8 de fevereiro de 2023

O Banco da Inglaterra tem apenas uma solução para o aumento da inflação - fazer os trabalhadores pagarem

A postura de Andrew Bailey sobre contenção salarial mostra como o governador está fora da realidade, diz Daniela Gabor, da UWE Bristol

Daniela Gabor

The Guardian

Andrew Bailey corre sempre o risco de fazer a escolha errada - quer seja sobre os aumentos das taxas de juro, da contenção salarial, da dívida pública ou do clima. Foto: Dan Kitwood/AFP/Getty Images

Tradução / O consenso [neoliberal] que tem prevalecido nos últimos 40 anos diz-nos que a política monetária deve ser despolitizada, para que os bancos centrais possam prosseguir independentemente o objetivo da estabilidade dos preços na economia, sem se preocuparem com políticos, finanças privadas ou empresas. Andrew Bailey, o governador do Banco de Inglaterra, pôs de lado essa impressão na semana passada quando sugeriu que os trabalhadores não deveriam exigir salários mais elevados a fim de conter as pressões inflacionistas que a economia britânica enfrentava em 2022.

“Não estou a dizer que ninguém tem direito a um aumento de salário “, disse ele. Mas “precisamos de ver moderação na negociação salarial, caso contrário, a inflação ficará fora de controlo”.

Quando os bancos centrais apelam aos trabalhadores para que voltem a suportar a dor, o seu papel como guardiães do status quo distributivo – a luta pela distribuição do rendimento nacional entre trabalho e capital – torna-se claro para que todos possam ver. É um apelo equivocado, rasgando o véu da neutralidade cuidadosamente tratada, e mostrando os interesses que o Banco realmente protege.

O raciocínio do Bailey é claro. Os anos 1970 deixaram os bancos centrais assustados com a perspectiva de espiral salários-preços, quando sindicatos poderosos obtiveram aumentos salariais para os trabalhadores que acompanharam os custos de vida mais elevados, e por sua vez as empresas transferiram esses custos laborais mais elevados para preços mais elevados, desencadeando novas exigências salariais.

Falta de mão-de-obra relacionada com o Covid, estrangulamentos nos fornecimentos globais e renovada apetência para a greve ameaçam reacender estes ciclos. Mas Bailey não explicou que as espirais salários-preços só ocorrem se as empresas despejarem aumentos salariais nos preços, em vez de simplesmente reduzirem os seus lucros. Não cabe ao capital, insinuou ele, moderar as expectativas de lucro para enfrentar a inflação. Em vez disso, os trabalhadores devem enfrentá-la (outra vez) em vez do capital.

No entanto, o Banco está consciente de quão má tem sido a década pós-2008 para os trabalhadores britânicos. Em 2017, o seu então economista principal, Andy Haldane, explicou que o “quebra-cabeças dos salários fracos” – crescimento salarial surpreendentemente fraco mesmo durante períodos de expansão dos mercados de trabalho – não se devia apenas a um crescimento lento da produtividade, ou a uma folga no mercado de trabalho, mas também do poder do capital para “dividir e conquistar” os trabalhadores. A diminuição da sindicalização corroeu o poder dos trabalhadores para negociar melhores salários e defender, quanto mais aumentar, a sua quota no rendimento nacional.

A posição clara do Banco levanta aqui questões-chave sobre o seu futuro.

Em primeiro lugar, será que estamos a ver os limites do arranjo institucional que encarregou os bancos centrais do controlo da inflação? Afinal de contas, externalizar o controlo da inflação para os trabalhadores cheira a impotência monetária. Se as taxas de juro aumentam, por muito dolorosas que sejam para os titulares de hipotecas, não podem proporcionar estabilidade de preços, talvez seja altura de outra abordagem, aprendendo com as experiências da era pós-guerra [II guerra mundial].

Embora estas [experiências] sejam tipicamente rejeitadas como foi o caso das políticas salariais fracassadas dos anos 1970, o Conselho Nacional de Preços e Rendimentos, criado por um governo Trabalhista em 1965 e desmantelado por um governo Conservador em 1970, oferece um melhor ponto de partida. Nas palavras do seu presidente, o deputado conservador Aubrey Jones, o NBPI procurou travar tanto os empregadores poderosos como os sindicatos.

Em mais de 160 relatórios sobre várias indústrias, públicas e privadas, perguntou-se se as empresas poderiam absorver salários mais elevados e outros custos baixando os lucros, particularmente se esses lucros surgissem do excessivo poder de mercado. E bastante presciente para a actual economia britânica, advertiu que permitir às empresas fazer passar os aumentos salariais para preços mais altos reduz os seus incentivos para procurarem ganhos de produtividade.

Embora o Conselho não tivesse poderes para impor as suas conclusões, defendeu claramente que os governos se envolvessem em controlos estratégicos de preços onde as empresas não pudessem justificar aumentos de preços. Hoje, provavelmente perguntar-se-ia se, em vez de aumentar as taxas de juro e eliminar os limites máximos existentes nos preços do gás, a resposta às pressões inflacionistas relacionadas com a energia deveria manter os limites máximos, introduzir um imposto sobre os lucros recorde dos produtores de gás e uma reforma estrutural, incluindo a propriedade pública, para alinhar o sector energético com as ambições de uma economia com baixo teor de carbono. O Banco, infelizmente, não está a fazer estas perguntas.

Em segundo lugar, podemos contar com o Banco para disciplinar o capital fóssil, como exigido pelo seu mandato ambiental de Março de 2021? Então, o Banco tinha criado expectativas de que seria pioneiro numa estratégia ambiciosa para tornar o financiamento privado mais ecológico, o primeiro entre os países de elevado rendimento. Pouco depois, delineou um plano inovador de “prova de conceito” para descarbonizar a sua carteira de obrigações de empresas, baixando primeiro a intensidade de carbono em 25% até 2025.

Embora o seu gradualismo tenha ficado aquém das expectativas, o plano suscitou debates construtivos sobre como reduzir os subsídios do Banco ao capital fóssil. Mas na sua luta sem rumo contra a inflação, o Banco atirou esse plano pela janela quando anunciou em Fevereiro que se livraria totalmente das suas participações em obrigações de empresas até ao final do próximo ano. Um pouco interessado demais, suspeitamos, para se eximir da tarefa de penalizar a finança suja, uma tarefa para a qual o seu governador parece ideologicamente inadequado.

Em terceiro lugar, o Banco de Inglaterra tem o poder de obstruir os governos que pretendam assumir uma maior responsabilidade pela estabilidade dos preços ou pela política climática. O seu quadro de objetivos para a inflação impõe que deve desencorajar as suas compras massivas de títulos do governo empreendidas para apoiar as medidas orçamentais Covid-19. Isto faria aumentar os custos dos empréstimos, tal como os governos são cada vez mais pressionados para proteger os cidadãos do aumento do custo de vida e apoiar a transição para baixo teor de carbono através de investimentos públicos.

Um banco central que se mostra notavelmente pouco disposto a disciplinar o capital tem à sua disposição instrumentos para disciplinar os governos, tudo em nome de um quadro político que, segundo ele próprio admite, é bastante ineficaz. Em vez disso, deveria desenvolver novos mecanismos de coordenação com as autoridades fiscais, tais como o Tesouro, para enfrentar o duplo desafio da inflação e do clima.

Se Alan Greenspan foi durante muito tempo venerado como o banqueiro central que sempre tomou a decisão certa, Andrew Bailey corre agora o risco de tomar sempre a decisão errada – sobre aumentos das taxas de juro, contenção salarial, dívida governamental ou clima. Mas estes tempos exigem uma liderança mais credível e abertura à mudança institucional. Caso contrário, para citar Ariana Grande, obrigado, passemos ao seguinte.

Daniela Gabor é professora de economia e macrofinanças na UWE Bristol

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