24 de junho de 2023

Crise inédita provocará mudanças no balanço de forças de Putin

Motim de grupo mercenário Wagner abre caminho para campanha de vingança

Igor Gielow

Folha de S.Paulo

Inautido desde 1993, o emprego de força federal para asseverar a autoridade do Kremlin é um golpe duro para a imagem de Vladimir Putin. Mas é muito cedo para saber se haverá erosão significativa no poder real do presidente russo, no comando da Rússia desde 9 de agosto de 1999.

A revolta do grupo mercenário Wagner é, antes de tudo, o resultado da leniência de Putin com a escalada retórica do falastrão Ievguêni Prigojin. Figura algo folclórica, o líder agora rebelde sempre se posicionou como porta-voz dos descontentes com os rumos da Guerra da Ucrânia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante uma reunião com membros do governo por videoconferência, no Kremlin - Gavriil Grigorov - 21.jun.23/Sputnik via AFP

Ele não era, contudo, um defensor do endurecimento puro e simples do conflito. Em seu manifesto golpista desta sexta (23), ele basicamente se colocou contra o casus belli da guerra —o risco de a Ucrânia entrar na Otan, o clube militar liderado pelos EUA.

No fundo, suas queixas insinuavam uma busca por maior protagonismo político. Ex-presidiário e empresário do ramo de alimentação, Prigojin cresceu sob o beneplácito de Putin, a quem tenta poupar em sua ofensiva. Só que não vai colar. Incitar uma revolta armada seria grave em qualquer situação, mas é especialmente explosivo enquanto a Ucrânia pressiona pontos da frente de batalha de 1.000 km no seu território ocupado no leste e no sul do país.

A reação rápida da instância mais temida da Rússia, o serviço de segurança FSB, deu a senha: Prigojin vai ter de encarar a prisão, ou coisa pior. Sedição dá ao menos 20 anos de cadeia na Rússia, isso sem considerar agravantes.

Naturalmente, é uma situação fluida. Putin sempre estimulou as brigas entre seus escalões inferiores, emulando a forma imperial clássica de gestão de governo de seu país. Agora, terá de intervir diretamente na crise.

O curioso é que, recentemente, observadores da cena russa apontavam um aumento da insatisfação de Putin com Serguei Choigu, o ministro da Defesa visto por radicais e pacifistas como inepto na condução da guerra.

Na semana retrasada, contudo, Putin apoiou o movimento da Defesa de enquadramento do Wagner e de outras forças irregulares, sob a desculpa de que era uma forma de garantir benefícios previdenciários aos soldados —no caso do grupo de Prigojin, muitos condenados retirados da prisão em troca do serviço militar.

Chama a atenção, assim, a posição de um antigo aliado que se afastou de Prigojin, o ditador da república russa muçulmana da Tchetchênia, Ramzan Kadirov. Ele também é crítico de Choigu e muito influente junto a Putin, mas aceitou imediatamente a proposta de submeter seus voluntários à Defesa.

Kadirov emerge como ator importante na crise ora em curso. As próximas horas e dias serão vitais para entender para onde a crise vai, se a uma acomodação ou a um agravamento, mas uma coisa é certa: o terremoto provocará mudanças na composição de forças sob Putin.Em Kiev, certamente há torcida para um degringolamento geral, mas isso não é do interesse da Casa Branca, por exemplo. Nenhum país sério gostaria de ver uma insurreição armada em uma potência nuclear rival.

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