Matheus Teixeira
Danielle Brant
Julia Chaib
Abertura do ano legislativo no Congresso Nacional - Pedro Ladeira-2.fev.22/Folhapress |
A janela de um mês em que deputados puderam trocar livremente de partido sem risco de perder o mandato chega ao fim nesta sexta-feira (1º) com um saldo positivo para o centrão de Jair Bolsonaro, que viu o seu PL se tornar a maior bancada da Câmara, com mais de 70 deputados, e com o já esperado esvaziamento do União Brasil.
Mais de 100 dos 513 parlamentares mudaram de legenda, número que pode crescer ainda mais já que os partidos não são obrigados a informar as trocas imediatamente nem à Câmara nem à Justiça Eleitoral.
Nos últimos dias, a Folha colheu relatos de parlamentares, a maioria falando de forma reservada, dando conta de ofertas, pelos partidos, de verbas milionárias de campanha, tempo de propaganda na TV, controle de diretórios regionais e outras benesses para tentar atrair os deputados.
No período, o interesse das siglas de atrair nomes que julguem ser competitivos se soma ao de parlamentares que buscam melhorar suas chances na disputa.
O PL de Bolsonaro somava nesta sexta, oficialmente, 69 deputados federais, mas a Folha apurou que cerca de uma dezena de novas filiações ainda seriam computadas.
A expectativa do partido era fechar com 75 deputados federais, ou seja, 15% do total da Casa. A legenda de Valdemar Costa Neto atraiu a maior parte dos bolsonaristas que saíram da União Brasil, sigla criada pela fusão de DEM com PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu em 2018.
A legenda também ganhou adeptos de outras siglas que querem associar seus nomes ao do presidente.
A segunda maior bancada está sendo disputada por PT e PP, com cerca de 55 deputados cada um.
O PSB, à esquerda, e PSDB e PTB, à direita, foram alguns dos partidos que perderam parte das bancadas. O PV, que fechou federação com o PT, viu sua bancada praticamente renovar —3 dos 4 saíram da legenda e outros cinco entraram.
A cada ano eleitoral, os 30 dias da janela são marcados por fortes negociações, juras de fidelidade ao novo partido e tentativas de legendas menores ou em baixa no campo político de estancar a sangria em suas bancadas.
Outro fenômeno registrado foi o de deputados abandonando partidos mergulhados em crises. É o caso do PTB, cuja presidência é alvo de disputa interna. Outras legendas, como o PSDB, viveram risco de saída de parlamentares após a decisão de João Doria de manter a pré-candidatura à Presidência.
A Folha ouviu relatos de assédio ostensivo aos parlamentares.
Um dos protagonistas do caso Covaxin, o deputado Luis Miranda (DF) disse ter recebido convites de oito partidos, por exemplo, mas acabou decidindo trocar a União Brasil pelo Republicanos, de Marcos Pereira. Ele afirmou que o motivo principal para a mudança foi o cenário do partido de Luciano Bivar (PE) no Distrito Federal. Além disso, o parlamentar estuda trocar o domicílio eleitoral e sair por São Paulo, onde pesquisas internas apontariam um elevado potencial de votos, ainda de acordo com o parlamentar.
"O que eu estou escutando de todos os partidos: o teto [de recursos para a campanha] será dado para quem está eleito. Então, por exemplo, é R$ 2,5 milhões o teto [valor das eleições de 2018, que será reajustado neste ano]? Quem está eleito já tem esse teto automático", disse o deputado, se referindo a parlamentares que os partidos já consideram ter votos suficientes para se eleger.
O Republicanos acenou também com espaço na propaganda eleitoral na TV –ele e Marcos Pereira vão gravar um vídeo juntos— e com recursos pré-campanha. "O partido disponibilizou toda infraestrutura para que eu possa fazer essa campanha, até porque eu teria que construir tudo do zero. O partido já tem tudo pronto e vai disponibilizar tudo para a gente."
Um relato comum é o de deputados que recebem ofertas que chegam ao teto de gastos permitido na disputa para deputado federal, que deve ficar em cerca de R$ 3 milhões ou mais. Como o período de campanha foi reduzido de 90 para 45 dias, a avaliação na classe política é de que essa etapa se tornou imprescindível para conquistar uma cadeira no Congresso.
Nesse ponto, porém, há controvérsias jurídicas. Geralmente, as legendas usam verba do fundo partidário, que não deveria ser voltado para este fim, para imprimir materiais dos seus candidatos, como panfletos e adesivos que ainda não contêm o número que vai para as urnas.
As propostas dos partidos vão além de recursos e também envolvem controles estadual e municipal das legendas. Além disso, siglas da base do governo acenam com emendas nas negociações para ampliar suas bancadas. A promessa é de liberação das emendas de relator, em que os governistas têm maior liberdade no manejo dos recursos para enviá-los às bases eleitorais de aliados.
Ciente dessa movimentação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), bloqueou a distribuição da verba até o fim da janela partidária. A intenção seria aguardar para avaliar o tamanho final das bancadas antes de retomar a liberação das emendas, usadas como moeda de troca em negociações políticas.
A União Brasil, apesar de ter sofrido um forte processo de desidratação com a saída dos bolsonaristas, vai continuar sendo dona da maior parcela do fundo eleitoral, que é calculado com base no número de parlamentares eleitos para a Câmara e para o Senado nas últimas eleições.
A Folha ouviu dois deputados sob reserva, segundo os quais o partido tem feito promessas de repasse de dinheiro de campanha para atrair deputados para repor as perdas sofridas.
Outras estratégias também foram lançadas para conquistar novos integrantes. A vereadores que não podem trocar de legenda porque a janela é restrita a quem está no fim da legislatura, muitos partidos estão oferecendo ajuda de advogados para defendê-los na Justiça Eleitoral a fim de evitar eventual perda de mandato por infidelidade partidária.
Muitos migram também por motivos estratégicos, o principal sendo melhorar suas chances na disputa local. O deputado Luizão Goulart deixou o Republicanos para se filiar ao Solidariedade e disse que decidiu mudar de partido para ter mais influência partidária em âmbito regional.
"A troca se deu menos por questão ideológica e mais por questão de espaço aqui no estado do Paraná", diz. E complementa: "O que mais me motivou foi a autonomia para trabalhar no estado, eu não era presidente estadual do outro partido".
Ele relata que, no Republicanos, "não tinha poder interno para poder atuar", mas que agora é o chefe da sigla e teve liberdade para montar toda diretoria regional da legenda.
Da mesma forma, o deputado Augusto Coutinho (PE) deixou o Solidariedade e migrou para o Republicanos por avaliar que havia mais chances de ser eleito, segundo aliados.
Pessoas próximas a Coutinho dizem que ele recebeu propostas financeiras equivalentes de ambos os partidos, mas optou pelo Republicanos pela avaliação de que teria maior sucesso eleitoral.
Procurado, o União Brasil e o Republicanos não se manifestaram.
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