Igor Gielow
Folha de S.Paulo
A batalha do segundo turno, que definirá o vencedor da guerra eleitoral de 2022, começou na noite do domingo (2), pouco depois de as urnas enviarem seus dados para Brasília.
Do ponto de vista de moral da tropa, Jair Bolsonaro (PL) saiu como grande vencedor do domingo, escamoteando de forma conveniente a seus aliados o fato de que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quase liquidou o jogo.
Mas o caminho de Bolsonaro é mais duro do que o de Lula. Se o padrão de migração de votos de Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) seguir o que foi aferido antes do primeiro turno pelo Datafolha, o volume pró-Lula pode estar garantido. Apenas pode, como a arrancada final do presidente no domingo demonstra.
Se não chegou a ser um tsunami como em 2018, o avanço de seus aliados no Sudeste é motivo para celebração no bolsonarismo. O Rio reelegeu um soldado da causa, e Minas, um aliado algo distante, mas aliado. E São Paulo viu Tarcísio de Freitas (Republicanos) virar favorito na disputa contra Fernando Haddad (PT).
Os estrategistas do presidente agora olham para onde pescar os votos para tirar 6 milhões de eleitores que Lula teve à sua frente. O próprio Bolsonaro mostrou a tática dual na sua entrevista noturna, que teve direito a ironia e agressividade com a imprensa, como é usual.
O presidente começou a fala para o grupo que até aqui se mostrou inexpugnável a suas investidas: os mais pobres. De forma calma e pausada, ensaiou um mea culpa, dizendo entender que muitos que votaram nele em 2018 o abandonaram por causa das dificuldades econômicas do país.
Parecia um derrotado falando, até engatar o usual discurso de que foi pressionado por fatores externos, da pandemia da Covid-19 à Guerra da Ucrânia, e que as coisas estão melhorando. Mas o aceno a esse eleitor perdido foi notável, embora menos claro seja o que ele tem a oferecer.
Pois Bolsonaro abriu toda sua reserva de bondades nos últimos meses, de Auxílio Brasil turbinado a dinheiro na mão de grupos de pressão, como caminhoneiros. Não é aferível de forma precisa o quanto isso o empurrou no domingo, mas quando se vê os mapas de votação, fica claro que quem o levou a se aproximar de Lula foi um eleitorado de classe média urbano.
Aí entra a segunda parte da fala do presidente, na qual ele foi ele em estado puro, dizendo encarnar os valores familiares, a religiosidade, o conceito fluido de liberdade, o armamentismo, o combate à corrupção. E, claro, que Lula é o negativo de tudo isso. Com isso, ele busca manter no seu armário as camisas da seleção que foram às ruas na época do impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Os petistas, por sua vez, precisam apelar a elas, dado que discurso para os mais pobres (metade do eleitora ganha até dois mínimos) já foi comprado. Aí a questão que fica é se a dica do discurso de Lula, em que fez defesa de ampla aliança e novas aberturas, vai colar.
É discutível. Quando colocou na sua vice Geraldo Alckmin, um tucano de quatro costados que se viu expulso do próprio partido, Lula deu uma real sinalização simbólica de que não pretendia transformar seu eventual governo numa vingança pelos seus 580 dias de cadeia.
A fotografia com oito ex-presidenciáveis às vésperas do primeiro turno foi no mesmo sentido. Por todas as declarações públicas e privadas, o mercado e o empresariado já precificaram Lula como um ator previsível e confiável, ainda que torçam nariz para o esquerdismo de seu entorno.
Esse povo não tem voto, mas influencia quem tem e decide o rumo de políticas públicas: o Congresso bastante conservador será um campo de batalha duro caso Lula vença o pleito. Assim, talvez o preço da fatura da aquiescência do pessoal do dinheiro suba, e o cheque em branco dado a Lula passe a exigir recibo, talvez com anúncios mais objetivos sobre a economia.
O antipetismo, pelo que se viu no domingo, segue tendo força em setores da classe média. Assim como Bolsonaro com os mais pobres, os instrumentos à disposição de Lula parecem limitados em termos de retórica, o que fará sua pescaria de votos para cristalizar a vantagem sobre Bolsonaro talvez se concentrar nos detalhes, nos 40% de eleitores de Tebet e Ciro que diziam apoiar o petista no segundo turno.
Presente para ambos os rivais é o fantasma de Erich Ludendorff. Há 104 anos o comandante alemão na Primeira Guerra Mundial viu a entrada dos EUA no conflito como determinante para uma virada pró-Aliados. Tendo acabado de derrotar a Rússia, ele juntou todas as forças que estavam na frente oriental e fez o maior ataque nas linhas ocidentais da guerra.
Avançou muito, só para ver suas forças exauridas, levando ao colapso da defesa alemã nos meses seguintes e à derrota em novembro de 1918. Neste momento, a metáfora militar pode se aplicar tanto a força mostrada por Bolsonaro no domingo quanto à quase vitória de Lula. Logo saberemos para quem ela valerá.
Do ponto de vista de moral da tropa, Jair Bolsonaro (PL) saiu como grande vencedor do domingo, escamoteando de forma conveniente a seus aliados o fato de que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quase liquidou o jogo.
Na montagem, Lula e Bolsonaro no dia da votação do primeiro turno de 2022 - Ernesto Benavides/AFP e André Coelho/Reuters |
Politicamente, contudo, é inegável que a figura relaxada do presidente ao conceder uma entrevista noturna para comentar o resultado resumia o dia, em contraste à cansada figura do ex-presidente, claramente abatido pela vitória que lhe escapou das mãos.
Mas o caminho de Bolsonaro é mais duro do que o de Lula. Se o padrão de migração de votos de Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) seguir o que foi aferido antes do primeiro turno pelo Datafolha, o volume pró-Lula pode estar garantido. Apenas pode, como a arrancada final do presidente no domingo demonstra.
Se não chegou a ser um tsunami como em 2018, o avanço de seus aliados no Sudeste é motivo para celebração no bolsonarismo. O Rio reelegeu um soldado da causa, e Minas, um aliado algo distante, mas aliado. E São Paulo viu Tarcísio de Freitas (Republicanos) virar favorito na disputa contra Fernando Haddad (PT).
Os estrategistas do presidente agora olham para onde pescar os votos para tirar 6 milhões de eleitores que Lula teve à sua frente. O próprio Bolsonaro mostrou a tática dual na sua entrevista noturna, que teve direito a ironia e agressividade com a imprensa, como é usual.
O presidente começou a fala para o grupo que até aqui se mostrou inexpugnável a suas investidas: os mais pobres. De forma calma e pausada, ensaiou um mea culpa, dizendo entender que muitos que votaram nele em 2018 o abandonaram por causa das dificuldades econômicas do país.
Parecia um derrotado falando, até engatar o usual discurso de que foi pressionado por fatores externos, da pandemia da Covid-19 à Guerra da Ucrânia, e que as coisas estão melhorando. Mas o aceno a esse eleitor perdido foi notável, embora menos claro seja o que ele tem a oferecer.
Pois Bolsonaro abriu toda sua reserva de bondades nos últimos meses, de Auxílio Brasil turbinado a dinheiro na mão de grupos de pressão, como caminhoneiros. Não é aferível de forma precisa o quanto isso o empurrou no domingo, mas quando se vê os mapas de votação, fica claro que quem o levou a se aproximar de Lula foi um eleitorado de classe média urbano.
Aí entra a segunda parte da fala do presidente, na qual ele foi ele em estado puro, dizendo encarnar os valores familiares, a religiosidade, o conceito fluido de liberdade, o armamentismo, o combate à corrupção. E, claro, que Lula é o negativo de tudo isso. Com isso, ele busca manter no seu armário as camisas da seleção que foram às ruas na época do impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Os petistas, por sua vez, precisam apelar a elas, dado que discurso para os mais pobres (metade do eleitora ganha até dois mínimos) já foi comprado. Aí a questão que fica é se a dica do discurso de Lula, em que fez defesa de ampla aliança e novas aberturas, vai colar.
É discutível. Quando colocou na sua vice Geraldo Alckmin, um tucano de quatro costados que se viu expulso do próprio partido, Lula deu uma real sinalização simbólica de que não pretendia transformar seu eventual governo numa vingança pelos seus 580 dias de cadeia.
A fotografia com oito ex-presidenciáveis às vésperas do primeiro turno foi no mesmo sentido. Por todas as declarações públicas e privadas, o mercado e o empresariado já precificaram Lula como um ator previsível e confiável, ainda que torçam nariz para o esquerdismo de seu entorno.
Esse povo não tem voto, mas influencia quem tem e decide o rumo de políticas públicas: o Congresso bastante conservador será um campo de batalha duro caso Lula vença o pleito. Assim, talvez o preço da fatura da aquiescência do pessoal do dinheiro suba, e o cheque em branco dado a Lula passe a exigir recibo, talvez com anúncios mais objetivos sobre a economia.
O antipetismo, pelo que se viu no domingo, segue tendo força em setores da classe média. Assim como Bolsonaro com os mais pobres, os instrumentos à disposição de Lula parecem limitados em termos de retórica, o que fará sua pescaria de votos para cristalizar a vantagem sobre Bolsonaro talvez se concentrar nos detalhes, nos 40% de eleitores de Tebet e Ciro que diziam apoiar o petista no segundo turno.
Presente para ambos os rivais é o fantasma de Erich Ludendorff. Há 104 anos o comandante alemão na Primeira Guerra Mundial viu a entrada dos EUA no conflito como determinante para uma virada pró-Aliados. Tendo acabado de derrotar a Rússia, ele juntou todas as forças que estavam na frente oriental e fez o maior ataque nas linhas ocidentais da guerra.
Avançou muito, só para ver suas forças exauridas, levando ao colapso da defesa alemã nos meses seguintes e à derrota em novembro de 1918. Neste momento, a metáfora militar pode se aplicar tanto a força mostrada por Bolsonaro no domingo quanto à quase vitória de Lula. Logo saberemos para quem ela valerá.
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