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28 de março de 2024

Sionismo e Israel são projetos coloniais, diz autor considerado herdeiro intelectual de Edward Said

Em livro recém-lançado no Brasil, historiador Rashid Khalidi afirma que palestinos são alvos desde muito antes do 7 de Outubro

Diogo Bercito

Folha de S.Paulo

O palestino Yusuf al-Khalidi escreveu em 1899 uma carta para Theodor Herzl, considerado o pai do sionismo moderno. Yusuf se opunha à criação de um Estado judeu na Palestina. Dizia: é habitada por outras pessoas.

Seu sobrinho-trineto faz hoje um alerta semelhante. Em seu livro "Palestina", Rashid Khalidi afirma que o sionismo e Israel são projetos coloniais que culminaram na alienação da população nativa palestina.

Rashid Khalidi, historiador de origem palestina, leciona na Universidade Columbia - Alex Lavac/Divulgação

Khalidi, 75, é um dos principais intelectuais palestinos desta geração. É de certo modo um herdeiro de Edward Said, autor do estudo clássico "Orientalismo", publicado pela primeira vez em 1978. Assim como ele, leciona na Universidade Columbia, em Nova York.

O livro "Palestina" saiu em 2020 nos Estados Unidos, mas só chega agora ao Brasil, pela editora Todavia. Uma de suas teses centrais é a de que os palestinos são alvos de uma guerra há mais de cem anos. Isto é, desde antes de suas terras darem lugar a Israel, em 1948 —ou da campanha militar lançada na Faixa de Gaza pelo Exército de Tel Aviv em 7 de outubro passado.

A ofensiva, motivada por um ataque do grupo terrorista Hamas ao sul israelense que deixou cerca de 1.200 mortos, já tirou a vida de mais de 32 mil palestinos segundo as contas de autoridades de saúde de Gaza, ligadas à facção. Entidades internacionais ainda acusam Tel Aviv de usar a fome como uma tática de batalha.

"O sionismo é e sempre foi colonial e usou estratégias coloniais, incluindo a compra e a confiscação de terras e a eliminação da população original", diz Khalidi à Folha. Ele também é enfático na sua crítica ao apoio americano a Israel. "Sem os EUA, nada disso estaria acontecendo."

O senhor publicou seu livro em 2020 falando em uma guerra de cem anos contra a Palestina. Há agora uma nova guerra acontecendo. A tese central do livro se mantém. Temos que enxergar o que está acontecendo em Gaza dentro do contexto de uma guerra mais ampla, que é uma guerra para substituir uma população por outra, apagar a identidade de uma população nativa e tomar o máximo possível de terra.

O livro sugere que o sionismo foi desde o início um projeto colonial. O sionismo sempre disse que é um projeto nacional, o que não é inteiramente falso. É um projeto nacional de judeus do Leste Europeu. Foi uma resposta à perseguição de judeus de lá, que levou à conclusão de que apenas uma entidade nacional poderia proteger os judeus. Nada disso é falso. Mas o sionismo é e sempre foi colonial e usou estratégias coloniais, incluindo a compra e a confiscação de terras e a eliminação da população original. São os métodos clássicos. Foi o que aconteceu na América portuguesa e espanhola, nas colônias britânicas e francesas. Não há diferença nos métodos. Isso sem contar o fato de que os líderes sionistas diziam isso de um modo explícito. Não tinham dúvida de que eram europeus tomando um país de sua população nativa.

É controverso dizer que o sionismo é um projeto colonial. Por quê? Devido a uma das campanhas de propaganda mais brilhantes da história que convenceu o mundo, em especial depois do Holocausto, de que a Europa tinha a obrigação de ajudar a criar esse refúgio para os judeus. Há também o argumento bíblico. Protestantes, como nos EUA, creem que há um mandamento divino para os judeus retornarem à terra.

É também controverso dizer que o sionismo é um projeto nacional? É difícil para muitos aceitar que, com o tempo, uma identidade nacional se desenvolveu entre a população de colonos. É difícil para os palestinos dizerem: os israelenses são um povo e têm direitos, em especial porque esses direitos são exercidos em detrimento dos direitos dos palestinos.

Como essa situação —um projeto colonial e nacional— se resolve? Há três possibilidades. A primeira é a eliminação da população nativa ou sua redução a um ponto em que podem ser desconsiderados politicamente, como na América do Norte, na Austrália e na Nova Zelândia.

A outra possibilidade é a expulsão dos colonos, que aconteceu na Líbia e na Argélia. A terceira é que os colonos sejam aceitos como nativos ou vivam lado a lado com os nativos. É o que vemos na África do Sul —os colonos perderam sua hegemonia, mas permaneceram. Só que estamos longe disso. Ficamos ainda mais longe com o 7 de Outubro.

O seu livro começa em 1917. Por que o senhor escolheu essa data? É a data da Declaração Balfour [em que o governo britânico apoiou a criação de um lar judaico na Palestina]. Foi quando tudo isso tomou forma. É a data da intrusão dos britânicos. Sem apoio internacional, Israel não teria sido criado. Até então, sionistas buscavam um patrono. Esse apoio mudou com o tempo. Desde os anos 1960, tem sido os EUA.

Qual papel os EUA têm no que acontece hoje em Gaza? Os EUA são indispensáveis para o genocídio, para o uso da fome como arma, para a morte de milhares de crianças. Sem eles, nada disso estaria acontecendo. Esse apoio vai mudar agora? Não sei. Mas há uma mudança em curso na opinião pública. Israel nunca terá o apoio global que teve. Isso por conta das redes sociais e da mídia alternativa, em especial entre os mais jovens. O que não significa que a política vai mudar, porque aqueles que tomam decisões não mudaram.

Essa mudança tinha começado antes da guerra, o senhor não acha? Sim. Tem a ver com a ascensão das redes sociais e o total desprezo pela imprensa tradicional. Há também uma nova geração de ativistas entre os palestinos e árabes. Há, ainda, uma sensação entre muitas pessoas de que a luta palestina é semelhante à deles. Afro-americanos e nativos americanos se dão conta de que é parecido com o que seus avôs viveram: histórias de deslocamento, imigração forçada, discriminação. Reconhecemos uma opressão quando nos deparamos com ela, dizem.

Que papel o Brasil pode ter nesse contexto? Declarações como a do presidente Lula, que falou em genocídio, podem ter algum impacto? É claro que sim. É necessário um esforço imenso [para alterar a situação]. Quanto mais países mudarem sua posição, haverá mais pressão em Israel e nos EUA. Pode não parecer muito, mas cada país que chama um genocídio de "genocídio" coloca mais pressão.

RAIO-X | RASHID KHALIDI, 75

Nascido em Nova York numa família palestina, cursou seu doutorado na Universidade Oxford. Historiador, leciona na Universidade Columbia. É autor de importantes estudos sobre Palestina.

PALESTINA: UM SÉCULO DE GUERRA E RESISTÊNCIA (1917 - 2017)

Preço R$ 114,90 (432 págs.); R$ 69,90 (ebook) Autoria Rashid Khalidi Editora Todavia Tradução Rogerio W. Galindo

13 de maio de 2023

Israel, 75, se parece pouco com o das promessas de seus fundadores

País tem guinado com força e velocidade para o autoritarismo; é fútil descolar política interna das questões palestinas

Diogo Bercito

Folha de S.Paulo

Israel chega aos 75 anos com as feridas abertas, eviscerando suas contradições. Impressiona –e desalenta– que três quartos de século de vida não foram o suficiente para solucionar os impasses que estão na base de seu Estado desde o início, em 1948.

Um exemplo eloquente dessas incongruências é o fato de que ainda existem duas maneiras de enxergar o aniversário do país. Há inclusive duas datas para falar desse mesmo evento.

O governo israelense, que segue o calendário judaico, celebrou seus 75 anos em 25 de abril na festa conhecida em hebraico como Yom HaAtzmaut, ou "o dia da independência". Foi ocasião para festejar a tão sonhada autodeterminação do seu povo judeu.

Policiais de Israel bloqueiam manifestação em Jerusalém - Avishag Shaar-Yashuv - 27.mar.23/The New York Times

Já os palestinos esperam até o 15 de maio para observar o que chamam em árabe de Nakba, ou "a catástrofe". É o dia seguinte à criação de Israel, segundo o calendário gregoriano, que não coincide com o judaico na cronologia. É quando eles se recordam da expulsão e da fuga de mais de 700 mil palestinos, além da destruição de seus vilarejos e da desarticulação de sua história.

Em diversos momentos destes últimos 75 anos, houve alguma esperança de que essas narrativas díspares pudessem se reconciliar. Os Acordos de Oslo, de 1993, foram um deles.

Um dos principais obstáculos à paz é a decisão do que fazer com os refugiados palestinos, que somam 5,9 milhões de pessoas, segundo a ONU. Há ainda o fato de que Israel ocupa o território da Cisjordânia desde a guerra de 1967 e ergue ali suas colônias, consideradas ilegais pela comunidade internacional.

Nada disso foi resolvido nessas décadas, e há poucos motivos para acreditar que o próximo quarto de século vai trazer soluções. Pelo contrário —ao que parece, a situação pode piorar.

O cenário interno, afinal, é bastante delicado também. Israel tem guinado com força e velocidade para o autoritarismo. O país se parece pouco com as promessas feitas por seus fundadores.

O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu vem se desdobrando para reformar o Judiciário, enfraquecendo-o. Isso justo no país que tanto se gaba de ser a dita única democracia do Oriente Médio, em oposição aos seus vizinhos árabes, mais autoritários.

Protestos de dimensões históricas por ora conseguiram forçar o recorrente premiê —que governou o país diversas vezes desde os anos 1990— a recuar. As rachaduras, porém, seguem visíveis na sociedade e no seu sistema político, que demonstram cansaço.

Muito se tem falado sobre esses movimentos internos em Israel. Da reforma do Judiciário, dos grandes protestos. Mas é fútil —para não dizer equivocado— tratar da política interna israelense como se ela estivesse descolada das questões palestinas.

Netanyahu, afinal, construiu sua base eleitoral em cima do temor aos árabes. Palestinos fizeram uma série de atentados terroristas contra alvos civis israelenses nas últimas décadas como parte de seu movimento por um Estado próprio. Netanyahu se vende como a única maneira de manter o país em segurança.

O premiê, ademais, escora-se em setores da população israelense que não existiriam tal e qual se não fosse pelas disputas com os palestinos. É o caso dos que defendem a expansão dos assentamentos e mesmo anexação da Cisjordânia. A disputa com os palestinos molda as forças internas israelenses.

Para reverter essas tendências, os israelenses precisam mesmo revirar seu país. Mas o fato de que as manifestações se concentram na questão do Judiciário tem frustrado os palestinos.

Um de seus argumentos é que eles gostariam de ter visto protestos tão hiperbólicos, por exemplo, quando Israel bombardeou a faixa de Gaza. Foram diversas vezes nos últimos anos e, inclusive, nos últimos dias —a ver se a trégua acordada com o Jihad Islâmico será respeitada pelos dois lados.

Talvez seja exaustivo para alguns que todo ano, a cada celebração de aniversário de Israel, a conversa seja sobre palestinos. Talvez o tom mude no futuro —distante ou improvável— em que todas essas contradições já tenham sido solucionadas.

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