15 de abril de 2020

O crash da bolsa norte-americana

Queda pressiona economia mundial em direção à grave recessão

Renan Tadeus Soares Cara

Folha de S.Paulo

Abertura da Bolsa de Valores de Nova York, que vive momentos turbulentos em meio à pandemia de coronavírus. Johannes Eisele/AFP

As cotações dos índices de ações negociados nas diversas bolsas de valores ao redor do mundo são relevantes porque representam a expectativa de lucro das corporações. Ações em alta significam maiores lucros, ampliação dos investimentos e uma perspectiva de crescimento econômico. Ações em baixa indicam a redução dos investimentos e o risco de recessão.

A economia norte-americana é extremamente importante para o mundo; portanto, a forte queda da bolsa de valores dos EUA das últimas semanas pressiona a economia mundial em direção a uma grave recessão.

O valor das ações das corporações dos EUA depende dos valores pagos aos acionistas através dos dividendos e das recompras de ações (operação que aumenta o valor dos dividendos distribuídos por ação).

No pós-crise de 2008 foram pagos aos acionistas das corporações norte-americanas valores recordes, que sustentaram a alta do mercado de ações. Entretanto, a elevada remuneração dos acionistas também resultou em um endividamento recorde para as companhias.

Os dados das Contas Nacionais dos EUA ("Flow of Funds") mostram que, a partir de 2017, o conjunto das corporações não financeiras norte-americanas precisou aumentar seu endividamento para manter os valores destinados aos acionistas (dividendos e recompras). Todo o investimento, além da depreciação, passa a ser financiado com emissão de dívida. No mesmo ano de 2017, a renda líquida do grupo dos seis maiores bancos dos EUA passa a ser menor do que a remuneração dos acionistas, e a soma do capital dos bancos começa a diminuir.

Para o economista Hyman P. Minsky, corporações que precisam aumentar seu endividamento para o pagamento dos juros ou remunerarem seus acionistas são dependentes de sistemas de financiamento do tipo "ponzi" (operação fraudulenta e sofisticada de investimento em esquema de pirâmide). Um sistema "ponzi" não pode durar por muito tempo.

Foi precisa a caracterização do CIO ("chief information officer") do fundo de investimento Guggenheim, Scott Minerd, neste ano, em Davos, de que o mercado financeiro dos EUA se parecia com um esquema "ponzi".

O coronavírus, pelos terríveis efeitos que produz na sociedade, causando a paralisação de muitas atividades e do investimento na economia, fez colapsar o lucro das corporações. A expectativa de grandes prejuízos congela o mercado de crédito no momento em que a necessidade de aumentar e refinanciar as dívidas é altíssima para as companhias dos EUA. Este processo resultou no crash da bolsa norte-americana.

A política monetária expansionista e o aumento do déficit público dos EUA são de extrema importância para que se evite uma crise humanitária e uma depressão econômica.

Entretanto, a necessidade de redução do endividamento das corporações norte-americanas que a crise provoca sugere que pode haver um longo período de recessão, seguido de baixo crescimento da economia mundial.

No Brasil o governo precisa concentrar seus esforços na contenção do vírus e no bem-estar da população, o que exige o aumento do gasto público e um Banco Central que esteja preparado para coordenar o socorro a instituições e pessoas com alto endividamento.

Após controlada a epidemia, o crescimento da economia brasileira dependerá da capacidade do governo e do setor privado de articular esforços para que seja possível elevar os investimentos em infraestrutura. Os setores de petróleo e gás, agricultura e pecuária, insumos industriais e mineração, que possuem uma grande participação na estrutura produtiva do Brasil, são diretamente afetados pelo ciclo econômico internacional —logo, os investimentos em infraestrutura precisam ter uma escala que compense a queda de atividade nesses setores.

Sobre o autor

Economista e mestre em ciências econômicas pela Unicamp

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