21 de janeiro de 2010

Entrevista com Richard Thaler

John Cassidy


Esta é a oitava de uma série de entrevistas com economistas da Escola de Chicago. Leia “Depois da Explosão”, a história de John Cassidy sobre os economistas de Chicago e a crise financeira.

Tradução / Thaler, um dos fundadores da economia comportamental, estava fora da cidade quando visitei Chicago. Posteriormente, falei com ele ao telefone e comecei por lhe perguntar o que restava da hipótese dos mercados eficientes, que ele desde há muito tempo questiona.

Richard Thaler

Bem, sublinho sempre que a teoria tem duas componentes. Primeiro, o preço de mercado está sempre correto. Segundo, não há almoços grátis: não se pode vencer o mercado sem assumir mais riscos. A componente “não há almoços grátis” continua a ser sólida e não foi de modo algum abalada pelos acontecimentos recentes: na verdade, pode ter sido reforçada. Algumas pessoas pensavam que podiam ganhar muito dinheiro sem correr mais riscos e, na verdade, não podiam. Portanto, ou não se consegue vencer o mercado, ou vencê-lo é uma coisa muito difícil – toda a gente concorda com isso. A minha opinião é que se pode [vencer o mercado], mas é difícil.

A questão de saber se os preços dos ativos estão corretos é uma questão que suscita muita controvérsia. Gene [Fama] não gosta de falar muito sobre isso, mas é crucial do ponto de vista político. Tivemos duas enormes bolhas na última década, com enormes consequências para a afetação de recursos.

Quando falei com Fama (ver aqui e aqui), ele disse que não sabia o que era uma bolha - ele nem sequer gosta do termo.

Eu acho que nós sabemos o que é uma bolha. Não é que possamos prever bolhas – se pudéssemos, seríamos ricos. Mas podemos certamente ter um sistema de alerta de bolhas. Podemos olhar para coisas como os rácios cotações/lucros e preço casa cotação/aluguer de casa. Estas coisas estavam a contar-nos histórias sintomáticas, e a história que pareciam estar a contar era verdadeira.

Então, quais são as implicações políticas? O que é que o governo deve fazer para evitar que as bolhas se dilatem, no mercado da habitação, por exemplo?

Várias coisas. Penso que a Fannie Mae e a Freddie Mac deveriam aumentar os requisitos de empréstimo em certas áreas que parecem espumosas. Deus não disse que se devia poder pedir emprestado cem por cento do preço de uma casa.

Qual foi a causa final da crise financeira? Má regulamentação? A ganância? Maus sinais do mercado? A fragilidade humana?

A alavancagem causou a crise - e eu diria que esta é uma afirmação bastante incontroversa. A fragilidade humana entra em jogo a dois níveis. O primeiro: as pessoas que estavam a contrair os empréstimos hipotecários de alto risco, muitas delas não percebiam o que estavam a fazer. O segundo: os CEOs não percebiam claramente o que os seus operadores estavam a fazer. Chamo a isto o problema do "diretor burro".

Percorram a lista – A.I.G., Citigroup, Bear Stearns, Lehman Brothers. Estas empresas foram destruídas ou devastadas por uma pequena parte da empresa que estava a avançar e a pôr em risco toda a empresa. Os responsáveis eram gananciosos ou estúpidos, ou possivelmente ambas as coisas.

E a hipótese das expectativas racionais, outra teoria de Chicago? O que é que resta dessa?

TH: (risos) Há alguém que acredite realmente na equivalência ricardiana? É uma ideia absurda. Pergunto-me se consegue encontrar alguém, para além de, possivelmente, [John] Cochrane e [Robert] Barro, que tenha feito o cálculo do impacto que a despesa pública terá nos seus impostos e heranças futuras. As pessoas também não agem “como se” estivessem a fazer isso. Estão a ignorá-lo.

Falei com Cochrane (ver aqui e aqui). Ele disse que o problema da economia comportamental é que é demasiado flexível – pode ser utilizada para explicar qualquer coisa. Também referiu que Robert Shiller tem vindo a apelar à incorporação de conhecimentos psicológicos na economia há trinta anos, mas pouco progresso tem sido feito.

(Ao responder a esta pergunta, Thaler referiu a bolha das ações da Internet, durante a qual as acções da Palm, a empresa de computadores portáteis, valiam mais do que toda a capitalização bolsista da empresa-mãe da Palm, a 3Com.)

TH: Cochrane tem um modelo que explica porque é que, durante a bolha da Internet, os preços da Palm e da 3Com eram racionais. Os modelos racionais são cem por cento flexíveis. Se permitirmos taxas de desconto variáveis no tempo, não há qualquer disciplina. Se olharmos para o que aconteceu com as ações tecnológicas e depois com o imobiliário, e dissermos que talvez não tenha havido uma bolha – onde está a disciplina nisso?

Penso que é justo dizer que a economia comportamental não resolveu tudo. Isso é verdade. Mas dizer que o Shiller e eu andamos a fazer isto há trinta anos – éramos só eu e ele. Agora temos alguns jovens recrutas. Não estamos em desvantagem de mil para um. Mas há trabalho a fazer.

Acha que a crise financeira virá a ser vista como um ponto de viragem para a economia comportamental – um momento em que se tornou mainstream, ou mesmo dominante?

TH: Penso que é visto como um ponto de viragem, mas já tivemos muitos pontos de viragem. Outubro de 1987 foi um ponto de viragem. A bolha de ações da Internet foi igualmente um ponto de viragem. Agora tivemos outro. Qual é a velha frase – que a ciência progride de funeral em funeral? Ninguém muda de ideias.

O que vai acontecer é que os economistas [na casa dos trinta e quarenta anos] estão bastante abertos a estas ideias. Não acham que sejam muito controversas. É aí que a economia vai estar daqui a dez anos. Eles estarão a gerir o assunto. Pessoas como Posner, Becker, Fama, Lucas e eu – nós faremos parte da história.

Mas não acha que a crise financeira e a recessão vão causar uma revolução intelectual na economia, como aconteceu nos anos trinta?

TH: Não. Nada vai acontecer rapidamente. Mas a próxima geração de economistas, é seguro dizê-lo, estará mais aberta a modelos alternativos de comportamento humano e menos confiante de que os mercados funcionam na perfeição.

Considera que a economia de Chicago da velha escola perdeu algum do seu encanto?

TH: Não, não vejo nenhuma perda mensurável de arrogância. Posner vai contra a corrente. Ele é provavelmente o contraexemplo da teoria de que ninguém aprende nada. Becker, Lucas, etc. – esse grupo pensa provavelmente que ele perdeu o juízo.

Isto leva-nos ao renascimento do keynesianismo e à disputa sobre o pacote de estímulo da Administração Obama. Qual é a sua opinião sobre isso?

TH: A Teoria Geral – qualquer pessoa que volte atrás e leia esse livro não pode deixar de ficar impressionada. Contém muitos conhecimentos, incluindo muitos que anteciparam as finanças comportamentais. Quanto ao estímulo, não sei onde estaríamos agora se não tivesse havido um pacote de estímulo.

Voltando aos assuntos de Chicago. Diz que não vê muito menos arrogância, mas ouvi dizer que tem havido muita discussão interna e debate sobre o que aconteceu. Isso não é verdade?

TH: Sim. Tem havido muita discussão na sala de almoço. Durante seis meses, era a única coisa de que se falava. O que posso dizer sobre os meus colegas é que estavam muito empenhados no que se estava a passar. O que tenho de bom a dizer sobre a Escola de Chicago é que sempre teve a ver com o mundo, não com o abstrato. Isso continua. Pessoas como Kevin Murphy só querem perceber como é que o mundo funciona.

A tradição da teoria dos preços de Chicago é uma boa tradição e é uma metodologia de baixa tecnologia que tenta aplicar uma teoria económica simples ao mundo. Steve Levitt é uma ilustração perfeita disso. De certa forma, também eu me enquadro nessa definição da Escola de Chicago.

15 de janeiro de 2010

Entrevista com Kevin Murphy

John Cassidy


Esta é a sexta de uma série de entrevistas com economistas da Escola de Chicago. Leia “Depois da Explosão”, a história de John Cassidy sobre os economistas de Chicago e a crise financeira.

Tradução / Kevin Murphy é um dos mais conhecidos economistas de Chicago da geração pós-Lucas e pós-Fama. Em 1997, foi galardoado com a Medalha John Bates Clark, atribuída ao melhor economista americano com menos de quarenta anos. Embora seja sobretudo um microeconomista, Murphy publicou artigos sobre uma vasta gama de assuntos, incluindo a desigualdade de rendimentos, o valor da investigação médica, o crescimento económico e o desemprego. Não esteve disponível para me receber quando estive em Chicago, mas posteriormente falei com ele por telefone e estas são as notas da nossa conversa.

Em que medida é que a crise financeira e a subsequente recessão prejudicaram o prestígio da economia da Escola de Chicago?

Kevin Murphy

O testa de ferro ("strawman") de Chicago foi atingido. O economista de Chicago que diz que os mercados fazem sempre as coisas corretamente e que os mercados financeiros funcionam sempre de forma eficiente, foi atingido, sem dúvida. Mas o economista de Chicago em quem penso quando ouço esta frase está no mesmo sítio em que estava há um ano.

Então, o que é a economia de Chicago, se não é a sua imagem mediática?

Sempre pensei na economia de Chicago como uma abordagem ao tema - uma forma de fazer economia. Baseia-se na crença de que as ferramentas da análise económica são realmente úteis para explicar as coisas no mundo real. Quando se abordam os problemas do mundo real, utilizam-se as mesmas ferramentas que se utilizam para fazer teoria económica. Sempre foi esse o teste - um tipo daria a mesma resposta num seminário a uma pergunta sobre economia que daria se alguém o questionasse na rua. Ele não diria que a teoria é esta e que a resposta real é outra.

Será que essa atitude se reflete na sua própria investigação e ensino? [Murphy dá cursos de pós-graduação sobre teoria económica, com Gary Becker, e sobre a análise económica de questões políticas.]

Sim. [Murphy explicou que por vezes dá aulas de Verão sobre teoria dos preços a estudantes de doutoramento de outras universidades]. Muitos deles dizem que nunca foram ensinados dessa forma, nem fizeram um curso como o nosso. Ao associar a teoria aos dados quando se estuda uma série de fenómenos no mundo real, está-se sempre a tentar dar um exemplo. Se não se consegue dar um exemplo, é um problema.

O mesmo acontece nos seminários. Se apresentarmos um trabalho em Chicago, não temos muita hipótese de o fazer. Precisamos de nos defender. O tipo de trabalho em que o apresentador diz: “Bem, este pressuposto não é claramente realista, mas vou ignorá-lo por agora e obter alguns resultados” – não há muita simpatia por essa abordagem aqui em Chicago. Têm de nos estar a dizer algo que seja valioso e aplicável ao mundo real. Pessoas como Friedman e Stigler incutiram realmente essa tradição na Escola de Chicago.

E o ceticismo em relação ao governo? Não é também uma parte fundamental da tradição de Chicago?

Claro. É preciso perguntar porque é que o governo há-de estar correto. Não se pode simplesmente dizer que há uma falha do mercado e que o governo tem de intervir e resolver o problema. É preciso analisar em pormenor o que o governo pode fazer e comparar a eficácia relativa dos dois.

E quanto à hipótese dos mercados eficientes e à ideia de que as bolhas especulativas são muito raras, ou que podem nem sequer existir? É essa a visão da Escola de Chicago?

Eu ensino muito Economia. Dou aulas no departamento de economia; dou aulas na escola de gestão. Falo sobre os preços das casas e penso que sempre levantei a possibilidade de os preços poderem ficar demasiado altos.

[Murphy citou o exemplo da bolha imobiliária japonesa no final dos anos 80 e início dos anos 90].

Estava a olhar para isso e pensei: “Caramba, estes preços partem do princípio de que a rentabilidade da habitação – o custo de aluguer do capital imobiliário – vai ser muito elevada no futuro. Será que isso é realista? Caramba, é mesmo difícil justificar estes preços”. Durante a bolha das ações da Internet, foi a mesma coisa. Olhei para aqueles preços e disse: “Caramba, será que posso excluir a possibilidade de os investidores estarem a ser irracionais?” Penso que acreditamos que os preços podem afastar-se da realidade económica. O problema é que não se consegue ver isso com antecedência.

Então, será a hipótese dos mercados eficientes consistente com essa ideia – de que os preços por vezes se afastam dos fatores fundamentais?

Pode ser.

[Ecoando o que John Cochrane me tinha dito, Murphy explicou que havia duas explicações rivais para as grandes mudanças nos preços dos ativos: atitudes em relação ao risco que variam ao longo do tempo, que são consistentes com um equilíbrio de mercado eficiente, ou exuberância irracional e bolhas, que não são consistentes com um equilíbrio de mercado].

Empiricamente, não vejo como se pode distinguir entre as duas. Tornou-se quase uma questão de semântica. Chamamos-lhe prémios de risco variáveis no tempo ou exuberância irracional, não é isso?

Mas o facto é que grande parte da variação no mercado é imprevisível. Na investigação financeira, é uma grande vitória se conseguirmos explicar metade de um por cento da variação de preços com o nosso modelo. A ideia de que não se pode vencer o mercado, ou prevê-lo – essa parte da hipótese dos mercados eficientes está bem viva e de boa saúde.

E a hipótese das expectativas racionais e o trabalho de Robert Lucas? Como é que isso se enquadra na sua ideia de economia de Chicago e na ideia de ligar a teoria aos dados? É certo que os dados rejeitaram muito desse trabalho numa fase inicial.

Bem, penso que esse trabalho tem implicações empíricas, mas trata-se seguramente de uma distância maior entre a teoria e os dados.

[Nesta altura, Murphy defendeu o trabalho de Lucas, dizendo que este ajudou a preencher uma lacuna importante na economia keynesiana, que não conseguia explicar a inflação dos anos setenta. Já nos anos sessenta, Milton Friedman e Edmund Phelps, da Universidade de Columbia, tinham defendido a ideia de que, contrariamente às ideias keynesianas da altura, não havia um compromisso a longo prazo entre inflação e desemprego – na gíria económica, a “curva de Phillips” era vertical. Lucas acrescentou muito rigor a essa ideia, disse Murphy. Referiu também o trabalho de Lucas sobre as causas do crescimento económico, que remonta aos anos oitenta].

Esta parte da sua contribuição é provavelmente ainda mais importante, porque diz que as questões sobre o que podemos fazer para continuar a gerar crescimento são realmente fundamentais. Isso leva-nos de volta ao capital físico, ao capital humano e ao progresso técnico – e são essas as coisas que realmente importam no final. Como é que podemos fazer um melhor trabalho na promoção do investimento físico, do investimento em capital humano e do progresso tecnológico? Quando pensamos desta forma, temos de ter sempre em conta as implicações a longo prazo das acções a curto prazo.

Isto leva-nos de volta à situação atual. Escreveu com ceticismo sobre o pacote de estímulo da administração Obama. Porque é que é tão crítico?

[Murphy remeteu-me para uma apresentação sua de janeiro de 2009. A apresentação analisa o impacto provável do estímulo e conclui que não seria muito bom. A chave para o seu resultado negativo, explicou Murphy, foram duas afirmações: 1) que os impostos necessários para pagar o estímulo atuariam como um desincentivo significativo para as pessoas trabalharem e para as empresas investirem, e 2) que o governo não gastaria o dinheiro do estímulo de forma sensata, e que grande parte dele seria desperdiçado].

A razão pela qual acho que é interessante é que torna claro o que realmente importa. Pode dizer-se que é Keynes contra Friedman, mas é realmente um debate sobre um governo maior contra um governo mais pequeno. Toda a questão do tamanho dos multiplicadores [orçamentais] é apenas uma parte da questão.

Entrevista com James Heckman

John Cassidy


Esta é a quinta de uma série de entrevistas com economistas da Escola de Chicago. Leia “Depois da Explosão”, a história de John Cassidy sobre os economistas de Chicago e a crise financeira.

Tradução / Entrevistei Heckman por telefone em finais de Outubro. Comecei por me referir a uma peça da revista da Universidade de Chicago na qual ele apareceu para absolver a economia de Chicago de qualquer culpa por ter causado a crise financeira. Como reagiu ele, então, às recentes críticas à economia da Escola de Chicago feitas por Joseph Stiglitz, Paul Krugman, e outros?

James Heckman

Bem, eu quero distinguir entre duas ideias diferentes. A Escola de Chicago incorpora muitas ideias diferentes. Penso que a parte da Escola de Chicago que tem sido justificada é a afirmação de que as pessoas reagem a incentivos, e que os incentivos são importantes. Nada no que aconteceu invalida essa ideia. As pessoas reagiram aos incentivos – claramente que reagiram. Acontece que os incentivos a que reagiam não eram socialmente benéficos, mas definitivamente reagiram a eles. A outra parte da Escola de Chicago, que Stiglitz e Krugman criticaram, é a hipótese dos mercados eficientes. Trata-se de algo completamente diferente.

Penso que é importante colocá-lo numa perspetiva histórica. Nos finais dos anos 40 e início dos anos 50, quando o Keynesianismo era realmente dominante, esse tipo de Keynesianismo – o chamado Keynesianismo hidráulico – ignorou completamente os incentivos e a forma como as pessoas reagiam a eles. O que Chicago fez – Milton Friedman, George Stigler, e outros – foi com o objetivo de restabelecer esse equilíbrio. Fizeram uma série de estudos empíricos que mostraram como as pessoas reagiram aos incentivos, tais como alterações nos impostos ou preços. Isso foi incrivelmente influente, e continua a ser.

No início dos anos 70, Martin Feldstein, de Harvard, mostrou como as mudanças nos subsídios de desemprego tiveram um grande impacto na oferta de mão-de-obra. Isso teve um enorme impacto na política, e foi uma aplicação da economia de Chicago. Feldstein disse ter lido “Capitalismo e Liberdade” [de Friedman] quando estava na pós-graduação em Oxford, e isso teve uma enorme influência no seu pensamento. Essa foi a influência de Chicago, e ainda se mantém de pé. Ligando o trabalho empírico à teoria, e mostrando como coisas como impostos e programas governamentais têm impacto sobre o comportamento.

Ok. As pessoas estavam a reagir aos incentivos – os credores hipotecários, os banqueiros de Wall Street, os compradores de casas – eu concordo. Mas os preços de mercado não lhes estavam a enviar sinais errados, e não é isso o estar a pôr em causa a economia de Chicago, que, desde Hayek, pelo menos, sublinhou o papel dos preços na coordenação do comportamento?

Tenho tendência a pensar mais nisso em termos de reacção demasiado lenta do mercado. Certamente, a partir do final de 2007, quando ficou claro que estavam a surgir problemas, muitos profissionais de Wall Street afastaram-se dos títulos hipotecários. Durante muito tempo, porém, o mercado estava a enviar os sinais certos. As pessoas ganhavam muito dinheiro – os comerciantes, e assim por diante. Acabou por não ser socialmente ótimo, mas essa é uma questão diferente.

[Heckman criticou então economistas comportamentais, tais como George Akerlor de Berkeley e Robert Shiller de Yale, por sugerirem que as raízes da crise estavam no comportamento irracional: excesso de confiança, espíritos animais, e assim por diante. Na sua maioria, os indivíduos responderam aos incentivos do mercado e reagiram racionalmente, insistiu ele].

Olhe, eu poderia subsidiar pessoas para assassinar crianças, e se eu oferecesse dinheiro suficiente, penso que não encontraria muita dificuldade em encontrar uma oferta pronta de assassinos.

Além disso, penso que poderia culpar tanto os reguladores como o mercado. A partir de cerca de 2000, houve uma decisão tomada em Washington de não regular estes mercados. Pessoas como Greenspan estavam a tomar uma forma muito grosseira e extrema da hipótese dos mercados eficientes e a dizer que isto justificava não regular os mercados. Era uma utilização retórica da hipótese dos mercados eficientes para justificar as políticas.

E quanto à hipótese das expectativas racionais, a outra grande teoria associada à Chicago moderna? Como é que isso se junta agora?

Poderia contar-lhe uma história sobre o meu amigo e colega Milton Friedman. Nos anos 70, estávamos na discussão de uma tese de doutoramento de um economista de Chicago que deixou a sua marca no mundo. A sua tese era sobre as expectativas racionais. Depois de ele ter saído, Friedman virou-se para mim e disse: “Olha, acho que é uma boa ideia, mas estes tipos foram longe demais”.

Tornou-se uma espécie de tautologia que, em teoria, teve implicações políticas enormemente poderosas. Mas o facto é que não tinha qualquer conteúdo empírico. Quando Tom Sargent, Lard Hansen, e outros, tentaram testá-la usando restrições de equações cruzadas, e assim por diante, os dados rejeitaram as teorias. Houve um certo conjunto de pessoas que se deixaram levar. Chegou a ser bastante sufocante.

E Robert Lucas? Ele inventou muitas destas teorias. Será que ele tem responsabilidade?

JH: Bem, Lucas é uma pessoa muito subtil, e está principalmente preocupado com a teoria. Ele não faz muitas afirmações empíricas. Não creio que Bob se tenha entusiasmado, mas alguns dos seus discípulos entusiasmaram-se. Isso acontece frequentemente. Quanto mais abaixo se vai na cadeia alimentar, mais os fanáticos se apoderam dela.

E quanto a si? Quando as expectativas racionais invadiram a economia qual foi a sua a reação a isso? Sei que você é principalmente economista de micro, mas o que pensa sobre isto?

JH: O que me impressionou foi saber que a teoria keynesiana ainda estava viva nos bancos e em Wall Street. Os economistas dessas áreas baseavam-se em modelos keynesianos para fazer previsões a curto prazo. Pareceu-me estranho que continuassem a fazer isto se tinha sido provado teoricamente que estes modelos não funcionavam.

E quanto à hipótese dos mercados eficientes? Será que os economistas de Chicago também foram demasiado longe na promoção dessa teoria?

JH: Alguns foram. Mas há aqui uma grande diversidade. Pode-se ir de gabinete em gabinete e obter uma visão diferente.

[Heckman trouxe à baila as memórias do falecido Fischer Black, um dos fundadores do modelo de preços de opções Black-Scholes, no qual diz que os mercados financeiros tendem a vaguear por aí, e não se agarram aos fundamentais económicos].

JH: Black estava muito próximo dos mercados, conhecia-os bem, estava a favor deles, e era muito céptico. E era um economista de Chicago. Mas havia um elemento de dogma em apoio da hipótese dos mercados eficientes. Pessoas como Raghu [Rajan] e Ned Gramlich [um ex-governador da Reserva Federal, que morreu em 2007] estavam a avisar que algo estava errado, e foram ignorados. Havia uma espécie de cultura de mercados eficientes – em Wall Street, em Washington, e em partes do mundo académico, incluindo Chicago.

Qual foi a reacção aqui quando a crise rebentou?

JH: Toda a gente ficou cega pela magnitude do que aconteceu. Mas não foi só aqui. Toda a profissão estava cega. Não creio que Joe Stiglitz estivesse a prever um colapso no mercado hipotecário e colapsos da banca em grande escala.

Então, hoje em dia, o que sobrevive da Escola de Chicago? O que resta?

JH: Penso que a tradição de integrar a teoria na sua reflexão económica e confrontá-la com dados é coisa que está ainda muito viva. Pode estar no estudo da desigualdade salarial, ou das respostas da oferta de trabalho aos impostos, ou o que quer que seja. E a ideia de que as pessoas respondem racionalmente aos incentivos também continua a ser central. Nada invalidou esta ideia – pelo contrário.

Por isso, penso que as ideias subjacentes à Escola de Chicago ainda são muito poderosas. A base do foguetão continua a estar intacta. É o que eu vejo como a fase de arranque, de impulsão – a hipótese das expectativas racionais e as versões vulgares da hipótese dos mercados eficientes que se depararam com problemas. Eles sofreram um duro golpe – sem dúvida alguma. Penso que o que aconteceu foi que as pessoas se afastaram demasiado dos dados e da confrontação das ideias com os dados. Essa parte da tradição de Chicago foi negligenciada, e era uma parte forte da tradição.

Quando Bob Lucas estava a escrever que a Grande Depressão era devida ao facto de que tiravam férias prolongadas – recusando-se a aceitar empregos disponíveis a baixos salários – havia outro economista de Chicago, Albert Rees, que estava a escrever no Chicago Journal a dizer: Não, espera um minuto. Há muitas provas de que isto não é verdade.

Milton Friedman era um teórico macro, mas era menos movido pela teoria e pelo desejo de construir uma teoria geral particular do que pela tentativa de responder a questões empíricas. Mais uma vez, se lermos os seus livros empíricos, eles estão cheios de dados empíricos. Esse lado do seu legado foi negligenciado, penso eu.

Quando Friedman morreu, há um par de anos atrás, tivemos um simpósio para os antigos alunos dedicado ao legado de Friedman. Eu estava a falar da hipótese de rendimento permanente; Lucas estava a falar de expectativas racionais. Tivemos alguns brilhantes êxitos. Uma mulher levantou-se e disse: “Vejam as provas dos planos 401k e como as pessoas os usam indevidamente, ou não os usam”. Está realmente a dizer que as pessoas olham para o futuro e planeiam com racionalidade”? E Lucas disse: “Sim, é isso que diz a teoria das expectativas racionais, e isso faz parte do legado de Friedman”. Eu disse: “Não, não é. Ele tinha uma mente muito mais empírica do que isso”. As pessoas tomaram uma parte do seu legado e esqueceram o resto. Afastaram-se demasiado dos dados.

Entrevista com Raghuram Rajan

Por John Cassidy


Esta é a sétima de uma série de entrevistas com economistas da Escola de Chicago. Leia “Depois da Explosão”, a história de John Cassidy sobre os economistas de Chicago e a crise financeira.

Tradução / Encontrei-me com Rajan no seu gabinete na Booth School of Business. Comecei por lhe perguntar sobre o trabalho académico que ele e vários colegas da escola de gestão realizaram nos anos que antecederam 2007 sobre banca e liquidez. Para além de explorar questões teóricas que se revelaram importantes, Rajan, no Verão de 2005, emitiu um aviso presciente sobre os perigos de uma explosão financeira envolvendo os mercados de crédito. Foi notável, observei, que apesar da imagem de Chicago como um bastião da eficiência do mercado, era também a sede de uma investigação muito mais questionadora do sistema financeiro.

Esqueça as declarações públicas. A investigação feita neste local foi, essencialmente, muito certeira – questões de liquidez, o facto de a liquidez poder secar e quem está lá para fornecer liquidez nessas situações. Um dos meus colegas, Doug Diamond, é, em muitos aspetos, o pai da teoria bancária moderna. Ele escreveu o livro sobre as corridas aos bancos, literalmente. Quando ele viajava para dar as suas palestras, as pessoas costumavam dizer: “Porque é que estás a trabalhar em história?” Infelizmente, estas coisas são demasiado reais hoje em dia.

A questão é que a investigação impulsiona o pensamento, e há todo o tipo de investigação a ser feita aqui. As pessoas que estão nos extremos recebem muita imprensa, pessoas que dizem: “Não vamos fazer nada, vamos liquidar” – o tipo de visão de Andrew Mellon. Há pessoas em Chicago que têm essa opinião. Há outros que entendem que o sistema bancário é muito mais importante e diferente da maioria das empresas. Sim, é possível fechar alguns bancos sem problemas, mas há alguns bancos que estão tão interligados que não há essa opção.

Há pessoas que dizem, como Simon Johnson [economista do MIT que trabalhou no Fundo Monetário Internacional], por exemplo: “Oh, nós sabemos como fechar estes bancos. Fizemo-lo no FMI”. O FMI nunca fez nada desta dimensão – nem por sombras. Os Estados Unidos fecharam bancos, como o Wachovia ou o Washington Mutual, ou pelo menos dissolveram-nos, e estes são realmente grandes bancos. Mas quando se chega ao Citigroup ou ao Bank ofAmerica é uma questão completamente diferente. Temos de descobrir como o fazer – sem qualquer dúvida. E podíamos ter sido muito mais duros com os bancos do que temos sido. Mesmo agora, poderíamos ser muito mais duros do que somos. Mas argumentar que é uma coisa muito simples de fazer – que é só uma questão de os nacionalizar ou de os fechar – há uma série de questões que se colocam.

Tudo o que estou a dizer é que não há respostas fáceis nesta questão… e não é preciso ser corrupto ou estar a soldo do sector financeiro para dizer: Esperem um minuto: não é tão simples como deixá-los ir todos à falência ou nacionalizá-los a todos. Este é meu discurso sobre o sector bancário. De um modo geral, penso que fizemos tudo o que era necessário fazer. Penso que o lado negativo do que não fizemos é o facto de não termos obrigado os bancos a enfrentar mais dificuldades. Isso teria tornado politicamente mais fácil fazer o que precisava de ser feito.

Quando diz “obrigar os bancos a enfrentar mais dificuldades”, o que é que quer dizer? Uma regulamentação mais dura? Grandes participações de capital para o governo - na linha dos britânicos?

Participações no capital e outras coisas. Por exemplo, mesmo agora [o Governo] pode exigir que todas as compensações acima de um determinado montante sejam pagas em ações, e ações que sejam verdadeiras ações. A forma como os bancos o fazem agora é pagar às pessoas em ações, mas também recompram quantidades iguais de ações [no mercado]. Assim, não há aumento de capital.

O que temos neste momento é uma situação em que todos os aforradores do país estão, essencialmente, a pagar um enorme imposto para salvar o sistema bancário. Estamos todos a ser lixados nas nossas contas do mercado monetário – a receber 0,25 por cento – e os bancos estão a fazer um enorme spread em quase todos os ativos que detêm, porque os estão a financiar a taxas muito próximas de zero. Uma outra forma de o fazer – uma forma que seria bom tentar – é obrigar os bancos a proceder a aumentos de capital.

Qual é o objetivo de tudo isto? O objectivo de tudo isto é fazer com que os bancos emprestem. Bem, eles têm feito tudo o resto excepto emprestar. Agora, pode ser que não haja muitas oportunidades de empréstimo lucrativas nesta altura. Mas se não há, porque é que todos os aforradores estão a pagar por isto? Porque não se está a conseguir que eles emprestem mais e não se está a conseguir mais investimento, que era o objectivo de ter taxas de juro tão baixas. Na verdade, o que se está a fazer é criar uma série de outras bolhas de activos nesta altura.

Outra forma seria impor uma pressão mais direta sobre os bancos. Por exemplo, se os bancos estivessem cheios de capital e descobrissem que não podiam pagar bónus, e que todo esse [dinheiro] foi para aumentar a base de capital, teriam um incentivo para fazer empréstimos para reduzir o capital efetivo que têm. O que temos neste momento é que os cidadãos estão a pagar pelos bancos. Façam com que os bancos paguem por si próprios.

Isso afasta-se, comletamente, da questão da Escola de Chicago. Mas o que estou a argumentar é que em Chicago temos o extremo, que diz: “Deixem cair as cartas, elas que caiam. Qual é o problema de deixar alguns bancos irem à falência?” A opinião de quem defende esse ponto de vista depende do quanto se acha que os bancos como instituição são importantes. Doug Diamond e eu achamos que é essa a situação. Há muito capital organizacional e relacional colocado nos bancos. Se os deixarmos cair, é muito difícil pô-los a funcionar [de novo].

E quanto às causas da crise?

Dentro da grande tenda de Chicago, mais uma vez, há muitas explicações diferentes para o facto de isto ter acontecido. Se foi um problema de agência no próprio sistema bancário. Se foram os mercados que se descontrolaram – Dick Thaler estaria nesse campo – exuberância irracional de um tipo ou de outro. Ou se foi a intervenção do governo – a história de empurrar o crédito para os segmentos menos favorecidos da população. A minha sensação é que, se pensarmos seriamente no assunto, todas os elementos são importantes.

Quando se tem uma crise sistémica deste tipo num país desenvolvido… o objetivo do desenvolvimento é lidar com alguns destes problemas. Não há uma extensão populista do crédito. Não há bancos que enlouqueceram. Há uma supervisão razoável. É isso que sempre defendemos – é preciso ter boas instituições. E tudo isso se desmoronou. O que sugere que não se trata de um pequeno colapso; não é uma coisa pequena que correu mal. Não se pode culpar Greenspan por tudo. Trata-se de um colapso sistémico, e temos de analisar de forma mais ampla as razões que o levaram a acontecer.

Há quanto tempo está em Chicago?

Vim para cá em 1991.

Quando a Chicago estava muito associada à hipótese dos mercados eficientes?

Eu suponho... Quando vim para cá, Merton Miller e Gene Fama eram os líderes do grupo de finanças. Claramente, ambos estavam fortemente convencidos do velho ponto de vista de Chicago. Desde então, diria que Dick Thaler e Rob Vishny têm sido duas figuras importantes que sustentam que há sérios desvios em relação aos fatores fundamentais. A ideia de uma forma forte de eficiência é a seguinte: Se todos sabem que as coisas estão a correr mal, porque não as corrigem? Os argumentos de Vishny têm-se debruçado sobre a razão pela qual as coisas não são corrigidas – limites à arbitragem e coisas do género. Penso que isso é bastante persuasivo. O trabalho de Dick Thaler tem-se debruçado sobre a forma como as pessoas cometem erros de um determinado tipo. Isso, por si só, não é suficiente para explicar grandes desvios. Se alguém comete erros, porque é que outra pessoa não vê esses erros e tenta tirar partido deles?

Quem é que trouxe para aqui Thaler e Vishny? Foi tomada uma decisão deliberada para tentar alargar abordagem de Chicago?

O Vishny evoluiu. Quando entrou, era um tipo que se dedicava às finanças empresariais, mas depois interessou-se pela eficiência do mercado e coisas do género. Juntou o gesto às palavras. Dirigiu um fundo [de investimento] muito bem sucedido. E agora regressou. Vishny evoluiu e, portanto, não importou o vírus. Thaler foi uma importação direta. Acho que Gene, para seu crédito, e Vishny tiveram um grande papel em trazer Dick para cá.

Quero contar-lhe uma história que não sei se mais alguém já lha contou. Dick Thaler costumava dar um curso sobre a ineficiência do mercado. Durante nove semanas, ele defendia a ideia de que os mercados eram ineficientes, por esta ou aquela razão, por esta ou aquela maneira. Na décima semana, ele convidava Gene Fama. E Gene deitava por terra tudo o que Dick tinha ensinado aos alunos durante essas nove semanas. Era Chicago no seu melhor – onde se tem um debate mas se respeita o ponto de vista do outro, mesmo que seja diametralmente oposto ao seu. Não se trata de pessoas; trata-se de ideias. Infelizmente, em demasiados departamentos, os desacordos sobre ideias transformam-se em desacordos pessoais. Essa é uma diferença importante em Chicago – criticamos a ideia, e criticamo-la muito ferozmente internamente, mas não a pessoa.

Existe uma grande diferença entre a escola de gestão e o departamento de economia da universidade?

O departamento de economia, como sabe, tem personalidades gigantescas. Eu diria que a escola de gestão tem menos personalidades. Talvez haja menos gigantes na escola de gestão, mas também pode ser que a cultura aqui seja mais de dar e receber.

Como observador externo, por vezes parece que a escola de gestão está a começar a dominar o departamento de economia. Será que isso é justo?

Temos muito mais gente jovem – só por causa da dimensão. Temos um grupo de economia, um grupo de comportamento, um grupo de finanças. Penso que, em termos de números, somos maiores. Além disso, as escolas de gestão têm normalmente recursos substanciais, etc. Tudo isso ajuda. Todos estes fatores ajudam. Mas eu diria que continua a ser um departamento de economia formidável.

Tem havido muitos debates internos sobre a crise? Seminários, esse tipo de coisas?

Sim, quando a crise começou a agravar-se, realizámos uma série de seminários em toda a escola. E o nosso refeitório está sempre cheio de debates sobre este assunto – mais uma vez, porque divergimos internamente sobre as causas e os remédios. Tudo se resume a duas ou três coisas.

Primeiro: até que ponto foram os espíritos animais e erros ou incentivos distorcidos.

Segundo: a importância do sistema bancário. Se deixarmos que todos entrem em colapso, eles podem regenerar-se imediatamente, ou há alguma dificuldade em reconstruir organizações depois de entrarem em colapso? Há quem diga que é preciso liquidar e que das cinzas surgirão as fénix. Outros dizem que as cinzas são cinzas e que não se ganha nada com isso.

Terceiro: há também alguma discussão sobre a extensão da ligação entre o centro financeiro e o sistema político. Os que estão situados à esquerda e os que estão situados à direita pensam, basicamente, que estão na cama uns com os outros. Os que estão no centro pensam que [os decisores políticos] estão numa situação difícil.

Então, tem alguma simpatia por Tim Geithner, Larry Summers e outros membros da Administração Obama que estão a ser atacados por serem demasiado brandos com Wall Street? Afinal de contas, as pessoas tendem a esquecer como as coisas pareciam terríveis no final de 2008 e no início de 2009.

(Acena com a cabeça) A questão é a seguinte. Muita gente dizia que a única saída era nacionalizar os bancos, e agora não estão a rever o que diziam na altura. E os tipos que diziam: “Deixem-nos todos falir”? Também não estão a voltar ao que disseram. Se calhar, se os tivéssemos deixado falir, teríamos tido um resultado melhor – quem sabe? Mas penso que há que dar crédito às autoridades por, pelo menos, terem posto uma pedra sob o pânico. E penso que [Hank] Paulson merece algum desse crédito. Esta Administração seguiu um pouco do que ele fez.

Agora, eles estavam a jogar num ambiente em que estavam realmente a inventar à medida que iam fazendo, por isso tenho muita simpatia pelo que fizeram. Mas penso, em retrospetiva, e mesmo na altura, que podiam ter sido muito mais duros. O seu receio era que, se fossem muito mais duros, teriam atingido o fundo do poço. Penso que, mesmo nessa altura, poderiam ter sido mais rigorosos para com os bancos.

Quer dizer, quando estavam a dar garantias de dívida e injeções de capital, etc?

Sim. Na altura, podiam ter pedido mais [em troca], mas não creio que estivessem centrados nisso. O problema agora é que os bancos atuam como se nunca tivesse havido um problema. É a lógica expost: pagámos-vos com os próximos lucros. Bem, nessa altura ninguém estava disposto a emprestar-vos dinheiro. A taxa de juro efetiva que o governo deveria ter cobrado seria infinita. Quando não há quantidade de dinheiro disponível, o preço é infinito. (Risos) Portanto, argumentar que não foi um empréstimo subsidiado só porque o pagaram é ridículo. Eles sabem-no, mas, obviamente, é mais difícil de o explicar ao público.

E para onde vamos a partir de aqui?

O verdadeiro problema é que os Estados Unidos têm, em muitos aspectos, incentivado demasiado o consumo como paliativo para outras coisas que não foram resolvidas. Por isso, andamos à deriva porque a crise não foi suficientemente profunda [para obrigar a grandes mudanças]. Usámos todas as nossas balas. Não temos mais balas e estamos a incentivar novamente a tomada de riscos. Não estou a dizer que vamos necessariamente ter outra crise em breve. Mas o que é que temos de reserva se não tratámos dos problemas fundamentais? É essa a minha preocupação – que saiamos daqui sem uma noção séria de que há problemas que temos de resolver. Teremos identificado os bónus como um problema, ou algo do género, e imposto algumas restrições. Mas não teremos lidado com os problemas profundos subjacentes.

Voltando à sua investigação sobre o sector bancário: Encontrou alguma oposição a nível interno?

Não, não estávamos a levantar nenhum problema. O nosso estudo incidia sobre a liquidez e a possibilidade de esta se esgotar. Não se tratava da eficiência do mercado, nem de nada desse género. Era técnica e um pouco obscura. De certa forma, o que fizemos foi acrescentar alguns pormenores institucionais à teoria tradicional.

Houve precursores em Chicago da sua linha de trabalho?

Bem, há o Ronald Coase. Coase é uma figura importante em Chicago, e foi ele que começou esta coisa de se preocupar com a organização.

Falámos da teoria dos mercados eficientes. E a outra grande teoria moderna associada a Chicago – a hipótese das expectativas racionais? O que é que resta dessa teoria?

A culpa dos profissionais da macroeconomia não foi tanto das expectativas racionais, que são um dispositivo conveniente e útil. Foi o facto de ignorar as interdependências ou tubagem do sistema. Os economistas puderam dar-se ao luxo de o fazer durante muito tempo, porque ao nível das interdependências não havia nenhum efeito de reação. Agora que a correção foi feita, descobrimos que os empréstimos não são feitos num mercado puro e imaculado. As coisas podem ir abaixo. Pode haver constrangimentos de quantidade quando ninguém está disposto a conceder empréstimos a qualquer preço.

Não se trata tanto de expectativas racionais, que considero terem sido um avanço importante. O erro foi pensarmos que a economia funcionava razoavelmente bem e que podíamos ignorar os pormenores institucionais. Aprendemos que isso estava errado.

John Cassidy é redator da The New Yorker desde 1995. Ele também escreve uma coluna sobre política, economia e muito mais para newyorker.com.

13 de janeiro de 2010

Entrevista com Eugene Fama

John Cassidy


Esta é a segunda de uma série de entrevistas com economistas da Escola de Chicago. Leia "Depois da Explosão", a história de John Cassidy sobre os economistas de Chicago e a crise financeira.

Tradução / Conheci Eugene Fama no seu gabinete na Booth School of Business. Comecei por salientar que a hipótese dos mercados eficientes, que ele estabeleceu nos anos sessenta e setenta, tinha sido alvo de muitas críticas desde que a crise financeira começou em 1987, e perguntei a Fama como pensava que a teoria, que diz que os preços dos ativos financeiros refletem com precisão toda a informação disponível sobre os fundamentos económicos, se tinha desempenhado.

Eugene Fama: Penso que se saiu bastante bem neste episódio. Os preços das ações normalmente descem antes e durante uma recessão. Esta foi uma recessão particularmente severa. Os preços começaram a diminuir antes de as pessoas reconhecerem que se tratava de uma recessão e depois continuaram a diminuir. Não havia nada de anormal nisso. Era exatamente isso que se esperaria se os mercados fossem eficientes.

Muitas pessoas argumentariam que, neste caso, a ineficiência estava principalmente nos mercados de crédito, não na bolsa – que havia uma bolha de crédito que inflou e acabou por rebentar. Será assim?

Eu nem sequer sei o que isso significa. As pessoas que obtêm crédito têm de o obter de algum lado. Será que uma bolha de crédito significa que as pessoas poupam demasiado durante esse período? Eu não sei o que significa uma bolha de crédito. Não sei. Estas palavras tornaram-se populares. Acho que não têm qualquer significado.

Acho que a maioria das pessoas definiria uma bolha como um período prolongado, durante o qual os preços dos ativos se afastam muito significativamente dos fundamentais económicos?

Isso é o que eu pensaria que é, mas isso significa que alguém deve ter feito muito dinheiro apostando nisso, se você o conseguisse identificar. É fácil dizer que os preços desceram, deve ter sido uma bolha, depois do facto ocorrido. Penso que a maioria das bolhas são vistas vinte anos depois, em retrospetiva. Agora, encontram-se sempre pessoas que disseram antes que os preços eram demasiado altos. As pessoas estão sempre a dizer que os preços são demasiado altos. Quando elas se revelam certas, nós ungimo-las. Quando elas se revelam erradas, ignoramo-las. Normalmente estão certos e errados cerca de metade do tempo para cada lado.

Está o senhor a dizer que as bolhas não podem existir?

Têm de ser fenómenos previsíveis. Não creio que nada disto tenha sido particularmente previsível.

Não é verdade que nos mercados de crédito as pessoas estavam a receber empréstimos, especialmente empréstimos à habitação, que não deveriam estar a receber?

Essa era a política do governo; isso não era um fracasso do mercado. O governo decidiu que queria expandir a propriedade da casa própria. Fannie Mae e Freddie Mac foram instruídos a comprar hipotecas de menor qualidade.

Mas as compras de hipotecas subprime por Fannie e Freddie foram bastante pequenas em comparação com o mercado como um todo, talvez vinte ou trinta por cento. Não é isto verdade?

(Risos) Bem, quanto é que é preciso?

O negócio das obrigações hipotecárias subprime não foi, na sua esmagadora maioria, um fenómeno do sector privado envolvendo empresas de Wall Street, outras empresas financeiras americanas e bancos europeus?

Bem, (é fácil) dizer depois do facto que as coisas estavam erradas. Mas na altura, quem comprou as casas não pensou que estivessem erradas. Não é como se fossem investidores ingénuos, não era nada disso. Eram todas as grandes instituições – não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. O que eles compreenderam mal, e não sei como o poderiam ter compreendido bem, foi que houve um declínio nos preços do imobiliário em todo o mundo, não apenas nos EUA. Foi um fenómeno global. Certamente, pode culpar as hipotecas subprimes mas se quiser explicar a queda dos preços no imobiliário tem de explicar porque é que declinaram em lugares que não tinham hipotecas subprime. Foi um fenómeno global. Agora, isso arrastou os subprimes na queda, mas arrastou muitas coisas mais.

Então qual é a sua explicação do que aconteceu?

(EF): O que aconteceu é que passámos por uma grande recessão, as pessoas não conseguiram fazer os pagamentos das suas hipotecas, e, claro, os que tinham as hipotecas mais arriscadas eram os mais propensos a não o conseguirem fazer. Como consequência, tivemos uma chamada crise de crédito. Não se tratava realmente de uma crise de crédito. Era uma crise económica.

Mas certamente o início da crise do crédito foi anterior à recessão?

(EF): Não creio que seja assim. Como poderia ser? As pessoas não se afastam das suas casas, a menos que não possam fazer os pagamentos. Isso é uma indicação de que estamos em recessão.

Então está a dizer que a recessão era anterior a agosto de 2007, quando o mercado de obrigações de alto risco bloqueou?

(EF): Sim. Tinha de ser, tinha de aparecer entre pessoas que tinham hipotecas. Ninguém que esteja a fazer investigação hipotecária – tem aqui um monte delas – discorda disso .

Então o que é que causou a recessão se não foi a crise financeira?

(EF): (Risos) É aí que a economia sempre se desmoronou. Não sabemos o que causa as recessões. Agora, não sou macroeconomista, por isso não me sinto mal com isso. (Risos de novo.) Nunca soubemos. Os debates prosseguem até hoje sobre o que causou a Grande Depressão. A economia não é muito boa a explicar as oscilações da atividade económica.

Deixe-me esclarecer isto, porque não quero deturpar o que diz. A sua opinião é que em 2007 houve uma recessão económica, por qualquer razão, que depois se refletiu no sistema financeiro sob a forma de preços mais baixos dos ativos?

(EF): Sim. O que foi realmente invulgar foi a queda mundial dos preços imobiliários.

Assim, obtém-se uma recessão, qualquer que seja a razão, que leva a uma queda mundial nos preços do imobiliário e isto leva a um colapso financeiro?

(EF): Do mercado hipotecário… qual é a realidade agora? Toda a gente fala de uma crise de crédito. A variância dos rendimentos das ações para o mercado como um todo atingiu cerca de sessenta por cento ao ano – a medida Vix da volatilidade estava a verificar-se em cerca de sessenta por cento. O que isso implica não é uma crise do mercado de crédito. Seria estúpido para qualquer pessoa dar crédito nessas circunstâncias, porque a probabilidade de qualquer mutuário se ir embora dentro de um ano é bastante elevada. Num mercado eficiente, seria de esperar que a dívida diminuísse. Qualquer nova dívida seria de muito curto prazo até que essa volatilidade diminuísse.

Mas o que está a impulsionar essa volatilidade?

(EF): (Risos) Mais uma vez, a sua atividade económica – a parte que não compreendemos. Portanto, o facto de não o compreendermos significa que há muita incerteza sobre quão má ela é realmente. Isto cria todo o tipo de volatilidade nos preços financeiros, e as obrigações já não são uma forma viável de financiamento.

E tudo isso é consistente com a eficiência do mercado?

(EF): Sim. É exatamente como seria de esperar que o mercado funcionasse.

Considerando uma visão um pouco mais ampla, a defesa habitual dos mercados financeiros é que eles facilitam o investimento, facilitam o crescimento, ajudam a atribuir recursos às suas utilizações mais produtivas, e assim por diante. Neste caso, parece que o mercado produziu uma enorme quantidade de investimento em imobiliário, grande parte do qual não se justificava…

(EF): De repente… houve um enorme investimento em todos os domínios: não se tratou apenas de habitação. O investimento empresarial foi muito elevado. Todas as formas de investimento eram muito elevadas. O que está realmente a dizer é que algures no mundo as pessoas estavam a poupar muito – os chineses, por exemplo. Estavam a fornecer capital para o resto do mundo. Os Estados Unidos estavam a consumir tanto capital até este se perder de vista.

Claro, mas a visão tradicional de Chicago tem sido a de que os mercados financeiros fazem um bom trabalho na afetação desse capital. Neste caso, eles não o fizeram – ou não é isso que parece?

(EF): (Pausa) Muitas hipotecas correram mal. Muitas das dívidas das empresas correram mal. Muita dívida de todo o tipo correu mal. Não vejo como é que este é um caso especial. Este é um problema criado por um declínio geral nos preços dos ativos. Sempre que se chega a uma recessão, acontece que se investiu demasiado antes disso. Mas isso era imprevisível na altura.

Mas havia pessoas por aí a dizer que esta era uma bolha insustentável… ?

(EF): Certo. Por exemplo, (Robert) Shiller estava a dizer que sim desde 1996.

Sim, mas ele também disse em 2004 e 2005 que se tratava de uma bolha de habitação.

(EF): Está bem, claro. Aqui está uma pergunta sua para inverter as coisas. É possível ter uma bolha em todos os mercados de ativos ao mesmo tempo? Será que isso faz algum sentido? Talvez faça, na visão de alguém do mundo, mas tenho um verdadeiro problema com isso. Talvez me consiga convencer de que pode haver bolhas em títulos individuais. É uma história mais dura para me contar que há uma bolha em todo um sector do mercado, se não houver algo artificial a acontecer. Quando começa a dizer-me que há uma bolha em todos os mercados, nem sequer sei o que isso significa. Agora estamos a falar de poupança é igual a investimento. Basicamente está a dizer-me que as pessoas estão a poupar demasiado, e eu, sinceramente, não sei o que pensar.

No passado, penso que já foi citado como tendo dito que nem sequer acredita na possibilidade de bolhas.

(EF): Eu nunca disse isso. Quero que as pessoas usem o termo de uma forma consistente. Por exemplo, não renovei a minha subscrição ao The Economist porque utilizam a bolha mundial três vezes em cada página. Sempre que os preços subiram e desceram – acho que é a isso que chamam uma bolha. As pessoas tornaram-se completamente descuidadas. As pessoas saltaram para o comboio de culpar os mercados financeiros. Posso contar muito facilmente uma história em que os mercados financeiros foram uma vítima da recessão, não uma causa da mesma.

Essa é a sua opinião, certo?

(EF): Sim.

Falei com Richard Posner, cuja opinião é diametralmente oposta à sua. Ele diz que a crise financeira e a recessão representam um sério desafio para a economia de Chicago.

(EF): Eh, ele não é um economista. (Risos) Ele é um especialista em direito e economia. Estamos a falar de macroeconomia e finanças. Essa não é a sua área.

Então não levaria a sério o que ele diz?

(EF): Eu levo tudo o que ele diz a sério, mas não concordo com ele nesta matéria. E penso que as pessoas aqui que estão mais sintonizadas com estas áreas também não concordam com ele.

A tese de Posner é de que foi o sistema financeiro que deitou abaixo a economia, e não o contrário.

(EF): Bem, então, pode dizer-se a mesma coisa sobre cada uma das recessões. Mesmo que acredite nisso, o que eu não acredito, pergunto-me quantos economistas argumentariam que o mundo não se tornou um lugar muito melhor devido ao desenvolvimento financeiro que ocorreu a partir de 1980. A expansão da riqueza mundial – nos países desenvolvidos, nos países emergentes – tudo isso foi facilitado, a meu ver, em grande medida, pelo desenvolvimento dos mercados internacionais e pela forma como estes permitem que a poupança flua para os investimentos, nas suas utilizações mais produtivas. Mesmo que se culpe este episódio pela inovação financeira, ou seja o que for que se queira culpar, será que isso acabaria com os trinta anos de desenvolvimento anteriores?

O que é que se passa, aqui, em Chicago – tem havido muita discussão sobre tudo isto, a crise financeira, sobre o que isto significa, etc?

(EF): Muita discussão. A típica investigação parou. Toda a gente se envolveu.

Toda a gente tem uma receita de cura. Não confio em nada disso. (Risos.) Mesmo as pessoas com quem concordo em geral. Não creio que ninguém tenha uma cura. A cura é para um problema diferente. A cura é para um novo problema que enfrentamos – o problema “demasiado grande para falir”. Não podemos passar sem a finança. Mas se se tornar a norma aceite que o governo intervenha sempre que as coisas correm mal, temos um terrível problema de seleção adversa.

Então, qual é a solução para esse problema?

(EF): A solução simples é assegurar que estas empresas tenham muito mais capital próprio – não um pouco mais, mas muito mais, para que não estejam a brincar com o dinheiro das outras pessoas. Há aqui outras pessoas que pensam que a alavancagem é uma parte importante do seu sistema. Não tenho a certeza se concordo com eles. Fala-se com Doug Diamond ou Raghu Rajan, e eles têm teorias sobre a razão pela qual a alavancagem nas instituições financeiras tem utilizações reais. Só que não penso que esses efeitos sejam tão importantes como eles pensam que são.

Digamos que o governo fez o que recomendou, e forçou os bancos a deterem muito mais capital próprio. Teria então também de reestruturar a indústria, digamos, dividir os grandes bancos, como alguns outros peritos recomendaram?

(EF): Não. Se pensarmos bem…afinal sou estudante da Merton Miller. Na visão Modigliani-Miller do mundo, são apenas os bens que contam. A forma como os financia não importa. Se decidir que este tipo de atividade deve ser financiado mais com capital próprio do que com dívida, isso não tem efeitos particularmente adversos no nível de atividade nesse sector. É apenas a divisão do risco de forma diferente.

Algumas pessoas podem dizer que uma das grandes lições da crise é que a teoria Modigliani-Miller não se aplica. Neste caso, a forma como as coisas foram financiadas foi importante. As pessoas e as empresas tinham demasiadas dívidas.

(EF): Bem, no mundo Modigliani-Miller os custos de transação são nulos. Mas as grandes falências têm grandes custos de transação, enquanto se eu tiver uma estrutura de capital menos alavancada não se entra em bancarrota. A alavancagem é um problema…

A experiência que nunca se fez é, suponhamos que o governo se afastou e deixou estas instituições falir. Quanto tempo teria sido necessário para desmantelar e refazer tudo? O meu palpite é de que estamos a falar de uma semana ou duas. Mas os problemas que foram criados pela intervenção do governo – estes vão permanecer num futuro previsível. Agora, talvez tivesse sido horrível se o governo não tivesse intervido, mas nunca saberemos se sim ou não. Penso que poderíamos tê-lo descoberto numa semana ou duas.

Por isso, tê-los-ia simplesmente deixado...

Deixá-los a todos falir. (Risos) Deixámos que o Lehman tivesse entrado em falência. Deixámos que o Washington Mutual tivesse falido. Estas eram grandes instituições financeiras. Algumas não deixámos falir. Para mim, parece que não houve muita rima ou razão para isso.

E o que pensa da ideia de Ben Bernanke e Hank Paulson de que, se não tivessem tomado medidas para salvar os bancos, todo o sistema financeiro teria entrado em colapso?

Talvez tivesse acontecido durante uma ou duas semanas. Mas, de qualquer forma, o sistema parou durante uma ou duas semanas. Os mercados de crédito pararam durante mais de uma semana ou duas. Mas penso que isso foi realmente uma função do aumento da incerteza sobre o futuro.

Pensou na altura que o governo deveria deixar os bancos falirem?

Sim, deixe-os, deixe-os falir. Porque com os fracassos de, por exemplo, Washington Mutual e Wachovia, outros bancos entraram em cena para recolher os seus depósitos e os seus outros bons ativos. Claro que eles não queriam os seus maus ativos, mas essa é a natureza da falência. As atividades em que estes bancos estavam envolvidos teriam continuado.

Porque pensa que o governo não recuou e não deixou que isso acontecesse? Será que o governo estava a ser capturado por Wall Street, como muitos têm afirmado?

Não. Penso que o governo, Bernanke, Bob Lucas – não devia citar Bob Lucas) mas o que ele diz é “não no meu turno”. Que, basicamente, existe apenas um elevado grau de aversão ao risco por parte das pessoas atualmente no governo. Não querem ser responsabilizados por maus resultados, por isso estão dispostos a fazer coisas más para as evitar. Penso que Bernanke tem sido o melhor exemplo destes artistas.

Voltemos à economia da Escola de Chicago. Haverá ainda algo de distintivo em Chicago, ou será que o resto do mundo e Chicago convergiram em grande parte, como o pensa Richard Posner?

O resto do mundo converteu-se à ideia de que os mercados são muito eficientes na atribuição de recursos. Os economistas de esquerda mais radicais foram varridos pelo colapso do bloco de Leste. O socialismo teve os seus sessenta anos e falhou miseravelmente. E assim floresceu a teoria de Chicago. Milton Friedman e George Stigler estavam a travar esta batalha quase sozinhos na altura. Atualmente, a batalha é bastante geral. Uma experiência como esta reabilita os restos do antigo bando socialista. (Risos) Infelizmente, eles parecem agora controlar o governo.

Outrora, uma pessoa como Richard Thaler teria tido dificuldade em encontrar um emprego aqui. Mas foi uma época em que a economia de Chicago estava a ser atacada em todo o mundo. Havia uma espécie de mentalidade de bunker. Atualmente, estamos mais confiantes. Atualmente, o nosso único critério é que queremos as melhores pessoas a fazer o que fazem. Desde que elas sejam honestas e respeitem o trabalho umas das outras e nós respeitemos o delas, tudo bem.

Sei que a Escola de Chicago de Negócios tem muita diversidade, mas será isso também verdade para o departamento de economia da universidade?

Claro. John Lis está ali. Ele é um economista comportamental. Steve Levitt é um tipo muito invulgar de economista. A sua marca de economia, que é uma extensão da de Gary Becker, está a tomar conta da microeconomia.

Falei com Becker. A sua opinião é que o que continua a ser distintivo em Chicago é o seu grau de ceticismo em relação ao governo.

Certo – isso é verdade mesmo em relação a Dick Thaler. Penso que isso é apenas um comportamento racional. (Risos) As pessoas demoraram muito tempo a perceber que os funcionários do governo são indivíduos com interesses próprios, e que o envolvimento do governo na atividade económica é especialmente pernicioso porque o governo não pode falhar. As receitas têm sempre de cobrir os custos – o governo não está sujeito a esse constrangimento.

Então não aceita a opinião, que Paul Krugman, Larry Summers e outros apresentaram, de que o que aconteceu representa uma reabilitação da ação governamental – que o governo evitou uma catástrofe?

(EF): Krugman quer ser o czar do mundo. Não há economistas de que ele goste. (Risos)

E Larry Summers?

(EF): Que outra posição poderia ele ocupar e ainda ter um emprego? E ele gosta do seu emprego.

Qual é a sua opinião sobre a regulação de Wall Street? Será que precisamos de mais regulação?

(EF): Penso que é inevitável, se aceitarmos a opinião de que o governo vai socorrer as maiores empresas se elas se meterem em problemas. Mas penso que não vai funcionar. As empresas privadas são muito boas a inventar formas de contornar a regulação e os regulamentos. Encontrarão formas de fazer as coisas que estão na letra dos regulamentos, mas não no espírito. Você não será capaz de atrair as melhores pessoas para serem reguladores.

Isso soa a um antigo argumento de ceticismo de Chicago em relação à regulação.

(EF): Sim. Temos Ragu Rajan, Doug Diamond – eles são tão bons banqueiros como os que existem no mundo. Estou a ouvi-los há seis meses, e não confiaria neles para escrever os termos da regulação e dos regulamentos. No final, há tanta incerteza, e tanto depende de como as pessoas reagirão a certas coisas que ninguém sabe o que seria uma boa regulamentação neste momento. É isso que é assustador nos resgates das grandes instituições organizados pelo governo.

Então, o que é que devemos fazer? Se o Presidente o chamasse amanhã e dissesse: “Gene, não creio que o nosso caminho esteja a funcionar. O que devemos fazer”? Como responderia?

(EF): Não sei se estas são sequer as grandes questões do momento. Penso que o que está a acontecer nos cuidados de saúde pode acabar por ser mais importante. Não creio que estejamos a enveredar pelo caminho certo. O seguro na finança não é a solução: é o problema. Tornar o problema mais generalizado não vai resolver o problema.

Quando tudo isto (a crise financeira) começou, eu juntei-me ao debate. Depois recuei e disse: Não me sinto realmente confortável com as minhas ideias sobre qual é a melhor maneira de proceder. Deixem-me sentar e ouvir as pessoas. Por isso, ouvi todos os peritos, locais e não locais. Passado algum tempo, cheguei à conclusão de que não sei qual é a melhor coisa a fazer, e penso que eles também não sabem. (Risos) Não creio que haja uma boa receita. Por isso voltei atrás e comecei a fazer a minha própria investigação.

Não poderíamos proibir mais resgates, aprovando uma emenda constitucional, se necessário? Isso estaria de acordo com o seu ponto de vista, não estaria?

(EF): Certo, mas será isso credível? É muito difícil explicar como é que a A.I.G. emitiu todos os CDS que emitiu (n.t. credit default swaps – uma espécie de apólice de seguro que pode ser emitida em nosso nome e feita sobre tudo o que se tem ou até mesmo sobre o que se não tem) se as pessoas não pensassem que o governo iria intervir e pagar-lhes a fiança, se fosse caso disso. As promessas do governo, em todo o caso, são pouco credíveis. Mas quanto a isso, tenho quase a certeza de que nós não estaremos à altura de as respeitar.

Qual vai ser o legado da crise financeira para a economia? Haverá grandes mudanças?

(EF): Não vejo nenhum. Para que lado é que vai? Se eu pudesse ter previsto isso, era nisso que teria estado a trabalhar. Não o vejo. (Risos) Gostaria de saber mais sobre o que causa os ciclos económicos.

Que lições aprendeu com o que aconteceu?

(EF): Bem, penso que o mais preocupante é que talvez os economistas, como a população como um todo, se tenham deixado levar a pensar que acontecimentos deste tamanho não poderiam acontecer mais – que uma recessão deste tamanho já não poderia acontecer. Haverá muito trabalho a tentar perceber o que aconteceu e porque aconteceu, mas temos feito isso com a Grande Depressão desde que aconteceu, e ainda não chegámos ao fundo da questão. Por isso, não tenciono prosseguir com isso. Eu costumava fazer macroeconomia, mas desisti há muito tempo.

Voltemos à hipótese dos mercados eficientes. Disse anteriormente que neste episódio se saiu muito bem. Outros dizem que o mercado pode ser bom na fixação de preços num sentido relativo – uma ação contra outra – mas é muito mau na fixação de preços absolutos, o nível do mercado como um todo. O que é que diz a isto?

(EF): As pessoas dizem isso. Não sei qual é a base para o que dizem. Se sabem, devem ser homens ricos. Que melhor maneira de ganhar dinheiro do que saber exatamente qual é o nível absoluto dos preços.

Então ainda pensa que o mercado também é altamente eficiente a nível global?

(EF): Sim. E se não for, vai ser impossível dizê-lo.

Para um leigo, pessoas que não sabem muito sobre teoria económica, a perceção é que a fundamental da hipótese de mercado eficiente – que não se pode vencer o mercado?

(EF): Certo – essa é a perceção prática. Independentemente da investigação que se faça, essa parece sempre boa.

E quanto às conclusões de que longos períodos de elevados rendimentos são seguidos de longos períodos de baixos rendimentos?

(EF): Bem, não há provas disso… O rendimento esperado das ações é apenas um preço – o preço que as pessoas exigem para suportar o risco do mercado. Como qualquer preço, deve variar de tempos a tempos, e talvez deva variar de formas previsíveis. Tenho feito muito trabalho para mostrar que há um pouco de previsibilidade no retorno global do mercado, mas esse ramo da literatura tem tantos problemas estatísticos que não há muito consenso.

O problema é que, quase de certeza, os rendimentos esperados variam ao longo do tempo devido à aversão ao risco-riqueza, tudo o resto varia ao longo do tempo. Mas para medir isto é necessário dispor de uma boa variável para seguimento (aversão ao risco) ou de bons modelos para o seguimento. Não temos nada disso. A forma como as pessoas o fazem, incluindo eu, é através da utilização de variáveis ad hoc para o apanhar. Toda a discussão centra-se em saber se o que é captado por estas variáveis é realmente o que existe, ou se é apenas uma espécie de acaso estatístico. Há todo um número da Review of Financial Studies com pessoas a argumentar de forma muito ruidosa, de ambos os lados disso. Quando isso acontece, sabe-se que nenhum dos resultados é muito fiável.

Você e Dick Thaler discutem estas coisas quando estão a jogar golfe?

(EF): Claro. Não queremos discutir o seu jogo de golfe, isso é certo.

Será que o avanço de todas estas coisas comportamentais, finanças comportamentais, o fez repensar alguma coisa?

(EF): Sim, claro. Sempre disse que eles são muito bons a descrever como o comportamento individual se afasta da racionalidade. Esse ramo tem sido incrivelmente útil. Trata-se agora de saltar para o que isso implica quanto à determinação dos preços de mercado, onde as afirmações não estão tão bem documentadas em termos de provas empíricas. Essa linha de pesquisa sobreviveu ao teste de mercado. Mais pessoas estão a entrar nela.

Mas está cético acerca das afirmações sobre como a irracionalidade afeta os preços de mercado?

(EF): Isso é um salto. Não estou a dizer que você não o consiga fazer, mas sou um empirista. Isso tem de ser demonstrado.

Muito obrigado. Finalmente, antes de ir embora, que me diz sobre a recente peça de Paul Krugman na revista New York Times Magazine, na qual ele atacou a Economia da escola de Chicago e a hipótese de mercados eficientes. O que achou disso?

(Risos) A minha atitude é a seguinte: se estás a ser atacado por Krugman, é porque deves estar a fazer algo corretamente.

John Cassidy é redator da The New Yorker desde 1995. Ele também escreve uma coluna sobre política, economia e muito mais para newyorker.com.

11 de janeiro de 2010

Depois da explosão

John Cassidy

Richard A. Posner chocou a Escola de Chicago ao aderir ao renascimento keynesiano. Ilustração de Finn Graff

Tradução / Alguns visitantes do Everett M. Dirksen United States Court House, no centro de Chicago, vêm em busca de justiça, outros de clemência. Eu fui à procura de apostasia. Depois de passar pela segurança e apanhar o elevador até o vigésimo sétimo andar, fui conduzido aos aposentos do juiz Richard A. Posner, o famoso e prolífico jurista, professor de direito, autor e, ultimamente, blogueiro, que há décadas é uma importante figura na conservadora Escola de Economia de Chicago. Sentando o seu corpo magro num sofá de couro que lhe proporcionava uma visão panorâmica do Lago Michigan, Posner discorreu sobre a crise económica global que começou em 2007 e sobre o fracasso de muitos economistas em prevê-la. Com voz suave, disse-me: “Acho que o desafio é para a profissão de economista como um todo, mas para a Escola de Chicago acima de tudo”.

Advogado por formação, Posner também é um dos escritores de economia mais influentes do país. No seu tratado de 1973, “Economic Analysis of Law,” ele aplicou as máximas da economia de livre mercado ao tribunal, argumentando que a aplicação da eficiência económica deveria ser o objetivo principal dos juízes. Posner, que na época era um jovem professor da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, ajudou a criar o movimento de direito e economia, que povoou muitos tribunais dos Estados Unidos com juízes de mentalidade semelhante. Em 1981, Ronald Reagan indicou-o para o Tribunal de Apelações do Sétimo Circuito, e desde então ele escreveu mais de duas dúzias de livros, nomeadamente um defendendo a decisão do Supremo Tribunal de 2000 que deu a George W. Bush a presidência.

No início deste ano, Posner publicou “A Failure of Capitalism”, no qual ele argumenta que a política monetária frouxa e a desregulamentação ajudaram a provocar a atual crise. “Estamos aprendendo com isso que precisamos de um governo mais ativo e inteligente para evitar que o nosso modelo de economia capitalista saia dos trilhos”, escreve Posner. “O movimento para desregulamentar o setor financeiro foi longe demais ao exagerar a resiliência – os poderes de auto-correção – do capitalismo dos mercados livres (laissez-faire)”. Posner também acusa economistas profissionais, nomeadamente alguns dos seus colegas de Chicago, de estarem “adormecidos com a mão no interruptor”. Em setembro, Posner apresentou-se como keynesiano; num longo artigo no The New Republic, ele saudou “The General Theory of Employment, Interest, and Money”, que John Maynard Keynes publicou em 1936, como uma “obra-prima”, dizendo que “apesar de sua antiguidade, é o melhor guia que nós temos para a crise.”

No que diz respeito aos atos de traição, isso foi mais ou menos semelhante a Johnny Damon raspando a barba, abandonando a Red Sox Nation [n.t. equipa profissional de beisebol de Boston] e juntando-se aos Yankees. Desde que Milton Friedman, George Stigler e outros fundaram a Escola de Chicago, nas décadas de 1940 e 1950, um de seus objetivos foi substituir o keynesianismo, e esta Escola teve grande sucesso. Durante três décadas após a Segunda Guerra Mundial, a economia foi dominada por ideias keynesianas sobre como é que o governo deveria usar a política monetária e orçamental para evitar recessões. Desde 1974, no entanto, mais de uma dúzia de estudiosos associados à Universidade de Chicago receberam o Prémio Nobel de Ciências Económicas; nas áreas de regulamentação, comércio, lei antitrust, impostos, taxas de juros e bem-estar, o pensamento de Chicago influenciou muito a formulação de políticas nos Estados Unidos e em muitas outras partes do mundo. Keynes parecia ter sido relegado para a história.

Mas no ano seguinte ao colapso, o nome de Keynes parecia estar em toda a parte; vários livros foram publicados sobre ele e os formuladores de políticas passaram novamente a defender as suas ideias. Até a eclosão da crise bancária, Posner não se preocupou em interrogar-se sobre a “A Teoria Geral”. Quando pegou no livro, ficou muito impressionado pelas perspetivas económicas e os detalhes práticos que continha. “Mesmo que seja um pouco impreciso – não coloca todos os pontos nos ‘i’s e nem cruza todos os ‘t’s”, a economia keynesiana “parece ter mais compreensão do que está a acontecer na economia”, diz-me Posner. Grande parte da economia moderna, em contraste, é “por um lado, muito matemática e, por outro lado, está cheia de credulidade sobre o poder autorregulador dos mercados. Essa combinação é perigosa.”

Em “A Failure of Capitalism “, Posner cita vários economistas, entre os quais Robert Lucas, um dos sucessores mais eminentes de Friedman, e John Cochrane, outro proeminente economista de Chicago, por não terem compreendido a magnitude da crise do subprime. Durante a nossa conversa, Posner questionou toda a metodologia de que Lucas e os seus colegas foram pioneiros. As suas noções básicas eram a hipótese dos mercados eficientes, que diz que os preços das ações e outros ativos financeiros refletem com precisão todas as informações disponíveis sobre os fundamentais económicos e a teoria das expectativas racionais, que postula que indivíduos e empresas são tomadores de decisão hiper-inteligentes que têm um modelo correto da economia nas suas cabeças. Na teoria das expectativas racionais, a economia é representada de forma muito simplificada e livre. Muitos modelos, incluindo alguns deles baseados no FED e outros bancos centrais, nem sequer apresentam bancos ou outros intermediários financeiros. Na visão de Posner, teorias mais antigas e menos dogmáticas explicavam melhor como os problemas no setor financeiro arrastaram o resto da economia. “Claro, você tem que saber muito sobre bancos, e esse não foi o caso com os economistas”, disse ele. “Estranho, de certa forma, porque os macroeconomistas e os teóricos financeiros sempre se interessaram pelo setor bancário, mas acho que eles realmente não entendiam muito sobre isso.”

Embora Posner fosse rigorosamente muito educado, detetei uma ponta de raiva nos seus comentários sobre a profissão de economia e a sua adoção de teorias tão manifestamente irrealistas. Eu perguntei o que é que ele achava que os economistas tinham aprendido nos últimos dois anos. “Bem, uma possibilidade é que eles não tenham aprendido nada”, respondeu ele muito lentamente. “Porque, como é que devo dizer isso, porque os corretivos de mercado funcionam muito lentamente ao lidar com mercados académicos. Os professores são permanentes. Eles têm muitos estudantes de pós-graduação no pipeline que precisam de obter o seu doutoramento. Eles têm técnicas que eles conhecem e com as quais estão à vontade. É preciso muito para expulsá-los de sua maneira acostumada de fazer negócios.”

Depois de deixar o escritório de Posner, dirigi-me para o sul até ao campus da Universidade de Chicago, Hyde Park, que por mais de meio século tem sido um próspero centro de pensamento conservador e de debates, abrigando pensadores tão diversos quanto Leo Strauss e acólitos em filosofia política, Albert Wohlstetter e seus companheiros Cold Warriors em estratégia nuclear, e Posner, Richard Epstein, e outros em questões jurídicas. O arquétipo intelectual de Chicago, encarnado por Ravelstein, o professor de filosofia política que aparece no romance homónimo de Saul Bellow de 2000, combinou o interesse por grandes ideias com o empenhamento urgente nos problemas atuais. No outono passado, quando a crise financeira se intensificou, muitos economistas de Chicago interromperam as suas próprias pesquisas para se concentrarem no momento. “Todos aqui foram surpreendidos pela magnitude do que aconteceu”, disse-me James Heckman, cujo trabalho em economia do trabalho e estatística lhe rendeu uma parte do Prémio Nobel de 2000. “Mas não foi só aqui. Toda a profissão foi surpreendida.” Conferências foram organizadas, seminários foram realizados e refeitórios de professores estavam cheios de debates vigorosos. Uma sessão de painel em que meia dúzia de proeminentes economistas de Chicago discutiram “O Futuro dos Mercados” atraiu mais de mil pessoas para um Sheraton no centro da cidade. “Todo mundo se envolveu”, disse Eugene Fama, um veterano especialista em finanças da Booth School of Business da universidade. “Todo o mundo tem um remédio. Não confio em nenhuma das suas receitas.”

No decurso de alguns dias, falei com economistas de vários ramos da economia. A reacção geral que encontrei pôs-me a pensar no que aconteceu à cosmologia depois do astrónomo Edwin Hubble, em 1929, ter descoberto que o universo estava em expansão, e que era muito maior do que os cientistas tinham acreditado. A profissão caiu em tumulto. Alguns físicos mantiveram-se fiéis às teorias existentes, que colocavam um universo estável. Outros, incluindo Albert Einstein, tentaram adaptar os modelos antigos aos dados de Hubble. Outros ainda tentaram apresentar um novo relato de como as galáxias se formaram; foi este esforço que acabou por produzir a teoria do big bang.


Fama, que entrevistei no seu gabinete na Booth School, estava firmemente no campo de negação. Um homem de setenta e poucos anos, de cabelo cortado e com uma camisa florida de manga curta, parecia mais um marine reformado em Miami Beach do que um dos fundadores das finanças modernas. A partir dos anos sessenta e setenta, Fama, que detém o título de Robert R. McCormick Distinguished Service Professor of Finance, apresentou a hipótese dos mercados eficientes, que sustentou a desregulamentação do sistema bancário defendida por Alan Greenspan e outros. Perguntei-lhe como é que esta teoria se tinha saído na recente crise, que muitos, incluindo eu próprio, descreveram como um exemplo de ineficiência grosseira. Fama estava tranquilo. “Penso que se saiu bastante bem neste episódio”, disse ele, com traços da sua voz nativa em Boston audíveis. “Os preços das ações descem tipicamente antes de uma recessão e num estado de recessão. Esta foi uma recessão particularmente severa. Os preços começaram a diminuir antes de as pessoas reconhecerem que se tratava de uma recessão e depois continuaram a diminuir. Era exatamente isso que se esperaria se os mercados são eficientes”.

A ênfase que Fama colocou na bolsa de valores surpreendeu-me. Certamente, disse eu, tínhamos experimentado uma gigantesca bolha de crédito, que acabou por rebentar. “Não sei o que significa uma bolha de crédito”, respondeu Fama, com os seus olhos brilhando. “Eu nem sequer sei o que significa uma bolha. Estas palavras tornaram-se populares. Acho que não têm qualquer significado”. Fama não estava a brincar. Ele ficou tão cansado de ver a palavra “bolha” no The Economist que não renovou a sua assinatura. “As pessoas tornaram-se completamente desleixadas”, prosseguiu ele. “As pessoas saltaram para o comboio da culpa dos mercados financeiros. Posso contar muito facilmente uma história em que os mercados financeiros foram uma vítima da recessão, não uma causa da mesma”.

O cerne do argumento do Fama era que o abrandamento económico era anterior ao colapso do mercado hipotecário, em 2007. À medida que o crescimento do emprego e dos rendimentos abrandou, disse ele, alguns proprietários de casas não puderam fazer os seus pagamentos mensais, especialmente os mutuários das hipotecas subprime que tinham contraído as hipotecas mais arriscadas. Com o aumento dos atrasos de pagamentos e de execuções hipotecárias a aumentar, os bancos e outras instituições financeiras que tinham investido fortemente em títulos hipotecários subprime sofreram grandes perdas, o que os levou a reduzir os seus empréstimos a outros. “Como consequência, tivemos uma chamada crise de crédito”, disse Fama. “Não foi realmente uma crise de crédito: foi uma crise económica”.

A história de Fama era logicamente consistente, mas parecia conter uma grande lacuna. Se a explosão da hipoteca não causou a recessão, o que é que a provocou? Quando levantei esta questão, Fama riu-se. “É aí onde a economia se foi sempre abaixo, se desmoronou”, disse ele. “Não sabemos o que causa as recessões. Agora, não sou um macroeconomista, e não me sinto mal com isso”. Voltou a gargalhar. “Nunca soubemos. Os debates prosseguem até hoje sobre o que é que causou a Grande Depressão”.

Uma teoria da recessão económica que assenta em inexplicáveis giroscópios na economia não pareceu um grande avanço, mas Fama pareceu contente com ela. Insistiu que o verdadeiro culpado da confusão das hipotecas foi o governo federal, que instruiu Fannie Mae e Freddie Mac a comprar hipotecas subprime e títulos hipotecários. “Isso foi um fracasso do governo; isso não foi um fracasso do mercado”, disse Fama. Segundo os números citados no Washington Post, as compras de Fannie e Freddie representaram menos de um terço do mercado de subprime no auge do boom. Quando salientei que os investidores privados compraram a maioria dos títulos subprime emitidos, e as duas grandes empresas hipotecárias apoiadas pelo governo consideravelmente menos, Fama disse simplesmente: “Quanto é que é preciso?”

Para além de acusar o governo de provocar o problema de subprime, Fama argumenta que falhou na sua gestão da crise financeira do Outono passado. Em vez de socorrer a A.I.G., o Citigroup, e outras empresas, Fama diz que o Departamento do Tesouro e a Reserva Federal deveriam ter-lhes permitido ir à falência. “Deixem-nos então ir para a falência”, disse ele, com outra gargalhada. “Deixamos o Lehman falir. Deixamos o Washington Mutual falir. Estas eram grandes instituições financeiras. Algumas não deixámos fracassar. Para mim, parece que não havia muita rima ou razão para isso”. Fama admitiu que todo o sistema financeiro poderia muito bem ter fechado durante um período, mas expressou confiança em que investidores e bancos saudáveis teriam intervido para comprar os bons activos das empresas em colapso, e que, dentro de uma semana ou duas, o sistema estaria novamente a funcionar. “De qualquer modo, o sistema parou praticamente durante uma ou duas semanas”, disse ele. “Os mercados de crédito pararam durante mais de uma semana ou duas”.

Fama não foi menos genial no que diz respeito a Posner. “Ele não é um economista”, disse ele. “Ele é um especialista em direito e economia. Estamos a falar de macroeconomia e finanças”. Mesmo quando referi Paul Krugman, que tinha criticado o pensamento dos mercados eficientes num ensaio recente da revista Times Magazine, a equanimidade do Fama foi inabalável. "A minha atitude é esta", disse ele. "Se estás a ser atacado por Krugman, deves estar a fazer algo correto".


No escritório ao lado do de Fama, encontrei outro verdadeiro crente, John Cochrane. Durante a turbulência financeira do ano passado, Cochrane, que por acaso é genro de Fama, ajudou a organizar uma petição contra o Programa de Alívio de Ativos Turbulentos do Departamento do Tesouro no valor de sete mil milhões de dólares; mais de quarenta economistas de Chicago assinaram-no. “O que há sobre acontecimentos recentes que o levariam a dizer que os mercados são ineficientes?” disse-me ele. “O mercado colapsou. Ao que eu diria, tivemos os acontecimentos de Setembro passado em que o Presidente aparece na televisão e diz que os mercados financeiros estão perto do colapso. Em que planeta é que os mercados não se desmoronam depois disso”? No início deste ano, Cochrane escreveu vários artigos argumentando que o pacote de estímulos da administração Obama não tinha uma base teórica. Quando mencionei Posner e o relançamento keynesiano mais amplo, ele insistiu que a economia keynesiana tinha sido flagelada durante décadas com inconsistências lógicas, que os acontecimentos recentes nada tinham feito para eliminar. “Deitámo-la fora por uma razão”, disse ele. “Não funcionou nos dados. Quando a inflação chegou nos anos setenta, isso foi um grande fracasso da economia keynesiana. ”

Depois de falar com Fama e Cochrane, compreendi o que Posner quis dizer quando disse que os seus adversários estavam “agarrados às suas armas”. (Robert Lucas recusou-se a ver-me, dizendo num e-mail: “Não quero fazer isto”). Noutros lugares, porém, encontrei mais vontade de reconhecer erros e de procurar novos caminhos para avançar. “Há muitas coisas sobre as quais as pessoas se enganaram, e eu errei, e Chicago errou”, disse Gary Becker, que ganhou o Nobel em 1992, quando me encontrei com ele no final de uma tarde. “Aceitam-se derivados e não se compreende totalmente como funcionava o risco agregado dos derivados. Risco sistémico: Penso que não compreendemos isso, nem em Chicago, nem em qualquer outro lugar. Talvez alguns dos apelos à desregulamentação do sector financeiro tenham ido um pouco longe demais, e devíamos ter exigido requisitos de capital mais elevados. Embora isso não tenha sido apenas em Chicago. Larry Summers” – o economista de Harvard, que é agora o principal conselheiro económico do Presidente Obama – “quando estava no Tesouro apoiou a desregulamentação”.

Becker é famoso por alargar a análise económica a áreas como a educação, crime e comportamento familiar – ele chegou ao ponto de sugerir que ter filhos é em parte motivado por considerações financeiras. Com a idade de setenta e nove anos, ele ainda ensina três cursos de pós-graduação; as notas foram amontoadas na sua secretária, ao lado de um iMac de vinte polegadas. Uma das principais causas da crise, disse ele, foi que os engenheiros financeiros de Wall Street conceberam uma série de novos instrumentos que nem eles nem as pessoas que os negociavam compreendiam plenamente. No mercado imobiliário, os compradores tinham expectativas irrealistas sobre os futuros ganhos de preços, e formou-se uma bolha. “Sim, os mercados não são totalmente eficientes”, disse Becker, desenhando no ar uma onda com a mão. “Mas o impulso geral de que os mercados são mais eficientes do que qualquer alternativa – esse aspeto não me parece que vá ser alterado”. Ele acrescentou: “Não vejo a China, ou o Brasil, ou muitos outros países em desenvolvimento a fazerem quaisquer mudanças radicais nos seus movimentos em direção ao mercado, e penso que por boas razões”.

Ao contrário de alguns dos seus colegas, Becker acredita que o governo federal fez um bom trabalho ao reagir à crise financeira, tanto ao estender milhões de milhões de dólares aos mercados de crédito congelados através da Reserva Federal, como ao socorrer os grandes bancos. “Não aceito a opinião de que, nesta crise, deveríamos ter deixado tudo cair onde quer que fosse”, disse ele. “Sim, a economia ter-se-ia recuperado, mas teria sido uma recessão muito mais grave”.

Becker escreve um blog económico popular com Posner, onde os dois debateram a conversão tardia de Posner. Quando falei nisso, Becker disse que Posner não era o único apóstata; o renascimento do intervencionismo levou-o a acreditar que noventa por cento dos economistas tinham sido keynesianos o tempo todo, mas que tinham tido demasiado medo de o admitir. Ainda assim, admitiu ele, Posner e outros tinham levantado críticas justas à economia de Chicago: “Alguns dos modelos que estavam a ser promovidos em macro não se revelaram tão úteis para nos ajudar a compreender o que fazer para combater um grande evento recessivo”.

Isso soou como uma crítica a Lucas, cujo gabinete era mesmo ao fundo do corredor. Na teoria das expectativas racionais de Lucas, a economia é autorregulada. Se num período um choque – um grande aumento do preço do petróleo, por exemplo – provoca uma queda da produção e um aumento do desemprego, no período seguinte a economia ajusta-se automaticamente de volta a um estado de pleno emprego. A explicação para longos períodos de desemprego em massa, tais como a Grande Depressão, é que os trabalhadores se recusam a aceitar empregos de menor remuneração e preferem ficar sem trabalho. Num tal mundo, a maioria das formas de intervenção governamental são inerentemente fúteis. Quando perguntei a Becker sobre Lucas, ele disse que o seu colega tinha dado “uma grande contribuição” para a teoria económica (ganhou o Nobel da economia em 1995), mas sugeriu que os seguidores de Lucas poderiam ter cometido um erro. “Algumas pessoas excluíram todo o sector financeiro, vendo o dinheiro como sendo pouco importante”, disse ele. “Penso que essas coisas acabaram por se revelar erradas”. James Heckman, um dos cinco membros atuais da faculdade a ter ganho o Nobel da economia, foi mais explícito nas suas críticas aos métodos de Lucas, e disse-me que Friedman, que morreu em 2006, também tinha sido cético em relação a eles. Durante os anos setenta, Heckman recordou, ele e Friedman participaram no exame oral de um candidato a doutoramento cuja tese empregou técnicas de expectativas racionais, que estavam então em grande desenvolvimento. No decurso da prova, Friedman voltou-se para Heckman e disse: “Olha, acho que isto é uma boa ideia, mas estes tipos foram longe demais”.

Pelos padrões de Chicago, Heckman é um centrista; a sua pesquisa sobre educação pré-escolar e outras questões influenciou tanto os Democratas como os Republicanos, e durante as eleições presidenciais de 2008, a campanha Obama pediu-lhe que avaliasse as suas propostas de educação. Mas, tal como a maioria dos seus colegas, ele coloca uma grande ênfase nos incentivos e manifestou ceticismo em relação a muitos programas governamentais. “Penso que as ideias subjacentes à Escola de Chicago ainda são muito poderosas”, disse ele. "A base do foguetão ainda está intacta. É o que eu vejo como a fase impulsionadora - a hipótese das expectativas racionais e as versões vulgares da hipótese dos mercados eficientes - que se deparou com problemas. Penso que o que aconteceu foi que as pessoas se afastaram demasiado dos dados, e confrontaram as teorias com os dados. Essa parte da tradição de Chicago foi negligenciada".


Se o equivalente económico de uma teoria do big-bang vier a emergir, virá quase certamente de estudiosos muito menos investidos nas velhas doutrinas do que Fama e Lucas. Professores ambiciosos em Chicago, como os seus rivais em outras escolas, estão ocupados a tentar incorporar na sua teorização facetas da realidade anteriormente negligenciadas, tais como falhas bancárias, bolhas do mercado financeiro, e crises de crédito. Esta investigação apresenta um desafio formidável. Uma grande razão pela qual os modelos de expectativas racionais se mostraram tão sedutores para os economistas foi a sua tractabilidade: com alguma matemática inteligente e um computador, poderiam ser “resolvidos” para gerar soluções explícitas para variáveis económicas importantes, tais como o desemprego e a inflação. Acrescentar detalhes institucionais complica muito as coisas; assim como permitir fatores psicológicos, tais como o excesso de confiança. “As pessoas dizem que a economia precisa de incorporar os conhecimentos da psicologia”, disse-me Cochrane. “Ótimo, obrigado! Ouvi isso de Bob Shiller” – um conhecido economista de Yale, que escreveu o livro “Irrational Exuberance” – “durante trinta anos. Faça-o! Vamos ver uma medida do estado psicológico do mercado. Isso é difícil de fazer”.

Nos anos sessenta e setenta, a economia de Chicago foi em grande parte cortada. Outras escolas importantes, tais como Harvard e Berkeley, raramente contrataram diplomados de Chicago, e Chicago retribuiu o favor. Hoje, o fosso é muito mais estreito, em parte porque muitas das ideias de Chicago foram incorporadas no pensamento mainstream, e em parte porque recrutou mais amplamente. O mais famoso economista de Chicago é hoje Steven Levitt, um doutorado do M.I.T. e co-autor de “Freakonomics”, conhecido por estudos empíricos inovadores sobre o crime, o aborto e o desempenho dos professores. Richard Thaler, um dos criadores da economia comportamental, que procura combinar os conhecimentos da psicologia e o rigor da economia, mudou-se para Chicago há quinze anos; o seu gabinete está agora ao virar da esquina com o de Fama. Nos velhos tempos, Fama recordou, “a economia de Chicago estava basicamente sob ataque em todo o mundo. Havia um tipo de mentalidade de bunker. Mas agora tornámo-nos mais confiantes”.

Fama e Thaler podem ser amigáveis – os dois jogam ocasionalmente golfe juntos – mas a sua análise da crise financeira e do seu rescaldo dificilmente poderia ser mais diferente. Fama agarra-se à ideia de mercados eficientes; Thaler considera que nos últimos dez anos a economia dos EUA tem experimentado duas ruinosas bolhas especulativas, e que os decisores políticos devem concentrar-se em melhorá-los. “Penso que sabemos o que é uma bolha”, disse ele. “Não é que possamos prever bolhas – se pudéssemos, seríamos ricos”. Mas podemos certamente ter um sistema de aviso de bolhas”. Tal sistema concentrar-se-ia em medidas de avaliação padrão, tais como rácios de preço/rendimento para as ações e rácios de preço/rendimento para a habitação. Se estes sinais de aviso começarem a piscar, Thaler continuou, o governo deveria controlar a atividade especulativa, por exemplo, aumentando os requisitos de empréstimo em mercados imobiliários sobreaquecidos. “Deus não disse: ‘Poderás pedir emprestado cem por cento do preço de uma casa'”, acrescentou ele.

Para Thaler, as principais causas da crise financeira foram a elevada alavancagem e a fragilidade humana. Muitos dos compradores de imóveis que contratavam empréstimos hipotecários subprime não sabiam o que estavam a fazer, insistiu ele, e os CEOs de Wall Street não entenderam o que seus comerciantes estavam a fazer. “Vá para baixo na lista-A. I. G., Citigroup, Bear Stearns, Lehman. Todas essas empresas foram destruídas ou devastadas por uma pequena parte do negócio que avançava e arriscava toda a empresa. Os responsáveis eram gananciosos ou estúpidos, ou possivelmente ambas as coisas.”

Em Chicago e em outros lugares, os economistas comportamentais elucidaram muitas atividades que parecem contradizer as teorias da escolha racional. Até agora, no entanto, eles não converteram esses conhecimentos num modelo viável da economia como um todo. Uma nova economia útil terá de integrar uma consciência da natureza humana com amplos conhecimentos práticos e conhecimentos matemáticos de alto nível. Num escritório um andar acima do de Fama, encontrei-me com Raghuram Rajan, um estudioso indiano de quarenta e seis anos que é um dos poucos economistas que alertou sobre os perigos de uma crise financeira. Numa conferência organizada pelo Fed em 2005, ele disse que a desregulamentação, o comércio de produtos financeiros complexos e a proliferação de bónus para os comerciantes aumentaram muito o risco de uma explosão. Altos funcionários do Fed e outros economistas proeminentes rejeitaram as suas preocupações. Lawrence Summers disse que o tom crítico de Rajan apoiou “uma ampla variedade de impulsos políticos equivocados.”

Rajan, juntamente com os seus colegas Douglas Diamond e Anil Kashyap, vem há anos a examinar potenciais problemas no sector bancário. O trabalho deste grupo não atraiu muita atenção do público, mas revelou-se muito útil para os decisores políticos e outros economistas na análise da crise de crédito e na formulação da resposta do governo, que Rajan apoiou. “A pesquisa impulsiona o pensamento, e há o todo tipo de pesquisa que está a ser feita aqui”, disse ele. “As pessoas nos extremos recebem muita imprensa—pessoas que dizem:’ não vamos fazer nada, vamos liquidar’… Há pessoas em Chicago que têm essa opinião. Há outros que entendem que o sistema bancário é muito mais importante do que – e diferente – a maioria das empresas. Sim, você pode fechar alguns bancos sem problemas, mas há alguns bancos que estão tão interligados que você não tem uma opção.”

Rajan, que trabalhou de 2003 a 2006 como economista—chefe do Fundo Monetário Internacional, tem experiência com explosões financeiras em países em desenvolvimento, onde políticas macroeconômicas irresponsáveis, supervisão deficiente e capitalismo de compadrio – bancos que concedem empréstimos imprudentes a pessoas influentes – muitas vezes distorcem o comportamento económico. “O ponto principal sobre o desenvolvimento é que você lida com alguns desses problemas”, disse Rajan. “Você não tem extensões populistas de crédito. Não há bancos que enlouqueceram”. De certa forma, continuou Rajan, a crise do subprime assemelhava-se a colapsos anteriores no Sudeste Asiático e na América Latina. “Você não pode fixar tudo em Greenspan”, como muitos fizeram. “Trata-se de um colapso sistémico e temos de analisar mais amplamente o motivo pelo qual isso aconteceu.”

Num novo livro em que ele está a trabalhar, intitulado “Fault Lines”, Rajan argumenta que as causas iniciais do colapso foram salários estagnados e desigualdade crescente. Com o poder de compra de muitas famílias de classe média a ficar aquém do custo de vida, havia uma procura urgente de crédito. A indústria financeira, com o incentivo do governo, respondeu fornecendo empréstimos de capital próprio, hipotecas subprime e empréstimos para automóveis. (Não obstante o envolvimento do governo, Este é, em última análise, um argumento tradicional de Chicago: em resposta à mudança das circunstâncias económicas, o Mercado Livre forneceu produtos financeiros que as pessoas queriam.) Os efeitos colaterais do crescimento desenfreado do crédito revelaram-se devastadores – uma possibilidade que a maioria dos economistas não havia considerado. “A culpa da profissão de economia não foi tanto de expectativas racionais, que é um dispositivo conveniente e útil”, disse Rajan. "Foi o ignorar o encanamento. Os economistas podiam dar-se ao luxo de o fazer durante muito tempo, porque a canalização não recuou. Agora que a canalização foi apoiada, verifica-se que os empréstimos não são realmente feitos num mercado puro e intocado. As coisas podem quebrar."


Há doze meses, parecia que a história se voltara contra a economia do laissez-faire. Mesmo entre os fiéis de Chicago, havia uma aceitação relutante de que, se os políticos não estavam dispostos a deixar os grandes bancos falirem, era necessária uma regulamentação financeira mais rigorosa para evitar novos resgates dos contribuintes. Fama e Becker endossaram limites à alavancagem bancária, de modo que os banqueiros estão jogando com mais dinheiro da própria empresa. Cochrane apelou à dissolução de grandes empresas financeiras, como Citigroup e Goldman Sachs, com as suas atividades comerciais a serem separadas dos serviços bancários que prestam aos clientes. Rajan e Kashyap, por sua vez, defendeu reformas nos pacotes de compensação dos comerciantes de Wall Street e CEOs.

Hoje, porém, o ambiente político e financeiro é um pouco diferente. Graças à acção do governo a uma escala enorme, o sistema bancário estabilizou-se e a economia dos EUA está a expandir-se, ainda que a um ritmo moderado. Ironicamente, o programa de resgate tirou parte do calor do debate económico. Em Chicago, como em outros lugares, a maioria dos economistas voltou aos seus próprios projetos de pesquisa. “Se esta recessão tivesse piorado muito, teríamos visto duas coisas importantes”, disse-me Becker. “Muito mais envolvimento do governo na economia e muito mais concentração na economia na compreensão do que aconteceu de errado. “Supondo que a recuperação económica continue, continuou ele: “não haverá nada como a revolução no papel do governo e no pensamento que dominou a profissão de economia após a Grande Depressão.”

Becker pode estar certo, mas o impacto da crise financeira não deve ser subestimado, especialmente para a economia de Chicago. “Expectativas racionais e visões fortes de mercados eficientes tiveram um grande impacto”, apontou Posner para mim. “Keynes está de volta e as finanças comportamentais estão em marcha”. Fora de Fama e seus seguidores, é difícil encontrar alguém, mesmo em Chicago, que acredite que as bolhas especulativas não são um problema sério, ou que a economia dos EUA se ajusta automaticamente ao pleno emprego. E até mesmo a maioria dos obstinados agora apoia os esforços para regular Wall Street de forma mais eficaz.

Posner, num novo livro no qual está a trabalhar intitulado “A Crise da democracia capitalista”, reitera o seu apelo aos economistas para que abracem algumas das ideias originais de Keynes e questiona a capacidade do governo dos EUA de pagar as suas vastas dívidas sem recorrer à inflação. Antes de sair do Gabinete de Posner, ele deu-me uma breve lição de história. No final dos anos oitenta, com o colapso do comunismo, as ideias básicas da Escola de Chicago sobre a desregulamentação e os incentivos tinham sido aceites em todo o mundo, recordou, e a amarga inimizade entre Chicago e os seus departamentos de economia rivais tinha desaparecido. Eventualmente, muitos dos fundadores da Escola de Chicago morreram e foram substituídos por figuras mais moderadas, como Thaler e Levitt. Agora, em grande parte como resultado de esforços equivocados para estender a desregulamentação ao setor financeiro, experimentamos a maior explosão econômica desde os anos de 1930. Posner, que parecia estar a desfrutar do seu novo papel como herege, fez uma pausa e disse: "então, provavelmente, o termo 'Escola de Chicago' deveria ser aposentado."

John Cassidy é redator da The New Yorker desde 1995. Ele escreve uma coluna regular para NewYorker.com sobre economia e política. Ao longo dos anos, ele também escreveu muitos artigos mais longos para a revista, cobrindo assuntos que vão desde a economia de John Maynard Keynes a Karl Marx e da globalização ao movimento de decrescimento. Ele é autor de dois livros, "How Markets Fail: The Logic of Economic Calamities" e "Dot.Con: How America Lost Its Mind and Money in the Internet Era". Ele está atualmente trabalhando em um novo livro sobre o capitalismo e seus críticos. Ele cresceu em Leeds, West Yorkshire, e se formou nas universidades de Oxford, Columbia e Nova York. Ele mora no Brooklyn com sua família.

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