Arminio Fraga
Sócio-fundador da Gávea Investimentos, presidente dos conselhos do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e do IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social), ex-presidente do Banco Central e colunista da Folha
Recebi com alegria a notícia de que Bernanke, Diamond e Dybvig ganharam o Nobel de economia deste ano. Tive a boa fortuna de ler, como aluno de doutorado em Princeton no inicio dos anos 80, as contribuições seminais agora merecidamente agraciadas com o prêmio. O tema foi nada mais nada menos do que uma faceta desconcertante e recorrente das economias de mercado: as crises bancárias e financeiras. Desde então, uma parte importante de minha vida profissional lidou com o assunto, como bem demonstra a minha careca.
Ben Bernanke, ex-presidente do Federal Reserve Board, o BC americano, publicou em 1983 um artigo que caracterizou o decisivo papel causal que a crise bancária que ocorreu nos Estados Unidos no início do anos 30 teve no que viria a ser a Grande Depressão. O que se viu foi um exemplo das externalidades negativas e de rede inerentes ao funcionamento de um sistema financeiro.
Trata-se de um fenômeno de fácil compreensão: bancos (e, hoje em dia, o sistema não bancário também) captam depósitos a curto prazo e resgatáveis ao valor de face e emprestam a prazos mais longos, tipicamente financiando o setor produtivo. Se, por qualquer razão, houver um aumento da demanda por liquidez no sistema e os intermediários financeiros não conseguirem financiar os seus balanços, pode se instalar uma espiral de venda de ativos e mais demanda por liquidez, que trava a circulação do dinheiro e deprime a economia.
Ben Bernanke, ex-presidente do Fed, durante evento em 2018 - Win McNamee/Getty Images/AFP |
A não identificação tempestiva desse processo contribuiu para transformar uma recessão em uma duradoura depressão. Em 2008, Bernanke, na cabine de comando do Fed, rapidamente diagnosticou o caso e expandiu agressivamente a política monetária, evitando assim o que poderia ter sido uma outra depressão. Foi um caso raro de um trabalho acadêmico influenciar na prática o seu próprio autor.
Praticamente ao mesmo tempo em que Bernanke escrevia o seu artigo premiado por abordar aspectos macroeconômicos do tema, a dupla Douglas Diamond e Philipp Dybvig desenvolveu o arcabouço analítico microeconômico que revolucionou o entendimento das corridas bancárias e fenômenos similares.
Partindo de premissas bastante intuitivas, os autores construíram um modelo que mostra que corridas bancárias podem ocorrer mesmo em circunstâncias tidas como seguras. Diamond em particular, sozinho e em parceria com Raghuram Rajan, estendeu esse modelo em várias e importantes direções, que enriqueceram ainda mais o entendimento do funcionamento de sistemas financeiros.
Crises financeiras têm uma longa história, que a partir do século 19 inspiraram inúmeras respostas de política pública. A primeira foi a pioneira transformação do Banco da Inglaterra em emprestador de última instância, com a missão de reduzir a instabilidade do sistema, até então mais regra do que exceção. No século 20, sobretudo a partir da Grande Depressão, surgiram outros mecanismos de defesa contra corridas bancárias, com destaque para o seguro de depósitos bancários, que reduziu o incentivo de sacar recursos dos bancos ao menor sinal de perigo.
Mas nem tudo se resolveu. Ao mesmo tempo em que foram introduzidas defesas contra corridas bancárias e pânicos, as instituições financeiras, se sentindo mais seguras, foram aumentando o nível de risco de suas operações. Uma primeira resposta a esse aumento foram as exigências de níveis mínimos de capital, conhecidas como as regras da Basileia. Mesmo assim, em função de brechas nas regras e no crescimento do segmento não regulado do mercado, os níveis de risco dos intermediários (e portanto do sistema como um todo) seguiram em sua trajetória de alta.
Essa tendência fica clara quando se observa que os empréstimos dos bancos subiram de cerca de 3 a 5 vezes seu capital no século 19 e chegaram aos inimagináveis 50 a 100 vezes às vésperas da grande crise de 2008. Claramente esse assunto permanece um grande desafio de política pública que, quem sabe, talvez os três ganhadores do prêmio possam nos ajudar a encarar.
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