15 de fevereiro de 2023

Como explodir um gasoduto

Uma entrevista com Seymour Hersh.

Alexander Zevin

Sidecar


No final dos anos 1960, Seymour Hersh se estabeleceu como um dos mais corajosos jornalistas investigativos da América, expondo os programas secretos de armas químicas e biológicas dos EUA e descobrindo o massacre de civis em Mỹ Lai. Ele passou a trabalhar para o New Yorker e o New York Times, divulgando histórias sobre as operações de espionagem doméstica da CIA, o escândalo Watergate e a tortura de prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib. Seu livro de 1991, The Samson Option, detalhou os métodos secretos pelos quais Israel adquiriu seu arsenal nuclear. Na última década, ensaios para a London Review of Books examinaram o envolvimento dos EUA no Oriente Médio: desafiando o relato oficial da morte de Bin Laden e destacando fraturas dentro do estado de segurança americano durante a guerra na Síria.

O último artigo de Hersh, "How America Took Out The Nord Stream Pipeline", foi publicado no Substack na semana passada. Citando uma fonte com conhecimento direto da operação, afirma que mergulhadores da Marinha dos EUA – agindo sob ordens do governo Biden – usaram explosivos acionados remotamente para destruir o gasoduto de gás natural que vai da Rússia à Alemanha. Se isso for verdade, o ataque – direcionado à infraestrutura energética crucial de um aliado – constituiria uma grande violação da soberania, se não um ato de guerra absoluto. Isso também significaria que o governo dos EUA é culpado por uma grande catástrofe ambiental: a liberação de 300.000 toneladas de metano na atmosfera – talvez o maior vazamento da história.

A Casa Branca inicialmente descreveu a explosão do Nord Stream como um "ato de sabotagem", com a secretária de Energia, Jennifer Granholm, sugerindo que Putin era o responsável. Sua reivindicação foi repetida por um coro de líderes europeus, intensificando a demanda por mais escalada na Ucrânia. No entanto, no final de 2022, as autoridades ocidentais admitiram que não havia evidências de que a Rússia tivesse detonado seu próprio gasoduto, nem havia qualquer motivo plausível para isso.

Desde o surgimento da história de Hersh, o Kremlin apelou para uma investigação internacional sobre o ataque, enquanto Washington rejeitou sua narrativa como "totalmente falsa e completa ficção". No início desta semana, Hersh conversou com o editor da New Left Review, Alexander Zevin, sobre a possível justificativa para a operação Nord Stream, o conflito dentro do governo Biden sobre a guerra na Ucrânia e o estado atual do cenário da mídia americana.

Alexander Zevin: Sua história mais recente descreve a suposta operação dos EUA para explodir os gasodutos Nord Stream em setembro passado. Na linha final da peça, você cita sua fonte dizendo que a única falha no plano de Biden foi "a decisão de executa-lo". Você pode falar um pouco sobre por que acha que essa decisão foi tomada? O risco de detecção não superaria os benefícios potenciais?

Seymour Hersh: A cronologia aqui é bem simples. Antes da invasão russa, Jake Sullivan convocou um grupo interagências com todas as pessoas de sempre: NSA, CIA, Departamento de Estado, Justiça, pessoal do Tesouro, Joint Chiefs. E minha percepção é que eles queriam apresentar opções para impedir Putin e a Rússia. Então, essa equipe foi criada e eles se perguntaram: queremos seguir um curso de ação reversível ou irreversível? As sanções são reversíveis, enquanto as operações cinéticas – ataques à infraestrutura e similares – não são.

Em 26 de janeiro de 2022, a subsecretária de Estado Victoria Nuland disse em uma coletiva de imprensa que, de uma forma ou de outra, o Nord Stream 2 "não avançará" se a Rússia invadir a Ucrânia. O que sugere que, a essa altura, o governo estava usando o gasoduto como uma ameaça para fazer Putin pensar duas vezes. Putin está, naturalmente, a angariar uma quantidade incrível de dinheiro da empresa-mãe Nord Stream AG, 51% dos quais são propriedade dos seus aliados na Gazprom, com os restantes 49% partilhados entre quatro empresas europeias diferentes que controlam as vendas a jusante do gás. Então, há uma razão clara para atingir o gasoduto.

Os EUA então vão para os noruegueses, que acabam tendo um papel muito importante em descobrir como executar o plano. Para plantar os explosivos, eles precisavam enviar mergulhadores da Marinha a 260 pés, com uma mistura complicada de hélio, nitrogênio e oxigênio, e trazê-los de volta rapidamente. Esta é uma manobra difícil, especialmente quando eles estão liberando o que provavelmente é a maior carga de C4 já lançada no oceano: quero dizer, grande o suficiente para praticamente derrubar um prédio no centro da cidade. E eles tiveram que fazer tudo isso em duas horas, tomando cuidado para não serem detectados.

A Marinha encontrou tempo para realizar a operação durante um exercício da OTAN no Báltico realizado em um momento próximo, e eles iriam fazê-lo no início de junho, mas em vez disso foram dispensados. A equipe é dispensada, os marinheiros são dispensados e são informados de que o presidente quer a capacidade de fazer isso à vontade. Nesse ponto, tenho a sensação de que havia muita tensão dentro do grupo interagências – uma sensação de, do que se trata? Por que destruir um gasoduto que está basicamente fechado de qualquer maneira, depois de todas as sanções? Bem, acho que o governo Biden rejeitou essas preocupações por alguns motivos. Em setembro, embora a imprensa americana não estivesse dizendo isso, todo mundo que eu conhecia dedentro, e conheço algumas pessoas de dentro sobre essas coisas, estava dizendo que a guerra seria um desastre. Claro, os russos subestimaram a força da resistência ucraniana e suas forças foram repelidas, mas a imprensa exagerou muito a extensão de suas perdas. As perspectivas de longo prazo para a Ucrânia sempre foram sombrias – em parte porque ainda é um país extremamente corrupto, onde a ajuda ocidental é frequentemente mal utilizada. Portanto, acho que Biden tinha um interesse tático em destruir o gasoduto, porque isso impediria a Alemanha de mudar de ideia quando as coisas ficassem difíceis e retirar seu apoio à Ucrânia. Se houvesse um período de frio em novembro ou dezembro, isso poderia interromper a contra-ofensiva ucraniana e pressionar a Alemanha a baixar os preços do gás abrindo a linha. Portanto, esse pode ter sido um dos medos mais imediatos do governo.

Mas também há uma longa história de hostilidade americana em relação a esse gasoduto, que remonta a Bush e Cheney, que o viam como uma arma estratégica que a Rússia poderia usar para impedir que a Alemanha e a Europa Ocidental apoiassem a OTAN. O pensamento de Biden estava muito de acordo com isso. Agora, não sei se ele quer uma guerra com a Rússia. Não sei se ele quer uma guerra com a China. Eu não sei o que ele quer. Mas é assustador pra caramba, porque talvez nem ele saiba.

Alexander Zevin: Como você enquadra as declarações ou ameaças abertas sobre o Nord Stream – feitas por Biden, Nuland e Blinken – com a aparente necessidade de sigilo máximo?

Seymour Hersh: Seria um contraste impressionante se esses funcionários americanos tivessem um QI ligeiramente mais alto. Mas você sabe, Nuland não é umA cientista de foguetes. Ela tende a deixar escapar as coisas - como apenas algumas semanas atrás na audiência do Senado, onde ela comentou com o senador favorito de todos do Texas que o governo estava satisfeito porque o Nord Stream 2 agora era "um pedaço de metal no fundo do mar". E Biden, claro, também faz isso. Em 7 de fevereiro de 2022, ele se encontrou com Olaf Scholz na Casa Branca e, na coletiva de imprensa posterior, disse: "Se a Rússia invadir... não haverá mais um Nord Stream 2. Vamos acabar com ele". Se eu estivesse no Bundestag alemão, gostaria de fazer uma audiência pública e perguntar ao governo Scholz o que eles sabiam sobre o plano americano, já que essas observações foram feitas em janeiro e fevereiro.

Alexander Zevin: Em muitas de suas histórias, uma das razões pelas quais as fontes estão dispostas a falar é que existem conflitos e disputas dentro do aparato estatal. Foi o que aconteceu em algumas de suas reportagens sobre a Síria em 2014, quando líderes militares entraram em conflito com a Casa Branca por causa de suas "linhas vermelhas" e da petinência de bombardear o país, dados os riscos que isso acarretava de estabelecer um confronto direto com os russos. Qual é a sua percepção das potenciais fontes internas de conflito sobre a operação Nord Stream – ou a política de escalada militar na Ucrânia em geral?

Seymour Hersh: Não deve ter havido muita felicidade em destruí-lo no final de setembro. Quero dizer, qual é o objetivo político? Foi estratégico para as negociações ou apenas para manter a Alemanha e a Europa Ocidental escravizadas pela América? Em algum momento, por razões econômicas, Scholz pode muito bem ter dito: estou fora do jogo – a Ucrânia pode ter mais alguns tanques alemães, mas estou abrindo o gás porque preciso manter meu povo aquecido e manter os negócios funcionando. Mas ao acabar com o Nord Stream, Biden tirou essa opção da mesa. E nesse ponto, se você fosse uma pessoa racional trabalhando dentro do estado dos EUA, você diria para si mesmo, esse cara fez uma escolha que vai realmente prejudicá-lo a longo prazo. Esse tipo de ação pode tornar impossível para a América manter sua influência na Europa Ocidental. Porque com os preços da energia disparando e com pouco sendo feito para melhorar o declínio nos padrões de vida, você verá a extrema direita ganhando popularidade em vários países.

Os EUA ainda enviam gás natural liquefeito para seus aliados europeus, mas cobram três a quatro vezes mais por isso. Então, o presidente basicamente fez uma escolha, você sabe, entre cortar a ligação Alemanha-Rússia e perder apoio político para a América e alguns dos estados que mais valorizamos. Isso daria a qualquer pessoa racional na comunidade de inteligência uma pausa para pensar. Mas, obviamente, a história mostra que havia muita gente naquele mundo que acreditava que desenvolver a capacidade de destruir os gasodutos seria útil para enviar uma mensagem a Putin. Certamente ele sabia que os EUA estavam discutindo essas opções e provavelmente sabia sobre o treinamento que estava acontecendo no Báltico. Não podemos ter certeza disso, mas é difícil fazer algo dessa escala no Mar Báltico sem ser notado. O que também torna improvável que a Suécia e a Dinamarca sejam completamente inocentes.

Alexander Zevin: Posso ter sua perspectiva de como o cenário da mídia mudou desde que você divulgou uma história como Mỹ Lai – ou mesmo desde os anos 2000, quando você escreveu vários artigos investigativos importantes sobre a Guerra ao Terror. Quer você tenha publicado com um serviço de notícias como o Mỹ Lai, ou no Times, New Yorker ou LRB, essas histórias tiveram impacto, aumentando a pressão sobre as autoridades para fazer mais do que emitir uma negação branda. Mas até agora tem havido um cordão sanitário em torno deste relatório do Nord Stream, pelo menos na grande imprensa. O que mudou?

Seymour Hersh: Em 2007, publiquei um artigo chamado "The Redirection", sobre como os EUA se aliaram aos sunitas contra os xiitas no Oriente Médio. Isso foi amplamente divulgado. Repórteres emboscaram o porta-voz da Casa Branca na coletiva de imprensa e perguntaram: "A história de Hersh é verdadeira? Você vai negar?" Anos depois, as pessoas ainda me escreviam sobre isso. Alguns dos meus artigos do New Yorker e do New York Times tiveram um alcance semelhante - embora, é claro, eu não tenha conseguido um jornal para publicar a história de Mỹ Lai, e é por isso que a trouxe para o Dispatch News Service.

Mas agora você está conversando com um cara que recentemente aprendeu de segunda mão sobre algo chamado Substack e decidiu publicar lá. Quero dizer, somos muito adaptáveis nesta indústria. Se os grandes querem se aproximar do estado, se a ideia deles de uma "fonte exclusiva" é um porta-voz presidencial que sussurra algo para eles depois de uma coletiva de imprensa, então eles podem continuar publicando em seus veículos e o verdadeiro jornalismo investigativo pode acontecer em outro lugar. Esses grandes veículos publicaram algumas das histórias mais idiotas que já vi nos últimos anos. Em 2021, havia uma sobre Putin oferecendo recompensas a militantes afegãos para matar soldados americanos durante a ocupação. E, mais recentemente, ouvimos dizer que ele toma esteróides, que tem lepra, que tem vários tipos de câncer. Você sabe, apenas coisas malucas.

Portanto, a única coisa que posso dizer sobre o que mudou é que, desta vez, não pensei em bater de frente com o sistema. Acabei de acessar esta nova plataforma e me disseram que a história já teve mais de um milhão de acessos: mais do que qualquer outra postagem - embora a única figura da mídia convencional que me ligou sobre isso até agora seja Tucker Carlson. A autopublicação é aterrorizante para mim, porque venho de um mundo muito diferente. Nos velhos tempos da New Yorker, a checagem de fatos era rigorosa, muito difícil, e isso foi uma grande lição para mim. Fui contratado pelo grande editor da New Yorker William Shawn cinco minutos depois de entrar em seus escritórios na rua e trabalhei lá por dois anos antes de finalmente sair para ir para o New York Times. Poucas pessoas teriam feito essa mudança no início dos anos 1970, já que trabalhar na New Yorker era considerado o melhor emprego do mundo. Mas no Times, houve um pequeno período de céu quando Nixon estava na pior, e eu tinha a liberdade de escrever histórias que eles iriam publicar. Mas quando Ford entrou, ele estava de volta à mesma merda de sempre, então eu tive que sair de lá.

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