19 de junho de 2020

O final do começo

Vários países analisam programas de "reconstrução econômica" no pós-Covid-19

Nelson Barbosa



Parece que chegamos no "final do começo" da crise da Covid-19. A maioria dos países já sofreu a primeira onda de contágio da pandemia, reforçou sua rede de saúde, adotou medidas emergenciais de renda e crédito para os mais atingidos pelo choque econômico e agora se prepara para sair do isolamento social.

Sair do isolamento social não significa que o problema está resolvido, pois tudo indica que haverá segunda onda de contágio da doença e a perda de renda devido à parada súbita da economia não será reposta rapidamente.

Houve e ainda haverá aumento de endividamento do setor público e da maior parte do setor privado com o sistema financeiro (ou seja, com as pessoas mais ricas).

A redução da taxa básica de juro real para território negativo (agora realidade também no Brasil) ajudará na administração do endividamento, pois juro negativo significa perdão gradual do valor real da dívida, mas taxa de juro sozinha não faz milagre.

Ainda há grande incerteza sobre o ritmo de recuperação pós-Covid-19 e vários países analisam programas de "reconstrução econômica" para substituir as medidas emergenciais de renda e crédito por algo mais sustentável financeiramente.

E como momentos de crise são também oportunidades para transformação econômica e produtiva, alguns países estão avaliando amplos programas de investimento em desenvolvimento sustentável, isto é, desenvolvimento com inclusão social via emprego e preservação ambiental via mudança da matriz energética e padrão de consumo.

Como usual, a China parece largar na frente na reconstrução econômica pós-pandemia, uma vez que já tinha estratégia de transformação econômica antes da Covid-19.

A novidade desta crise é que as principais economias ocidentais também começaram a se mover em direção a um papel mais ativo do Estado no desenvolvimento econômico, com incentivos ao investimento em infraestrutura e inovação "verdes".

Na Europa de Merkel e Macron, Alemanha e França propuseram um programa de 500 bilhões de euros baseado em quatro pilares: reforço do sistema de saúde, recuperação mais rápida de emprego e renda, transição para economia digital e sustentável, e maior "autonomia industrial".

A iniciativa franco-alemã ainda precisa de aprovação dos demais membros da União Europeia, mas enquanto isto não acontece, a Alemanha largou na frente com programa próprio de 130 bilhões de euros em transferência de renda para famílias com crianças, corte de tributos indiretos e investimento público em carros elétricos (incluindo adaptação da rede de energia).

Nos EUA de Trump, o governo republicano discute um programa de US$ 1 trilhão para reconstrução pós-pandemia, enquanto a oposição democrata elabora proposta de mais investimento em infraestrutura, transferências de renda aos mais pobres e reforma do sistema de saúde no âmbito de um "Green New Deal".

A inspiração dos democratas norte-americanos é o que Roosevelt fez para combater a grande depressão dos anos 1930, só que adaptada à realidade de hoje e incluindo a disputa acirrada com a China pela liderança em tecnologias de inteligência artificial.

E no Brasil? Por enquanto nosso programa de reconstrução é não ter programa de reconstrução. Continuamos apostando que, em 2021, o retorno ao arrocho fiscal produzirá expansão espontânea do "PIB privado", sem necessidade de qualquer outra ação por parte do governo. Porém, como a crise é grave e os exemplos de fora apontam em outra direção, provavelmente o governo mudará de posição no próximo ano, com ou sem Bolsonaro.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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