20 de junho de 2020

Estamos sem rumo, sem aliados e sem interlocutores

O preço de uma política externa perdida

Miriam Gomes Saraiva
Paulo Afonso Monteiro Velasco Junior

Folha de S.Paulo


A postura errática e inconsequente do governo brasileiro traz perdas significativas em termos de inserção internacional. A primeira delas é o isolamento do Brasil no mundo: a política externa de Jair Bolsonaro vem sucessivamente minando os laços e a confiança mútua construídos historicamente pela diplomacia brasileira com diferentes parceiros.

Desde 2019, o país se afastou dos vizinhos e da América Latina em geral e abandonou os projetos de cooperação "sul-sul", notadamente com países africanos. Com a China, alterna ações positivas no campo de comércio e investimentos com agressões oficiais desnecessárias.

Também como consequência negativa está a diminuição do alcance e da visibilidade do país sobre as distintas agendas da política internacional. Historicamente, de diferentes formas, o Brasil apresentou-se como um ator que intermediava o Norte com o Sul, desempenhando a função de "país ponte". Através de diversas táticas, exercia um papel de formulador e/ou aglutinador de ideias em organizações multilaterais. Embora esse comportamento viesse já se perdendo nos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), era mais como uma retração temporária. Com Bolsonaro está havendo um claro abandono desse papel. Os votos negacionistas e minoritários nas instituições das Nações Unidas abalam a confiança no Brasil e minam a sua tradicional postura de articulador de consensos. A atuação na Conferência do Clima de Madrid, em dezembro de 2019, quase bloqueando um acordo final, certamente será lembrada.

No contexto da pandemia, o governo brasileiro não tem conseguido atender às demandas domésticas por insumos médicos para afrontar a doença. Apesar das dificuldades vivenciadas por todos os países em termos gerais, o Brasil não conta com a boa vontade de nenhum parceiro. A China não concede nenhuma facilidade para a transferência (ou mesmo venda pura e simples) de material de combate à pandemia. O suposto aliado principal, os Estados Unidos, tem um governo orientado para os interesses próprios e já bloqueou o envio de respiradores comprados da China para o Brasil. A propagada aliança é de mão única, do presidente Bolsonaro para fora.

Países vizinhos demonstram preocupação com a expansão do vírus no Brasil e buscam dar as costas. Na crise sanitária, o país está sem rumo, sem aliados e sem interlocutores, sob um governo que despreza as velhas tradições de política externa e se afasta de iniciativas multilaterais para enfrentar a pandemia.

O chanceler que suceder a Ernesto Araújo terá um enorme trabalho para recompor as relações do Brasil com diversos parceiros e para resgatar a credibilidade do país nas organizações internacionais.

A adoção de posições míopes e tacanhas em momento tão crítico trará consequências duradouras que, no mundo pós-pandemia, significarão a redução dos espaços e das oportunidades para o Brasil.

Não se trata mais apenas de uma ênfase ideológica no Itamaraty, mas de uma política externa que atenta contra os interesses do país, queimando pontes que demoraram décadas para serem construídas.

Sobre os autores

Miriam Gomes Saraiva

Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)

Paulo Afonso Monteiro Velasco Junior

Professor-adjunto de Relações Internacionais da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)

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