Igor Gielow
Folha de S.Paulo
O radar de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) captou e registrou as sinalizações recentes dos militares acerca das eleições deste ano. O atual favorito para vencê-las, contudo, não pretende por ora aproximar-se dos fardados.
O ex-presidente tem dito a aliados que a relação com os fardados será balizada na experiência pretérita: seus oito anos de governo (2003-10) são chamados de "tempo das vacas gordas" mesmo por oficiais-generais que não podem ouvir falar do petista.
Lula e Jobim (com gravata vermelha) com os então comandantes Enzo Peri (Exército), Juniti Saito (FAB) e Júlio Moura Neto (Marinha) na entrega de helicóptero de origem francesa Lula e Jobim (com gravata vermelha) com os então comandantes Enzo Peri (Exército), Juniti Saito (FAB) e Júlio Moura Neto (Marinha) na entrega de helicóptero de origem francesa
A Folha ouviu a avaliação de pessoas do grupo mais próximo do ex-presidente.
Após três anos em que Jair Bolsonaro usou seu passado militar para buscar uma associação máxima das Forças Armadas com o governo, com resultados institucionalmente temerários, há uma apreensão no mundo político acerca de como os fardados reagiriam a uma eventual eleição de Lula.
As respostas têm sido dadas pelos próprios militares em sinalizações difusas nas últimas semanas. O Exército estabeleceu um protocolo para punir a divulgação de fake news sobre pandemia, especialidade do presidente e de seus seguidores.
A mesma Força mandou adiantar todos seus 67 exercícios militares até antes da eleição para poder ter tropas à disposição no caso de haver alguma confusão maior, durante o pleito ou depois —é o fantasma presente do Capitólio americano, atacado por apoiadores de Donald Trump para tentar evitar a ratificação da vitória de Joe Biden em 6 de janeiro de 2021.
Já a Marinha teve um almirante, o chefe da Agência Nacional de Vigilância Sanitária Antonio Barra Torres, a desafiar publicamente o presidente.
Por fim, nesta semana o comandante da Força Aérea, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, disse em entrevista à Folha que os militares prestarão continência a Lula ou a qualquer outro vencedor do pleito, além de rejeitar sua fama de ser o mais bolsonarista dos chefes de Força.
A fala de Baptista Junior precisa ser colocada à parte, mas os petistas a leram como um aceno. Nenhum desses movimentos, contudo, significa adesão ou apoio a Lula. Ao contrário, como um recente almoço em Brasília com influentes militares da reserva prova, o petista segue sendo muito malvisto nas Forças.
Há uma associação imediata no meio entre a corrupção revelada pela Operação Lava Jato e a figura do petista. Tal avaliação, de resto já esmiuçada no livro-depoimento do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, foi um dos motores do apoio da classe a Bolsonaro.
Há diferenças de gradação, claro. Uma coisa é o militar votar em Bolsonaro, outra é haver o processo de militarização de cargos-chave do governo promovido pelo presidente. Isso gerou danos internos no serviço ativo, simbolizados na crise que derrubou toda a cúpula militar em março passado.
A agudização da crise institucional que desaguou nos atos golpistas liderados por Bolsonaro no 7 de Setembro expôs ainda mais os fardados. Não são poucos os observadores da cena política, à esquerda principalmente, que temem o risco de algum tipo de intervenção armada em favor do presidente.
As cúpulas das Forças rejeitam tal leitura, daí os sinais recentes em favor de maior independência.
No ano passado, houve algumas sondagens por parte de petistas com trânsito entre militares para tentar estabelecer um diálogo de Lula com as Forças, mas foi infrutífero.
Agora, Lula considera que não há motivos para tentar forçar uma aproximação: se seu favoritismo se consolidar, a conversa institucional será inevitável.
Aliados do petista ainda não digeriram, contudo, o episódio em que Villas Bôas pressionou o Supremo Tribunal Federal com um tuíte em 2018, visando que a corte não concedesse um habeas corpus que poderia ter livrado Lula dos 580 dias de cadeia que pegou.
Há também muito ruído em relação à Comissão Nacional da Verdade, que avaliou crimes da ditadura de 1964. Os fardados consideram a condução dos trabalhos farsesca, por não integrar atos da luta armada. Ela ocorreu no governo de Dilma Rousseff (PT), que chegou ao poder pelas mãos de Lula.
Já o próprio ex-presidente prefere ser anedótico ao falar dos militares, dizendo que eles começaram seu governo sem ter o que comer em quartéis e saíram com submarinos.
Descontando o exagero, de fato os anos Lula foram relativamente generosos com a caserna.
Em 2003, usando dados corrigidos do IISS (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres), o gasto militar brasileiro estava na casa de US$ 45 por habitante. Oito anos depois, eram US$ 175 —a maior parte, contudo, gasta com pensionistas e aposentados.
A partir da entrada de Nelson Jobim no Ministério da Defesa em 2007, foi estruturado um arcabouço institucional para a indústria de defesa e alguns marcos centrais do setor, como a Estratégia Nacional de Defesa.
E veio a era dos grandes projetos militares, com o acordo Brasil-França que trouxe helicópteros e novos submarinos à frente.
Em público, Lula mantém o distanciamento. Disse no ano passado que só falaria com militares se eleito, em tom crítico, mas neste ano já acenou ao diferenciar os fardados da ala oriunda das Forças no governo, a quem descartou como representativa do estamento como um todo.
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