30 de abril de 2021

Trabalhadores de apps, uni-vos!

É possível combinar prestação de serviços via plataformas eletrônicas com direitos básicos

Nelson Barbosa


Amanhã é 1º de maio, e aproveito para falar sobre mercado de trabalho.

Antes da Covid, já assistíamos a mudanças estruturais no mundo do emprego, com redução de contratos formais e aumento de trabalhadores autônomos, sobretudo na prestação de serviços via aplicativos.

Os avanços da tecnologia de informação proporcionaram grandes ganhos de produtividade nos últimos anos, mas parte da queda de preço de alguns serviços também se deve à arbitragem regulatória feita pelas empresas.

Traduzindo do economês, a entrada de grandes firmas de tecnologia (as big techs) em vários mercados reduziu margens de lucro e aumentou o acesso da população a vários serviços, mas nem toda redução de preço veio de eficiência produtiva.

Parte dos ganhos veio da contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas, de modo a evitar o custo e a regulação trabalhista (recomendo o filme britânico “Você Não Estava Aqui”).

Sou favorável a que cada um trabalhe como e para quem quiser, mas o leitor sabe que gosto de chamar as coisas pelo nome. Quando uma pessoa presta serviços preponderantemente para o mesmo empregador, isso é relação de trabalho, e, portanto, o contrato deve ser acompanhado de um mínimo de direitos.

O tema é complexo e já gerou discussões e propostas no resto do mundo. Recentemente, uma iniciativa de garantir direitos a trabalhadores de aplicativos foi derrotada na Califórnia, mas venceu no Reino Unido. O debate continua quente lá fora e um dia chegará aqui.

Um dos desafios dos próximos anos será aperfeiçoar a legislação trabalhista para lidar com as novas demandas e tecnologias, sem lançar milhões de pessoas na insegurança de serem “empresários de um cliente só”.

Sei que minha visão vai contra a cultura individualista da geração “você S.A.”, especialista em coaching de si mesmo, mas o fato é que grande parte dos ganhos das big techs se deve à evasão fiscal e regulatória de contratos formais de trabalho.

Quanto? Não sei responder, mas proponho um teste simples: quanto seria o lucro da empresa de aplicativos X, Y e Z caso seus “colaboradores” tivessem carteira assinada?

Comparando o lucro com e sem arbitragem trabalhista, poderíamos saber quanto do ganho de eficiência vem de inovação tecnológica e quanto vem da pura e simples exploração de mão de obra.

Por exemplo: todo ano a Receita Federal publica estimativa de desoneração tributária, baseada na diferença entre arrecadação efetiva e arrecadação sem exceções ao regime tributário.

O mesmo princípio pode ser aplicado ao mercado de trabalho, para avaliar o impacto da exploração de mão de obra travestida de empreendedorismo.

E, uma vez dimensionado o desafio, como diminuir precarização do mercado de trabalho? A senha já foi dada por um velhinho, e não estou falando de quem você está pensando... Marx. Estou falando de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.

Na quarta-feira (28), Biden foi ao Congresso dos EUA e, além de anunciar mais uma rodada de estímulo fiscal (que deixo para outra coluna), o velhinho de lá disse com todas as letras que os sindicatos foram e são importantes para a economia e a sociedade.

Pois bem, seguindo mais uma vez o “companheiro Biden”, minha mensagem de 1º de Maio é: trabalhadores de aplicativos do Brasil, uni-vos!

É possível combinar prestação de serviços via plataformas eletrônicas com direitos básicos como férias, seguro de renda, auxílio-doença, licença maternidade-paternidade e outras conquistas civilizatórias do século 20.

A batalha será longa, mas o caminho começa no primeiro passo. Feliz Dia do Trabalho!

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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