28 de abril de 2021

A história do genocídio colonial nas Américas

A série documental de Raoul Peck na HBO, Exterminate All the Brutes, não é fácil de assistir - mas é uma importante ferramenta de educação popular sobre o desenvolvimento de 600 anos do conceito e sistema de supremacia branca associado ao colonialismo, escravidão e genocídio.

Eileen Jones

Jacobin

Still de Exterminate All the Brutes, 2021. (HBO)

Tradução / Eu não sou seu negro (2016), de Raoul Peck, foi um filme popular em grande parte porque abordou a experiência negra nos Estados Unidos por meio da retórica estimulante de James Baldwin. Baldwin escrevia e falava com tanta beleza que era de alguma forma encorajador enfrentar a história do racismo intratável por meio de seu brilhantismo em criticá-lo. Esse é o poder da arte.

Não há nenhuma figura inspiradora para nos guiar através da nova série documental de Peck, Exterminate All the Brutes [Extermine todos os brutos]. É uma apresentação deliberadamente feia e chocante de acontecimentos históricos doentios mapeados pelo desenvolvimento de 600 anos do conceito e sistema da supremacia branca associado ao colonialismo, à escravidão e ao genocídio. E dado o tema, talvez essa seja a abordagem correta – implacável sem fornecer abrigo emocional, fazendo os piores sentimentos de desespero serem inevitáveis. Peck reconhece a dificuldade de assistir a série desde o início, em sua comovente narração de voz rouca: “Eu sei que esta é uma história dolorosa…”

Ele também argumenta, em entrevistas sobre a série, que sabia, ao planejar uma sequência tão complexa e abrangente para seu imensamente bem-sucedido e premiado Eu não sou seu negro, que teria que experimentar outro formato. Há muito ele havia rejeitado os artifícios formais para realizar filmes:

Destruí a estrutura narrativa típica de Hollywood de três atos, porque é uma maneira de prender o realizador. Prende as palavras, a linha de raciocínio, certas etapas da criação – exposição, contradição, e aí uma resolução ao final... Eu dinamitei essa estrutura para libertar minha cabeça.

É bom ver que a rejeição consciente de Peck aos efeitos de lavagem cerebral do cinema de entretenimento. Isso o empurra não apenas para um conteúdo desafiador, mas para a experimentação na forma, que antes era uma abordagem muito comum no cinema radical, mas hoje muito rara.

Determinado a evitar qualquer tipo de cinema facilmente identificável, Peck lança uma infinidade de abordagens e estilos para o problema de apresentar esta nossa história longa, vil e global. Existe a abordagem tradicional do documentário, que apresenta uma narração em off (a sua própria) com filmagens e fotografias históricas. É incluído material acadêmico com especialistas que Peck cita como seus próprios amigos e professores, principalmente o historiador Sven Lindqvist, autor de Exterminate All the Brutes; Roxanne Dunbar-Ortiz, autora de An Indigenous Peoples’ History of the United States [A história dos povos indígenas dos Estados Unidos]; e Michel-Rolph Trouillot, autor de Silencing the Past [Silenciando o passado]. Peck está determinado a “mantê-lo pessoal” – inclusive aspectos do documentário tradicional que geralmente são impessoais – ao enfatizar sua profunda amizade com os pesquisadores.

Ele também se vale da linguagem de “ensaio pessoal”, com material autobiográfico, como filmes caseiros da família Peck no Haiti e na República Democrática do Congo, enquanto o diretor descreve o impacto do racismo e do colonialismo em sua própria vida. Há também o recurso da animação para algumas das sequências mais horríveis que envolvem o genocídio de tribos nativas americanas. Há reconstituições em live-action, todas apresentando Josh Hartnett (amigo de longa data de Peck) como uma espécie de eterno colonizador racista através dos tempos.

Essas linguagens são desiguais em sua eficácia – especialmente o docudrama. Mas o número de caminhos formais é notável, pois adiciona efeitos conflitantes adicionais à combinação já chocante de narrativas factuais, como o Holocausto nazista, o extermínio deliberado de povos nativos americanos, a supressão consciente do relato da Revolução Haitiana, os horrores multinacionais da escravidão e as loucuras do ex-presidência de Donald Trump, com um período de tempo que se move rapidamente para frente e para trás através de continentes e séculos.

Como você recapitula a história e indica seu impacto nos eventos atuais para pessoas que sempre aprenderam mentiras reconfortantes e ideologicamente orientadas na escola, na igreja, na mídia, nas celebrações de feriados nacionais, em seus eventos comunitários e em nomes de ruas ou em estátuas? Como você ilustra um show de terror “impensável” e o torna “imaginável”?

Uma vez que você junta tudo, como Peck fez, e inclui mais efeitos de contra ponto na forma de um amplo espectro de canções populares, anacronicamente relacionadas às imagens apresentadas – quem vai assistir? Seria o público habitual para tais “documentários contundentes” – telespectadores em uma situação confortável, relativamente bem-educada e de esquerda? Aqueles que já conhecem a horrível história global do imperialismo, do colonialismo, da escravidão e do genocídio, pelo menos em larga escala, e não se importam em aumentar seu conhecimento nos detalhes?

Ninguém que precisa conhecer a história quer aprender a história. E muitos que já conhecem a história, em parte porque estão vivendo seus piores efeitos, não suportam ficar pensando nela. Minha própria família sabe uma ampla gama de conhecimento histórico, educação e posicionamentos políticos nos Estados Unidos, e aposto que nenhum deles vai assistir esse filme. Não os brancos de classe baixa, alguns deles ex-militares, que se moveram radicalmente para a direita nos últimos vinte anos. Eles certamente rejeitariam esta série completamente como propaganda da esquerda radical. Não os liberais brancos de classe média que votam na chapa democrata e assistem fielmente a MSNBC. Nem mesmo os poucos membros hesitantes, com tendências socialistas, que tremeriam com o próprio título Exterminate All the Brutes, e pleiteariam uma consciência suficiente da história como um matadouro. E certamente não meus sogros, que são negros de classe média e de esquerda, que acham a vida nos Estados Unidos difícil o suficiente sem adicionar mais tortura mental ao entretenimento televisivo.

Dentro do filme, Peck aborda a complexidade de seu próprio projeto, incluindo suas implicações retóricas para o público-alvo, de uma forma arriscada, mas interessante. Depois de oferecer uma história alternativa de quatro horas – alternativa ao ensino regular tradicional oferecido neste país, pelo menos – Peck conclui que não é realmente a educação que é necessária:

O público educado em geral sempre soube amplamente quais atrocidades foram cometidas e estão sendo cometidas em nome do progresso, da civilização, do socialismo, da democracia e do mercado.

Mike Hale, do New York Times, achou essa conclusão enlouquecedora:

Ele termina com uma frase de reprovação que ecoa no filme: “Não é o conhecimento que nos falta”. Mas ele se recusa a dizer o que nos falta – compaixão? Força de vontade? Se há algo que possuímos que poderia ter tornado a história diferente, ou ele não sabe, ou não está nos contando.

Mas a conclusão de Peck é o aspecto mais interessante do filme. A implicação parece clara: a maioria conhece a história, mas não liga, pelo menos não o suficiente. Os efeitos chocantes de Peck, de acordo com a base lançada pelo cinema de libertação, parecem projetados para nos fazer sentir tão enjoados da história da qual fazemos parte e do sistema em que estamos, que na verdade vamos atacá-lo e tentar destruí-lo.

Obviamente, uma série documental não é suficiente. Vai ser preciso um cinema muito mais furioso e organizado, com discursos, protestos, manifestações e lutas, para começar uma revolta. Peck está fazendo sua parte.

Sobre a autora

Eileen Jones é crítica de cinema da Jacobin e autora no Filmsuck, nos Estados Unidos. Ela também apresenta um podcast chamado Filmsuck.

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