27 de abril de 2020

O coveiro-em-chefe do Brasil

Forrest Hylton

LRB Blog

Na semana passada, um jornalista perguntou a Jair Bolsonaro quantas pessoas no Brasil morreriam de Covid-19. O presidente respondeu que não tinha ideia: 'Eu não sou um coveiro', disse ele. Alguns dias antes, ele havia demitido seu ministro da Saúde, Luiz Enrique Mandetta. Falando cientificamente em suas coletivas de imprensa diárias e agindo consequentemente entre eles, Mandetta eclipsou Bolsonaro. Trabalhando com os governadores estaduais (os principais oponentes políticos do presidente), Mandetta alcançou um índice de aprovação quase o dobro de Bolsonaro e, mais importante, salvou centenas, senão milhares de vidas.

Em 27 de abril, o número oficial de casos de Covid-19 no Brasil é de 63.328 (20.715 em São Paulo) e houve 4.298 mortes (1.700 em São Paulo). Os números reais provavelmente são muitas vezes maiores, e a taxa de mortalidade diária não atingirá o pico antes de maio.

O sucessor de Mandetta, Nelson Teich, vem do setor de saúde privado. Seu primeiro passo foi nomear um general para trabalhar sob seu comando. Mesmo antes do início da crise, Teich havia expressado idéias neo-eugenistas sobre o valor da vida, com base em cálculos de lucros e perdas.

Como ele declara em suas aparições na TV, a principal preocupação de Bolsonaro é a economia; isso e a suposta conspiração contra ele pelos tribunais, pelo congresso e pela mídia. Não importa se todos eles são dominados pela direita e apoiaram o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff em 2016.

Bolsonaro ainda não apresentou os resultados dos testes do Covid-19 e continua fungando e tossindo em público, em um caso limpando o nariz no braço antes de apertar a mão de uma mulher idosa. Ele sai frequentemente e nunca usa máscara ou luvas. Supõe-se amplamente que ele tem o vírus e o está disseminando para seus seguidores evangélicos, que não acreditam nele, apesar de acreditar neles. Alguns certamente entendem isso: quando saem às ruas para protestar em favor da abertura de empresas, o fazem não a pé, mas isolados em seus carros de luxo. Outros aparentemente preferem o beijo da morte em comícios em massa. Em 19 de abril, os apoiadores de Bolsonaro se reuniram para exigir uma repetição do golpe de 1968 que fechou o Congresso, os tribunais e a mídia. Um dos divulgadores de uma manifestação em março morreu de Covid-19.

Como Trump, Bolsonaro tentou sequestrar remessas de equipamentos médicos destinados aos governadores da oposição de estados em necessidade, em particular o Maranhão, onde o governador comunista, Flávio Dino, comprou ventiladores de Santa Catarina. Os tribunais decidiram a favor de Dino. Bolsonaro ordenou que o exército e a indústria farmacêutica aumentassem a produção de hidroxicoloroquina e, como Trump, promoveu-a como uma possível cura milagrosa. Depois de se reunir com Bolsonaro em 24 de abril, o Conselho Federal de Medicina do Brasil aprovou seu uso, apesar da falta de evidências científicas.

Na cidade amazônica de Manaus, pessoas pesquisando a eficácia do medicamento receberam ameaças de morte. Uma possível fonte foi a milícia digital administrada pelos filhos de Bolsonaro, que, segundo a polícia federal, podem estar por trás de campanhas de notícias falsas, negando a seriedade do vírus. Em breve, Manaus terá 100 mortes por Covid-19 por dia, já que os hospitais estão em lotados, com 75% dos leitos de UTI já ocupados, e equipamentos de proteção individual estão faltando junto com ventiladores e médicos. O sindicato dos médicos do estado do Amazonas está exigindo que o governador e o vice-governador se demitam por negligência no uso de fundos públicos antes da pandemia.

No estado do Ceará,  violento e atingido pela pobreza, no nordeste, onde Bolsonaro promoveu recentemente greves e motins ilegais da polícia, está previsto um número diário de mortos de 250 em maio. Não graças ao governo federal, em 26 de abril o estado recebeu 90 toneladas de suprimentos médicos, EPIs e máscaras em cooperação com o consórcio dos governadores do nordeste.

Em 24 de abril, o ministro da Justiça, Sergio Moro, renunciou, alegando ter evidências de que Bolsonaro havia violado a lei ao demitir o chefe da polícia federal, mentindo para o Diário Oficial e tentando nomear outra pessoa para interromper a investigação em andamento sobre seus filhos e, em vez disso, iniciar novos contra os governadores do Rio e São Paulo, bem como o chefe do Congresso, Rodrigo Maia (os três são ex-aliados do presidente). Bolsonaro chamou Moro de mentiroso; seus filhos o chamaram de traidor. Um candidato a ser o novo chefe da polícia federal, Alexandre Ramagem, é amigo dos filhos de Bolsonaro. Quando perguntado sobre isso, Bolsonaro respondeu: "E daí?"

Em seu discurso de demissão, Moro relutantemente elogiou os governos do PT de Lula e Dilma por respeitarem a independência do judiciário. Isso confirmou as suspeitas dos seguidores de Bolsonaro de que Moro é um "lixo comunista". Como juiz, Moro liderou a campanha anticorrupção que colocou Lula na cadeia. No ano passado, Glenn Greenwald recebeu uma série de mensagens privadas do Telegram que pareciam mostrar Moro colaborando com a promotoria e violando a lei, ao mesmo tempo que conscientemente fornecia cobertura aos políticos mais corruptos do Brasil. Mais do que o próprio Bolsonaro, Moro era o homem dos Estados Unidos na luta para destruir Lula e o PT. Sem ele, Bolsonaro não poderia ter sido eleito.

Os militares expressaram preocupação com as acusações de Moro contra Bolsonaro. O procurador-geral quer investigá-lo. Alguns dos ex-apoiadores do presidente no Congresso estão considerando processos de impeachment. Ele está ainda mais isolado, desesperado e vulnerável do que antes. É provável que o exército seja o árbitro final de seu destino, mas, neste momento, a questão para um número crescente de figuras importantes, junto com seus aliados políticos de direita, é se o impeachment ou a renúncia oferecem um caminho a seguir. É difícil imaginar o impeachment avançando, e mais difícil imaginar Bolsonaro renunciando. Se ele cair, no entanto, ninguém será capaz de culpar Lula, Dilma e o PT por sua morte: será culpa de Bolsonaro (e de seus filhos) sozinho.

Independentemente disso, à medida que as maquinações avançam, os brasileiros, principalmente os pobres negros e pardos das cidades, continuarão morrendo a uma taxa mais alta do que em qualquer outro lugar da América Latina.

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