8 de junho de 2023

Marcha para Jesus tem menos política e menos Bolsonaro

Em anos anteriores, sobretudo os eleitorais, chovia político à direita no evento, agora o número está menor

Anna Virginia Balloussier

Folha de S.Paulo

"Bolsonaro, nós convidamos e ele veio", disse o apóstolo Estevam Hernandes em 2022, feliz que um presidente se dignou a aparecer na Marcha para Jesus. Jair Bolsonaro (PL) era reincidente por ali: em 2019, tornou-se o primeiro inquilino do Palácio do Planalto a passar pelo mais graúdo evento do calendário evangélico nacional.

Bolsonaro, já sem cargo oficial, desta vez não foi. Nem ele nem muitos dos aliados conservadores que lhe serviram de papagaios de pirata eleitoral no ano passado, como os deputados Ricardo Salles e Carla Zambelli, ambos do PL-SP. A mesma turma que acusava a esquerda, não sem alguma razão, de não dar bola para o segmento religioso que mais cresce no Brasil.

Fiel ergue as mãos diante do palco onde ocorrem shows e discursos da Marcha para Jesus, realizada nesta quinta-feira (8), em São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

Agora que a eleição acabou, Bolsonaro ainda não deu as caras nas tantas igrejas que visitou quando havia votos evangélicos em jogo.

Em anos anteriores, sobretudo os eleitorais, chovia político à direita na Marcha para Jesus. Não que as autoridades sumiram como um todo. Mas o calibre está menor, com mais vereadores e deputados estaduais, em geral ligados ao segmento.

Os três deputados federais que oraram com o casal Estevam e Sonia Hernandes eram todos evangélicos: Gilberto Nascimento (PSC-SP) e Cezinha de Madureira (PSD-SP) no tronco conservador, e Benedita da Silva (PT-RJ) como representante da esquerda.

O prefeito Ricardo Nunes (MDB), na Europa, mandou o filho Ricardinho Nunes para representá-lo. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), católico, garantiu sua vez no microfone. Mostrou que se segura no dialeto local, usando versículos bíblicos e expressões típicas nos templos crentes, como o chamado para superar tribulações.

Era a maior autoridade presente ao lado dos ministros Jorge Messias, advogado-geral da União, e André Mendonça, o pastor presbiteriano que chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) como indicação "terrivelmente evangélica" de Bolsonaro.

Benedita e Messias foram enviados por Lula (PT), que fez um gesto inédito de aproximação: enviou uma carta para justificar sua ausência no que definiu como "extraordinária expressão de fé" do povo, o que não se deu ao trabalho de fazer nos oito anos de seus primeiros mandatos.

A dupla faz parte de um minguado quadro evangélico próximo a Lula. O advogado-geral, diácono da igreja batista, é um dos 3 crentes entre 37 ministros de Lula, acompanhado de Marina Silva (Meio Ambiente) e Daniela Carneiro (Turismo).

Messias ganhou aplausos quando citou um versículo (João 3:16) e recordou dos tempos de escola dominical. As vaias vieram ao dizer que falava em nome do presidente. Talvez por reconhecer que o terreno poderia ser hostil ao PT, usou o título hierárquico, sem nomear Lula especificamente —o que não o poupou das demonstrações públicas de desdém.

Não foi uma vaia estrondosa, é verdade. Mas bastou para deixar claro que as fissuras entre o campo progressista e as igrejas evangélicas ainda não cicatrizaram.

Mais cedo, no backstage, Estevam até apostou que, se resolvesse pintar por lá, o petista seria recebido "com muito carinho", porque o crente sabe que a Bíblia manda orar pelas autoridades constituídas. A reação ao presidente revela, contudo, que pode ser cedo demais para Lula ensaiar uma aparição no evento. O risco para o capital político é patente: virar o político alvejado na Marcha para Jesus pela rejeição da massa evangélica.

Resta à esquerda "insistir", e desta vez com o "coração aberto", para construir um novo tempo nessa relação, como postulou Messias à Folha, após sua fala.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Repúblicanos), ao lado do apóstolo Estevam Hernandes, criador da Marcha para Jesus - Eduardo Knapp/Folhapress

Na plateia, que é a base religiosa propriamente dita, via-se menos símbolos do bolsonarismo do que em edições passadas. Camisas com o rosto do ex-presidente, fartas na caminhada do ano passado, ninguém sabe, ninguém viu. Bandeiras e camisas do Brasil, que acabaram associadas a Bolsonaro, apareceram, mas em menor proporção.

"Já deu de política, bora falar de Jesus", disse a esteticista Jandira Nunes, 35, que segurava uma flâmula verde-amarela perto do palco, mas sem qualquer conotação eleitoral, segundo ela.

Resumiu, de certa forma, certa fadiga entre fiéis com a voltagem ideológica que eletrizou as igrejas em 2022. Uma batalha fatricida que levou irmãos de fé a se engalfinharem por discordâncias políticas. Ônus maior para a minoria à esquerda, que chegou a ser expulsa de templos.

Se a peleja política se retraiu, ao menos em sua manifestação mais direta, a ideia de que há uma guerra espiritual entre o bem e o mal continua em marcha.

Estevam deu mostras disso ao recuperar uma questão que Billy Graham, um dos maiores televangelistas dos EUA, teria lhe proposto certa vez: "O Brasil vai ser o maior país evangélico do mundo ou o maior país macumbeiro do mundo?".

A alergia, em várias igrejas, a religiões de matriz africana, que muitas vezes incentiva a intolerância religiosa e resvala em violência física, é um sinal de que o inimigo precisa estar em algum lugar para dar sentido a essa narrativa evangélica.

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