1 de julho de 2021

As raízes revolucionárias do comunismo chinês

Por cem anos, o Partido Comunista da China conseguiu se consolidar como partido do poder em um dos estados mais importantes do mundo. Longo foi o caminho, já que o PCC não era nada mais do que um bando de revolucionários fora da lei que mal conseguia escapar das garras de seus inimigos.

Steve Smith


Mao Zedong discursando para um grupo de seus seguidores durante a Guerra Civil Chinesa em 1944. (Hulton Archive / Getty Images)

Tradução / Este ano, os 91 milhões de integrantes do Partido Comunista da China (PCCh) celebram o centenário do seu Primeiro Congresso, organizado em julho de 1921, do qual participaram apenas doze delegados de sete regiões que diziam representar 54 membros em nível nacional.

O Primeiro Congresso é o mito fundador do PCCh, não apenas pela presença de Mao Tsé-Tung, que durante a década de 1920 era apenas uma figura secundária no partido. O mito foi se ajustando de acordo com os acontecimentos políticos: por exemplo, Chen Duxiu, eleito primeiro secretário-geral do partido, foi expulso e se converteu ao trotskismo; cerca de metade dos delegados fundadores acabaram abandonando o partido; e o papel da Internacional Comunista controlada pelos soviéticos sempre foi um assunto sensível.

Mas, transcorridos cem anos, é um bom momento para debruçarmos sobre a criação do partido e a primeira etapa de sua história, quando fazia parte de uma frente única com o Partido Nacionalista (Kuomintang) e seu objetivo era fundamentalmente organizar a classe trabalhadora. A revolução nacional entre 1925 e 1927 conseguiu reunificar o país. O PCCh e a ala esquerda do Kuomintang (KMT) promoveram importantes mobilizações de operários, camponeses, jovens e mulheres em áreas libertadas pelo Exército Nacional Revolucionário (ENR).

Porém, a partir de abril de 1927, a ameaça de uma revolução social defendida pelos movimentos de massa levou Chiang Kai-shek, o comandante supremo do ENR, a se voltar contra seus aliados comunistas. Acossado, o PCCh teve sorte e conseguiu sobreviver. Mas teve de começar tudo de novo em uma remota zona rural do sul da China.

A primeira revolução da China

Em 1911, uma revolução derrubou a dinastia Qing e fundou uma república sob a presidência de Yuan Shikai. Mas o governo revolucionário não conseguiu estabilizar as instituições parlamentares nem controlar as ondas de provincialismo e militarismo. A intenção de Yuan —em princípio um reformador militar— de se converter em imperador em 1915 foi um sintoma lúgubre de seu fracasso.

Desencantados com a possibilidade de a política institucional ser a maneira de reverter a decadência da China, um grupo de jovens radicalizados, liderados por Chen Duxiu, começou a considerar a cultura como o campo no qual o país poderia se salvar da “extinção nacional”. Em 1915, Chen fundou o periódico Juventude, que se transformou no porta-voz do Movimento pela Nova Cultura. A linha editorial atacava a tradição confuciana de subordinação do indivíduo à família patriarcal e defendia a criação de uma nova cultura, ocidentalizada e ancorada na ciência e na democracia.

Em 1919, os intelectuais do Movimento pela Nova Cultura ampliaram sua audiência com o Movimento de Quatro de Maio, assim que o povo chinês percebeu que os mediadores de Versalhes pretendiam transferir para o Japão os privilégios que a Alemanha tinha sobre a China. Em Pequim, os estudantes tomaram as ruas exigindo a renúncia dos “traidores”, ou seja, dos ministros pró japoneses do governo que haviam se tornado marionetes das facções militares rivais. Estudantes, comerciantes e, pela primeira vez, trabalhadores se mobilizaram para denunciar a “humilhação nacional” com uma greve geral e um boicote aos produtos estrangeiros.

O Movimento de Quatro de Maio mostrou novamente aos nacionalistas a inevitabilidade da política. Então resgatou o KMT, dirigido por Sun Yat-sen. Os jovens mais radicalizados, em geral provenientes de famílias abastadas que, apesar de terem entrado em decadência, garantiram a eles uma educação em escolas modernas, fundaram periódicos e grupos de estudo para discutir ideologias tão diversas como o anarquismo, liberalismo, marxismo, socialismo de Estado, socialismo sindical, constitucionalismo e as teorias de educação de John Dewey, tudo com o intuito de salvar a China.

O interesse pela Revolução Russa, já bastante grande, se ampliou assim que, em 1918, o governo bolchevique renunciou aos privilégios czaristas na China, no que Chiang Kai-shek, 40 anos depois, considerou como “a ação mais nobre nos anais das relações internacionais”. Os simpáticos à revolução bolchevique eram seduzidos pela oposição dos russos ao imperialismo, por seu compromisso com a revolução mundial, pela intenção de eliminar o capitalismo (sistema que a maioria das pessoas mais radicalizadas na China concebia como dispensável) e, especialmente, pelo modelo de um partido fortemente centralizado e o ideal da ditadura do proletariado.

Para esses ativistas, era possível escapar das débeis e facciosas organizações que dominavam a política nacional. Importante considerar que entre 1919 e 1927 foram traduzidas mais de 30 obras de Lenin para o chinês, enquanto de Marx foram apenas 10.

O nascimento do PCCh

Além do interesse pela Revolução Russa, o certo é que o PCCh nunca teria existido sem a intervenção da Terceira Internacional —Komintern— fundada pelo governo soviético em 1919. Foi fundamental a chegada a Pequim, em abril de 1920, de um grupo de revolucionários russos liderados por Grigorii Voitinskii, então com 27 anos e antigo membro do Partido Socialista dos Estados Unidos de 1913 a 1920. Conheceu Li Dazhao, importante intelectual do Movimento pela Nova Cultura da Universidade de Pequim, que o colocou em contato com Chen Duxiu, de Xangai. Ao lado de Voitinskii, trabalharam para organizar na cidade uma Liga Socialista da Juventude e uma escola de línguas estrangeiras, visando recrutar os jovens mais promissores e levá-los para uma formação política na Rússia.

Em novembro foi criado o Birô Revolucionário de Xangai, o que pode ser considerada a verdadeira fundação do PCCh. Porém, a partida de Voitinskii em dezembro, somada à de Chen Duxiu, que assumiu um cargo no governo supostamente socialista do caudilho militar Chen Jiongming em Cantão, privou de direção o “pequeno grupo” de Xangai. Na primavera de 1921, muitos jovens socialistas haviam se estabelecido na União Soviética, no Japão e na França. Zhou Enlai e Deng Xiaoping estavam entre os 1.600 estudantes que participaram, entre 1919 e 1921, de um programa de trabalho e estudo na França.

Preparações para a realização de um congresso só foram retomadas em junho de 1921, com a chegada de Maring, novo enviado da Komintern cujo nome verdadeiro era Hendricus Sneevliet. Maring, sindicalista holandês, havia militado contra a dominação colonial nas Índias Orientais Holandesas (atual Indonésia) de 1913 a 1919. Foi ele que deu o impulso fundamental e o financiamento para a realização do Primeiro Congresso, que teve início em 23 de julho na Concessão Francesa de Xangai. Junto aos 12 (inicialmente 13) delegados oficiais participaram Maring e V. A. Nikol’skii, que se converteria no representante da Internacional Sindical Vermelha.

Provavelmente, foi sua presença que alertou a polícia francesa, que promoveu uma batida e forçou a mudança da sétima e última sessão do congresso para 100 km ao sul de Xangai, em um lago nas proximidades de Jiaxing. Interessante que nem Chen Duxiu nem Li Dazhai estavam presentes e que apenas três daqueles 13 delegados compareceram ao Segundo Congresso do PCCh, no ano seguinte.

Certo mistério ronda as resoluções políticas aprovadas pelo Congresso, já que priorizavam a luta pela ditadura do proletariado sobre a estratégia de libertação nacional estabelecida nas “Teses sobre a questão nacional e colonial” adotadas pelo Segundo Congresso da Komintern em julho de 1920. Apesar de terem suscitado certa polêmica, as teses da Komintern traçavam um roteiro para uma revolução em duas etapas no mundo colonial e semicolonial. Durante a etapa democrático-burguesa, quando a prioridade era alcançar a soberania nacional, os comunistas deviam apoiar os líderes nacionalistas burgueses sem perder sua independência política.

Por alguma razão, Maring, que participou do Congresso, não conseguiu convencer dessa estratégia os comunistas chineses, que provavelmente haviam sido influenciados pela leitura de publicações sobre comunismo em inglês. O Congresso também descartou qualquer aliança com o KMT. A Komintern não tolerou esta divergência da sua linha por muito tempo.

Por dentro

No verão de 1922, em conversas com Sun Yat-sen, Maring decidiu que os comunistas deviam se unir ao KMT e aceitou o pedido de Sun para que isso fosse feito de forma individual. O holandês ficara impressionado com o apoio que o KMT conquistara para garantir a greve dos marinheiros de Hong Kong naquele mesmo ano. Em julho de 1922, o Segundo Congresso do PCCh, apesar de aceitar a contragosto a ação conjunta com o KMT, se opôs decididamente à estratégia de participar internamente da organização. Mas Sun e Maring estavam convencidos de que só seria possível reunificar a China mediante um partido único centralizado e respaldado por um exército forte.

A reorganização militar, política e ideológica do KMT teve início sob os auspícios de Mikhail Bordodin, que chegou a Cantão em outubro de 1923. O KMT adotou então uma estrutura fortemente centralizada. Entretanto, os chineses sabiam melhor do que Moscou que o poder na organização circulava principalmente através de redes pessoais, e não de estruturas formais. Além disso, no interior do KMT havia uma importante ala anticomunista.

Mais importante ainda era que o governo soviético colaborou com grande quantidade de dinheiro, com sua perícia e com equipes para a criação do ENR. Entre 1924 e 1926, assessores soviéticos supervisionaram o treinamento de mais de seis mil oficiais na Academia Militar de Whampoa. As prioridades de Moscou eram claras: o KMT recebeu dez vezes mais apoio financeiro do que o PCCh durante os anos anteriores a 1927.

A estratégia de Moscou — formulada sobretudo pela facção de Stalin, que começava a dominar o partido — era que o PCCh devia radicalizar o KMT a partir de dentro: “organizar a esquerda, unir-se ao centro e atacar a direita”. Em última instância, a estratégia se provou desastrosa, mas seria um erro assumir que ela não trouxe qualquer benefício ao PCCh. Em alguns setores do movimento nacionalista, como das mulheres e dos estudantes, os dois partidos estabeleceram uma grande colaboração. Em Guangdong e em certas áreas sob controle do KMT, o ENR ofereceu proteção política e militar às organizações operárias e camponesas.

Entretanto, o PCCh enfrentava um dilema: suas ações de mobilização de massa aumentavam sua influência e levavam trabalhadores a se unirem ao partido, ao mesmo tempo que faziam aumentar a tensão com a ala direitista do KMT. Em três ocasiões, Chen Duxiu pediu a Moscou para pôr fim à estratégia de participação em bloco e se estabelecesse um tipo mais solto de aliança.

A mobilização da classe operária

A classe operária era pequena na China, apesar de ter passado de 1,5 milhão de trabalhadores em 1919 para 3 milhões em meados de 1920. Embora os jovens militantes da Liga Socialista da Juventude e do PCCh tenham demonstrado enorme ingenuidade no contato com os operários, as primeiras tentativas de criar sindicatos fracassaram apenas mais tarde quando, em fevereiro de 1923, o caudilho nortista Wu Peifu esmagou o sindicato dos ferroviários de Pequim-Hankou. A esquerda conseguiu avançar apenas em 1925.

Durante a primavera, o constante mal-estar sofrido pelos trabalhadores da indústria de algodão japonesa de Xangai terminou com um trabalhador morto. Uma manifestação realizada em 30 de maio acabou com 12 manifestantes mortos e 17 feridos nas mãos da polícia da Concessão Internacional. Não era a primeira vez que as potências estrangeiras recorriam a esse nível de violência, mas essa vez marcou um ponto de inflexão no destino do imperialismo. A repressão provocou uma greve geral, o fechamento de escolas, universidades, o comércio, bancos e outros negócios, e um novo boicote a produtos estrangeiros.

Em Hong Kong, os trabalhadores fizeram uma greve de solidariedade e em 23 de junho a polícia abriu fogo contra uma mobilização perto de Cantão, pouco antes de ela chegar às concessões internacionais: 52 manifestantes foram mortos e mais de 100 ficaram feridos. No sul, a greve e o boicote duraram 16 meses — uma das greves mais longas da história do movimento trabalhista mundial — e trouxeram consequências sérias para os negócios britânicos. Os trabalhadores se colocaram à frente do movimento antimperialista em nível nacional (algo que não voltou a se repetir).

O PCCh ajudou os grevistas a formularem reivindicações salariais, a organizar piquetes e a fundarem sindicatos. Como resultado, a Federação Nacional de Sindicatos da China passou a contar com 540 mil integrantes em maio 1925, com 1.24 milhão em maio de 1926 e com 2.8 milhões em junho de 1927. Por mais forte que fora o movimento operário, os sindicatos apoiados pelo PCCh nunca conseguiram superar os interesses particulares das forças de trabalho, baseadas em sociedades secretas, em laços criados em função da procedência e em redes clientelistas com contratantes e capatazes.

Além disso, o Movimento de Trinta de Maio não foi estritamente de classe. Sua reivindicação mais radical era a revogação dos tratados desiguais. As greves se sustentavam por longos períodos porque eram em parte financiadas pelos empresários chineses, preocupados que os conflitos transbordassem das companhias britânicas e japonesas para as nacionais. O PCCh promoveu inteligentemente um discurso sobre a identidade nacional que colocava a China como vítima do imperialismo e vinculou sua libertação à luta dos operários e camponeses.

Desde julho de 1926, o ENR lançou uma expedição para o norte a fim de eliminar ou incorporar os caudilhos militares. Em dezembro conseguiu estabelecer um governo em Wuhan sob o controle da ala esquerda do KMT. À medida que o exército avançava, os comunistas e militantes de esquerda do KMT fundavam associações e sindicatos.

Até a primavera de 1927, cerca de 15 milhões de camponeses do sul e centro da China haviam se unido a alguma associação. Isto apresentava um grande desafio para os proprietários de terras, para os bandidos e para as tríades que controlavam os assuntos rurais. O movimento começou a exercer uma grande pressão sobre Chiang Kai-shek para que virasse para a esquerda em detrimento do apoio que desfrutava de comerciantes e dos militares. Mas ele se negou a reconhecer o governo de Wuhan.

Desastre em Xangai

À medida que o ENR se aproximava de Xangai, o PCCh começou a organizar um levante com o objetivo de derrotar as forças dos caudilhos que controlavam as àreas chinesas da cidade. Acreditava ser capaz de libertar a cidade antes da chegada do ENR, o que fortaleceria as posições da esquerda. Numa greve de quatro dias, de 19 a 22 de fevereiro, 420.970 operários e comerciantes abandonaram suas atividades. A greve foi maior do que a do Movimento de Trinta de Maio.

Entretanto, a tentativa do PCCh de tomar a cidade foi contraproducente. Em 23 de fevereiro foi organizado um comitê especial, dirigido por Chen Duxiu, que orientou Zhou Enlai a formar uma verdadeira milícia armada. Mas então os membros da direita do KMT na cidade começaram a se organizar política e militarmente para resistir ao PCCh. Numa tentativa desesperada de evitar a ruptura da frente única, Moscou ordenou ao PCCh para se abster de criticar publicamente Chiang Kai-shek, que era visto pelo público como a personificação da revolução nacional.

Em 18 de maio, o ENR montou acampamento 30 km ao sul de Xangai. O PCCh decidiu que a greve geral e o levante armado deveriam ter início em 21 de março. Neste dia, 800 mil pessoas abandonaram suas atividades, fecharam seu comércio ou não foram à escola a fim de demonstrar seu apoio ao ENR. As autoridades britânicas da Concessão Internacional ficaram tão alarmadas que ordenaram o desembarque de suas tropas dos 30 ou 40 navios de guerra ancorados no rio.

As milícias operárias, com a assistência tardia de um general do ENR, expulsaram as forças dos caudilhos militares de Xangai, e em 22 de março uma entusiasmada assembleia cidadã declarou a cidade território livre. Os dirigentes começaram a formar um governo municipal e legalizaram o Sindicato Geral de Trabalhadores de Xangai, que contava então com 821 mil filiados. Em 26 de março multidões ocuparam as ruas a fim de receber Chiang Kai-shek.

Não foi um bom sinal o fato de o dirigente decidir se reunir primeiro com o líder de uma das principais sociedades secretas da cidade, a Banda Verde, que era também detetive da polícia da Concessão francesa. Os dois concordaram em mobilizar as sociedades secretas e esmagar as milícias operárias. Ainda mantendo a esperança de não romper a aliança, a Komintern ordenou que os comunistas escondessem suas armas. Os camaradas de Xangai não obedeceram. Na noite de 11 de abril, as sociedades secretas atacaram e liquidaram sistematicamente as milícias operárias.

Surpreendentemente, apesar do terror, os trabalhadores fizeram uma nova greve e a população nacionalista se mobilizou. No entanto, isso seria apenas o início de uma longa onda de repressão contra a esquerda. Em 15 de abril, o Sindicato Geral dos Trabalhadores anunciou que 300 sindicalistas haviam sido mortos, mais de 500 presos e 5 mil estavam desaparecidos. Foi o começo de um banho de sangue que se espalhou rapidamente por outras regiões e quase aniquilou o PCCh.

Reinventar o PCCh

Quando começou o Quinto Congresso do PCCh em Wuhan em 27 de abril de 1927, o partido contava com 57.967 membros. A maioria havia se filiado no começo desse mesmo ano. Quase metade dos integrantes era operários, sobretudo jovens com poucos anos de emprego nas fábricas de algodão. A grande maioria do partido era de jovens.

O PCCh, que havia herdado o compromisso de libertação das mulheres do Movimento pela Nova Cultura, dispendia mais energia com o movimento feminista do que tinha feito o partido bolchevique antes da revolução. Ainda assim, apesar de algumas destacadas mulheres dirigentes, o PCCh seguia sendo um partido fundamentalmente masculino. Na época do Quinto Congresso, apenas 8% dos integrantes eram mulheres.

Desde o Primeiro Congresso, o PCCh havia deixado de ser uma congregação de grupos de estudo para se tornar um partido de massas, composto predominantemente, mas não exclusivamente, por intelectuais que haviam recebido treinamento ideológico, organizativo e militar na União Soviética. A democracia interna no partido era escassa, em parte porque as condições políticas na maior parte da China forçava o trabalho clandestino.

Apesar de as normas da Komintern terem vigorado, não encorajando debates, a magnitude dos eventos levou inevitavelmente a grandes conflitos no interior do partido. Além disso, os traços do Movimento de Quatro de Maio não haviam desaparecido de todo entre a juventude educada, que continuava vinculando sua rebelião pessoal contra a cultura confuciana à causa da libertação nacional e de classe.

Desde 1926, a tendência Oposição Unida do Partido Comunista Soviético começou a contestar duramente a facção de Stalin em relação à política da Komintern na China e a estratégia de aliança com o KMT, que supostamente limitava as lutas camponesas. Ao contrário, defendia a formação de sovietes. O apoio a Trotsky entre os membros do PCCh que haviam recebido treinamento em Moscou era considerável. Ainda assim, apesar de que durante a primavera de 1927 Moscou ter exigido que o PCCh mantivesse a todo custo a frente ampla, não seria adequado definir a política de Stalin como “direitista”, como faziam então os seguidores de Trotsky.

A pressão de Moscou, ao menos desde 1924, não era para apoiar o KMT, supostamente “burguês”, mas para transformá-lo em um “partido operário e camponês”. Esta mensagem era a que parecia harmonizar melhor com os dirigentes partidários que sustentavam a política no país. Em contraste, a pressão por um levante armado em Xangai parece ter vindo principalmente "de baixo", e não de Moscou.

De qualquer forma, dado o equilíbrio das forças militares e políticas, o sucesso da revolução social não era garantido. Como reconheceu Mao Tsé-Tung em agosto de 1927, numa situação na qual o poder está fragmentado e o governo central é débil, “o poder nasce do fuzil”. O PCCh só foi capaz de traçar um plano para sair do impasse em que se encontrava quando formou uma força armada própria.

Diante dessa primeira etapa, o que mais surpreende, considerando a história posterior do PCCh, é a capacidade do partido de se reinventar como o fez depois de 1927. Por cem anos, o PCCh recorreu com frequência à repressão, mas sua longevidade advém menos desta prática do que de sua flexibilidade ideológica, sua disciplina organizativa e sua capacidade de corrigir sua visão estratégica, tanto antes quanto depois de tomar o poder.

Sobre o autor

Pesquisador principal do All Souls College (Oxford) e professor da Faculdade de História da Universidade de Oxford. Entre suas obras se destacam Revolution and the People in Rusia and China: A Comparative History, A Road is Made: Communism in Shanghai, 1920-27, e Russia in Revolution: An Empire in Crisis, 1890 to 1928.

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