Igor Gielow
Folha de S.Paulo
Rei morto, rei posto? Como tudo que se refere à ascensão e queda de Jair Bolsonaro (PL), previsões muito assertivas são sujeitas a escrutínio prévio inevitável. Isso dito, sua derrota apertada para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gera duas certezas imediatas.
Bolsonaro na seção eleitoral em que votou, na Vila Militar do Rio, neste domingo (30) - Eduardo Anizelli/Folhapress |
Primeiro, que serão dias, semanas ou talvez meses em que o golpismo decantado pelo presidente ao longo de seus quase quatro anos no cargo ganhará primazia no noticiário. Bolsonaro sempre teve como ídolo Donald Trump, sem esconder.
O ex-presidente americano, como se sabe, escreveu um roteiro pronto de sedição quando levou seus apoiadores a investir contra o Capitólio de Washington, em 6 de janeiro do ano passado, após um mês e meio de contestação da vitória de Joe Biden.
Como Bolsonaro nem disfarçou que iria na mesma linha, está certo que haverá confusão daqui para a frente. A primeira reação do presidente, de se recolher, não dá garantias de que o roteiro será diferente.
Mas como as chances institucionais de o país cair em alguma entropia devido a isso são baixas, em algum momento haverá um presidente resignado ou em surto —e aí estamos falando de território não coberto até aqui.
Fora do poder, Trump conseguiu manter o trumpismo bem vivo nos EUA. Não se sabe, contudo, se ele pessoalmente estará na disputa de 2024, como sua base defende. Mas é irrelevante: como força política, o ex-presidente segue em plena forma.
Como no Brasil, os EUA foram cindidos entre os apoiadores do republicano e de Biden, que enfrenta dura eleição congressual de meio de mandato agora em novembro. A evolução da rejeição inaudita da Bolsonaro, associada ao antipetismo que o ajudou a levar à Presidência em 2018, criou uma campanha eleitoral baseada na rejeição dos rivais.
Esse trato da antipolitica se mostrou forte neste ano, mas não como há quatro anos. Lá atrás, houve uma amálgama entre a rejeição ao PT e à política por ele encarnada devido ao tempo de serviço no Planalto com demandas que fervilhavam na sociedade desde o junho de 2013, passando pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.
Assim, como a vigorosa votação da derrota de Bolsonaro mostra, esse é um eleitorado que não voltará a outras freguesias. O bolsonarismo se consolidou como opção popular de direita num país dividido, apesar de sua ficha corrida de má governança e todas as bizarrices ideológicas resumidas nas ações armadas de aliados nesta semana que passou.
Com o líder em modo Trump, resta pensar o futuro. Bolsonaro pode, tendo 67 anos, seguir em campanha constante até 2026. Mas agora ele gerou herdeiros potenciais, na forma de dois governadores.
Em São Paulo, houve a ascensão fulminante de Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao governo. Matou o restante do tucanato paulista e agora está em condições de herdar o conservadorismo paulista. É candidato a liderança nacional de saída.
Vitória de Gilberto Kassab (PSD), que bancou a candidatura apadrinhada por um desafeto, Bolsonaro. Ficou com o melhor de dois mundos: voto bolsonarista em São Paulo para um proverbial forasteiro e grande influência.
Caberá saber qual Tarcísio adentrará o Palácio dos Bandeirantes. Tudo indica que, com Bolsonaro abatido, ele aderne para o PSD, talvez com uma filiação. Ocorrendo, será o grande distanciamento a marcar a disputa pelo espólio do presidente derrotado.
O outro líder a emergir nesse contexto se chama Romeu Zema (Novo), o governador reeleito de Minas Gerais. A seguir o padrão de seu primeiro governo, a separação do bolsonarismo mais raiz parece certa. É um candidato natural a tentar a Presidência em 2026.
Não se fala aqui de Cláudio Castro (PL), do Rio, porque a chance de projeção nacional do governador reeleito é próxima de zero, como ocorreu com seus antecessores. Ele tenderá a ser um porto para a máquina federal que será expulsa de Brasília com a saída de Bolsonaro, dadas as relações do clã presidencial com as minúcias do estado de onde saiu.
Ao fim, a derrota de Jair Messias Bolsonaro não altera o fato de que as forças sociais liberadas por ele em 2018 fazem parte do cenário político nacional. A composição do Congresso, que certamente comporá com Lula ao fim, mostra que há um caminho grande à frente desse campo. Quem herdará seu controle é algo ainda a ver.
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