habitualmente identificada com os "artesãos" (i.e. os trabalhadores e artífices qualificados) e sobretudo com aqueles que estavam organizados em sindicatos ou outras organizações da classe trabalhadora. É este o sentido com que observadores estrangeiros também usaram o termo, por exemplo Schulze-Gaevernitz, que Lênin cita favoravelmente no célebre oitavo capítulo do "Imperialismo". Esta identificação convencional não era inteiramente válida mas, tal como a utilização corrente do conceito de uma camada superior da classe trabalhadora, refletia uma clara realidade social. Nem Marx, nem Engels, nem Lênin "inventaram" uma aristocracia do trabalho. Existia apenas com demasiada visibilidade na Inglaterra da segunda metade do século XIX. Além do mais, se existia em algum outro local, era claramente muito menos visível ou significativa. Lênin assumiu que até ao período do imperialismo ela não existia em nenhum outro local.

A novidade do argumento de Engels estava em outro lugar. Ele defendia que esta aristocracia do trabalho fora possível devido ao monopólio do mundo industrial pela Inglaterra e que iria desaparecer ou que seria empurrada para junto do resto do proletariado com o fim deste monopólio. Lênin concordou com Engels neste ponto e nos anos que precederam 1914, quando o movimento operário inglês se radicalizava, teve tendência a realçar a segunda parte da argumentação de Engels, por exemplo nos seus artigos Debates Ingleses sobre uma Política Liberal dos Trabalhadores (1912), O Movimento Operário Inglês (1912), e Em Inglaterra, os Desastrosos Resultados do Oportunismo, (1913). Embora não duvidando nem por um momento que a aristocracia operária era a base do oportunismo e do "liberal-trabalhismo" do movimento britânico, Lênin não aparecia até então a enfatizar as implicações internacionais da discussão. Por exemplo, aparentemente não a usou na sua análise das raízes sociais do revisionismo (vide Marxismo e Revisionismo (1908) e Diferenças no Movimento Operário Europeu (1910). Aqui, ele defendia que o revisionismo tal como o anarco-sindicalismo eram devidos à constante criação de certas camadas intermédias – pequenas oficinas, trabalhadores domésticos, etc. – nas margens do capitalismo em desenvolvimento, as quais, por sua vez, eram constantemente atiradas para as fileiras do proletariado, pelo que era inevitável que as tendências pequeno-burguesas se infiltrassem nos partidos proletários.

A linha de pensamento de onde partiu do seu reconhecimento da aristocracia do trabalho foi um pouco diferente; e deve-se notar que ele a manteve, em parte, pelo menos, até ao fim da sua vida política. Aqui é talvez relevante observar que Lênin obteve o seu conhecimento do fenômeno, não só a partir dos escritos de Marx e de Engels, que frequentemente discorriam sobre o movimento operário inglês, dos seus contatos pessoais com marxistas em Inglaterra (que visitou seis vezes entre 1902 e 1911), mas também a partir da completa e bem documentada obra de Sidney e Beatrice Webb "Democracia Industrial" sobre os sindicatos "aristocráticos" do século XIX. Ele conhecia profundamente este importante livro, tendo-o traduzido no seu exílio na Sibéria, o qual lhe deu uma compreensão imediata das ligações entre os Fabianos ingleses e Bernstein: "A fonte original de uma série de disputas e ideias de Bernstein encontra-se nos últimos livros escritos pelos Webb", escreveu em setembro de 1899 a um correspondente. Lênin continuou muitos anos mais tarde a citar informação dos Webb e, especificamente, refere-se à Democracia Industrial no decurso da sua discussão em "Que fazer?"

Duas propostas podem ter saído em parte ou principalmente da experiência da aristocracia do trabalho britânica. A primeira, "que a subserviência à espontaneidade do movimento operário, depreciando o papel do "elemento consciente", do papel da Democracia Social, significa, quer se goste ou não, o crescimento da influência da ideologia burguesa no seio dos trabalhadores". A segunda, que uma luta puramente sindical "é necessariamente uma luta de acordo com o setor (ofício), porque as condições do trabalho diferem muito nos diferentes setores e, em consequência, a luta para melhorar estas condições só pode ser conduzida de acordo com cada setor". (Que fazer? O segundo argumento é apoiado com referência direta aos Webb).

A primeira destas propostas parece basear-se na perspetiva de que, no capitalismo, a ideologia burguesa é hegemônica a não ser que deliberadamente neutralizada pelo "elemento consciente". Esta importante observação leva-nos muito além da mera questão da aristocracia do trabalho e não precisamos de prossegui-la aqui. A segunda proposta está mais intimamente ligada à aristocracia do trabalho. Argumenta que, dada a "lei do desenvolvimento desigual" dentro do capitalismo – i.e. a diversidade de condições em diferentes indústrias, regiões, etc. da mesma economia – um movimento operário puramente "economicista" tenderá a fragmentar a classe operária em segmentos "egoístas" ("pequeno-burgueses") cada um perseguindo os seus interesses, se necessário em aliança com os seus próprios empregadores, às custas dos restantes. (Lênin frequentemente citou o caso das "Alianças de Birmingham" dos anos 90, tentativas de um bloco conjunto sindicatos-administração para manter os preços em diversos setores metalúrgicos. Quase certo que retirou esta informação dos Webb.) Consequentemente, um tal movimento puramente "economicista" leva a quebrar a unidade e consciência política do proletariado e a enfraquecer ou neutralizar o seu papel revolucionário.

Este argumento também é muito geral. Podemos olhar para a aristocracia do trabalho como um caso especial deste modelo geral. Surge quando as circunstâncias econômicas do capitalismo permitem dar concessões significativas ao proletariado, dentro do qual certas camadas conseguem, por meio da sua especial escassez, engenho, posição estratégica, força organizacional, etc., estabelecer muito melhores condições para si em detrimento das restantes. Assim, podem existir situações históricas, como em finais do século XIX em Inglaterra, quando a aristocracia operária pode quase ser identificada com o movimento sindical, como Lênin por vezes esteve quase a sugerir.

Mas se o argumento é em princípio mais geral, não pode haver dúvida de que o que estava na cabeça de Lênin quando o usou, era a aristocracia do trabalho. Vezes sem conta encontramo-lo a usar expressões tais como: "o espírito pequeno-burguês que prevalece entre esta aristocracia do trabalho" (A Sessão do Departamento da Internacional Socialista, 1908): "os sindicatos ingleses, insulares, aristocráticos, filistinamente egoístas", "os Ingleses orgulham-se do seu sentido prático e de não gostarem de princípios gerais; é uma expressão do espírito artesão no movimento operário" (Debates Ingleses sobre uma Política Liberal dos Trabalhadores, 1912); e "esta aristocracia operária... isolou-se da massa do proletariado em sindicatos de ofícios fechados e egoístas" (Harry Quelch, 1913). Além disso, muito mais tarde, numa declaração programática cuidadosamente elaborada – no seu Esboço de Teses Preliminares sobre a Questão Agrária para o Segundo Congresso da Internacional Comunista (1920) – é feita a ligação com a maior clareza:

Os trabalhadores industriais não podem desempenhar a sua missão histórica mundial de emancipação da humanidade do jugo do capital e das guerras se se preocuparem exclusivamente com o seu estreito ofício, com os estreitos interesses do seu setor e se confinarem a cuidar e a preocupar-se em melhorar as suas próprias, por vezes toleráveis condições pequeno-burguesas. Isto é exatamente o que acontece em muitos países avançados à "aristocracia do trabalho" que serve de base aos ditos partidos Socialistas da Segunda Internacional.

Esta citação, que combina as primeiras e mais tardias ideias de Lênin sobre a aristocracia do trabalho, leva-nos naturalmente de umas para as outras. Estes escritos mais tardios são familiares a todos os marxistas. No geral, eles datam do período que vai de 1914 a 1917 e formam parte da tentativa de Lênin de fornecer uma explicação coerente para o irromper da guerra e especialmente o colapso simultâneo e traumático da Segunda Internacional e da maior parte dos partidos que a constituem. Encontram-se quase inteiramente no oitavo capítulo de Imperialismo e o artigo Imperialismo e a Divisão no Movimento Socialista escrito um pouco mais tarde (1916) complementa-o.

A discussão sobre Imperialismo é bem conhecida, embora as notas de rodapé de Imperialismo e a Divisão não sejam tão largamente conhecidas. Genericamente, é assim. Graças à posição peculiar do capitalismo inglês – "grandes possessões coloniais e uma posição monopolista nos mercados mundiais" – a classe trabalhadora britânica tendia, já em meados do século XIX, a estar dividida numa minoria favorecida de aristocratas do trabalho e uma camada inferior muito maior. A camada superior "aburguesa-se" enquanto ao mesmo tempo "uma parte do proletariado se deixa ser dirigida por gente que é comprada pela burguesia ou que pelo menos é paga por ela. " Na época do imperialismo, aquilo que era então um fenômeno puramente inglês encontra-se agora em todas as potências imperialistas. Assim, o oportunismo que degenera em chauvinismo social caracterizou todos os principais partidos da Segunda Internacional. Contudo, "o oportunismo não pode agora triunfar no movimento da classe trabalhadora de nenhum país durante décadas como aconteceu em Inglaterra" porque o monopólio mundial tem agora de ser partilhado entre uma série de países que competem entre si. Assim, o imperialismo, enquanto generaliza o fenômeno da aristocracia do trabalho, também produz as condições para o seu desaparecimento.

As passagens relativamente superficiais de Imperialismo são explanadas numa argumentação bastante mais vasta em Imperialismo e a Divisão. A existência de uma aristocracia operária é explicada pelos super lucros do monopólio que permitem aos capitalistas "devotar uma parte (que nem sequer é pequena) a subornar os seus próprios trabalhadores, de modo a criar qualquer coisa como uma aliança... entre os trabalhadores de um dado país e os seus capitalistas contra os outros países. Este "suborno" funciona através de fundações, a oligarquia financeira, preços altos, etc., (i.e. algo como monopólios conjuntos entre um dado capitalismo e os seus trabalhadores). A quantidade do potencial suborno é substancial – Lênin calculou-o talvez como cem milhões de francos em bilhões – e portanto, em certas circunstâncias, é a camada que beneficia disso. Contudo, "a questão de como esta pequena esmola é distribuída entre ministros do trabalho, "representantes do trabalho"... membros dos comitês das indústrias de guerra, funcionários do trabalho, trabalhadores organizados em pequenos sindicatos de artífices, empregados de escritório, etc. etc., é uma questão secundária." O que resta da argumentação, com exceções que serão referidas abaixo, amplia mas não altera substancialmente a argumentação de Imperialismo.

É fundamental recordar que a análise de Lênin foi no sentido de tentar explicar uma situação histórica específica – o colapso da Segunda Internacional – e fundamentar conclusões políticas específicas que retirou daí. Primeiro, argumentou que, na medida em que o oportunismo e o chauvinismo social representavam apenas uma minoria do proletariado, os revolucionários teriam de "descer mais profundamente até às verdadeiras massas"; em segundo lugar, que os "partidos burgueses dos trabalhadores" estavam agora irrevogavelmente vendidos à burguesia e não iriam desaparecer antes da revolução nem "regressar" ao proletariado revolucionário, embora pudessem "jurar em nome de Marx", onde o marxismo fosse popular entre os trabalhadores. Assim, os revolucionários devem rejeitar uma unidade fictícia entre o proletariado revolucionário e a facção filistina oportunista dentro do movimento dos trabalhadores. Em suma, o movimento internacional teve de se partir, de modo a que um movimento Comunista dos trabalhadores pudesse substituir um movimento Social-democrata.

Estas conclusões aplicavam-se a uma situação histórica específica, mas a análise que as suporta era mais geral. Como fazia parte de uma polêmica política específica e de uma análise mais vasta, algumas das ambiguidades da argumentação de Lênin sobre o imperialismo e a aristocracia do trabalho não são para ser escrutinadas tão de perto. Como vimos, ele próprio pôs de lado alguns aspetos da questão como "secundários". Contudo, a argumentação é em alguns aspetos pouco clara ou mesmo ambígua. Grande parte das dificuldades surge da insistência por parte de Lênin de que o setor corrompido da classe trabalhadora é e só pode ser uma minoria, ou mesmo, como por vezes sugere de forma polêmica, uma pequeníssima minoria, contra as massas que não estão "infetadas pela respeitabilidade burguesa" e às quais os marxistas têm de apelar, pois "esta é a essência da tática marxista."

Em primeiro lugar, é evidente que a minoria corrompida podia ser, mesmo na suposição de Lênin, um setor numericamente grande da classe trabalhadora e um ainda maior do movimento organizado de trabalhadores. Mesmo que só correspondesse a 20% do proletariado, como as organizações de trabalhadores em finais do século XIX em Inglaterra ou em 1914 na Alemanha (o exemplo é de Lênin) não podia ser simplesmente descartado politicamente e Lênin era demasiado realista para o fazer. Daí uma certa hesitação nas suas formulações. Não era a aristocracia do trabalho como tal, mas apenas uma "camada" que tinha desertado economicamente para a burguesia ("Imperialismo e a Divisão"). Não é claro de que camada se trata. Os únicos tipos de trabalhadores que são especificamente mencionados são os funcionários, os políticos, etc., dos movimentos reformistas dos trabalhadores. São de fato minorias – pequeníssimas minorias – corrompidas e por vezes francamente vendidas à burguesia, mas a questão por que dominam o apoio dos seus seguidores não é discutida.

Em segundo lugar, a posição da massa dos trabalhadores é deixada em alguma ambiguidade. É claro que o mecanismo de exploração de um monopólio de mercados, que Lênin considera como a base do "oportunismo", funciona de modo que os seus benefícios não podem ser confinados apenas a uma camada da classe trabalhadora. Há boas razões para supor que "qualquer coisa como uma aliança" "entre os trabalhadores e os capitalistas de uma dada nação contra os de outros países" (e que Lênin ilustra com "As Alianças de Birmingham" dos Webb) implica alguns proveitos para todos os trabalhadores, embora obviamente muito maiores para os bem organizados e para os estrategicamente fortes trabalhadores aristocratas de entre eles. É com efeito verdade que o monopólio mundial do capitalismo britânico do século XIX pode ter dado poucos benefícios às camadas mais baixas do proletariado, enquanto deu benefícios substanciais à aristocracia do trabalho. Mas isto foi porque nas condições de inflação e capitalismo competitivo, liberal, "laissez faire" não havia outro mecanismo senão o mercado (inclusive a negociação coletiva dos poucos grupos proletários com capacidade para tal) para distribuir os proveitos do monopólio mundial aos trabalhadores ingleses.

Mas nas condições do imperialismo e do capitalismo monopolista isto deixou de ser assim. Fundações, manutenção de preços, "alianças", etc., possibilitaram a distribuição de concessões mais largamente aos trabalhadores afetados. Além do mais, o papel do Estado estava a mudar como Lênin tinha consciência. "Lloyd Georgism" (que discutiu de forma clara em Imperialismo e a Divisão) tinha intenção de "assegurar donativos bastante substanciais aos trabalhadores obedientes na forma de reformas sociais (segurança, etc.). "É evidente que tais reformas iriam beneficiar os trabalhadores "não aristocratas" relativamente mais do que os "aristocratas" já confortavelmente instalados.

Por fim, a teoria de Lênin sobre o imperialismo afirma que a "mão cheia das nações mais ricas e privilegiadas" se tornaram em "parasitas no corpo do resto da humanidade", i.e., em exploradores coletivos e sugere uma divisão do mundo em nações "exploradoras" e "proletárias". Podiam os benefícios de uma tal exploração coletiva ficar inteiramente confinados em uma camada privilegiada do proletariado metropolitano? Lênin estava bem consciente que o proletariado romano original era uma classe coletivamente parasita. Ao escrever sobre o Congresso da Internacional de Stuttgart em 1907, observava:

A classe dos que não têm nada mas que também não trabalham é incapaz de derrubar os exploradores. Só a classe proletária que mantém toda a sociedade tem o poder de fazer com sucesso uma revolução social. E agora vemos que em resultado de uma política colonial de grande impacto o proletariado europeu atingiu em parte uma situação em que não é o seu trabalho que mantém a sociedade no seu todo mas sim o trabalho dos povos das colônias que estão praticamente escravizados... Em certos países estas circunstâncias criam a base material e econômica para infectar o proletariado de um país ou de outro com chauvinismo colonial. Claro que isto pode talvez ser apenas um fenômeno temporário, mas no entanto tem claramente de se reconhecer o mal e perceber as suas causas...

"Marx frequentemente fazia referência a um ditado significativo de Sismondi que os proletários do mundo antigo viviam à custa da sociedade enquanto a sociedade moderna vive à custa do proletário" (1907). Nove anos mais tarde, no contexto de uma discussão posterior, Imperialismo e a Divisão ainda refere que "o proletariado romano vivia à custa da sociedade."

A análise de Lênin sobre as raízes sociais do reformismo é frequentemente apresentada como se se tratasse apenas da formação de uma aristocracia do trabalho. Claro que é inegável que Lênin enfatizava este aspecto da sua análise muito mais do que qualquer outro e por uma questão de argumentação política quase excluindo qualquer outro. É também claro que hesitava em dar seguimento a outras partes da sua análise que pareciam não terem que ver com a perspetiva política que ele naquela altura estava de forma esmagadora preocupado em apresentar. Contudo, uma leitura profunda dos seus escritos mostra que ele considerava mesmo outros aspetos do problema e que estava consciente de algumas das dificuldades de uma abordagem excessivamente unilateral da "aristocracia do trabalho." Hoje, quando é possível separar aquilo que é de relevância permanente na argumentação de Lênin daquilo que reflete os limites da sua informação ou as exigências de uma situação política específica, estamos em posição de ver os seus escritos numa perspetiva histórica.

Se tentarmos julgar o seu trabalho sobre "aristocracia do trabalho" em tal perspetiva podemos bem concluir que os seus escritos de 1914-1916 são de alguma forma menos satisfatórios do que a profunda linha de pensamento que desenvolveu de forma consistente em O que Fazer? até Esboço de Teses Preliminares sobre a Questão Agrária de 1920. Com efeito, embora grande parte da análise de uma "aristocracia do trabalho" fosse aplicável ao período do imperialismo, o seu modelo clássico do século XIX inglês que formou a base do pensamento de Lênin sobre o assunto, estava a deixar de fornecer um guia adequado ao reformismo de, pelo menos, o movimento operário britânico por volta de 1914, embora como camada da classe trabalhadora estivesse provavelmente no seu auge em finais do século XIX princípios do século XX.

Por outro lado, a argumentação mais geral sobre os perigos da "espontaneidade" e do economicismo "egoísta" no movimento sindical, embora ilustrada pelo exemplo histórico da aristocracia do trabalho britânica de finais do século XIX, conserva toda a sua força. É com efeito uma das contribuições mais fundamentais e brilhantes de Lênin para o marxismo.

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