Bruno Boghossian
Folha de S.Paulo
Em 2018, os brasileiros foram às urnas em busca de ruptura e elegeram Jair Bolsonaro (PL) com 57 milhões de votos. Quatro anos depois, praticamente o mesmo contingente de eleitores tentou dar um segundo mandato ao presidente. Mas outra coalizão, mais numerosa, levou o país a um rumo diferente.
A vitória de Lula (PT) é resultado da soma de forças que marcaram a disputa: a decisão de devolver ao poder um dos nomes mais populares do país e a punição ao primeiro líder incapaz de alcançar a reeleição.
Apoiadores do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, celebram no Rio de Janeiro a vitória do petista - Pilar Olivares/Reuters |
Nenhuma delas foi absoluta. Lula teve de amortecer um antipetismo que fincou raízes no ambiente eleitoral brasileiro e foi potencializado pela campanha rival. Bolsonaro mostrou vigor e explorou a máquina pública de maneira inédita para aglutinar um eleitorado que fez vista grossa a um governo desastroso.
Lula não venceu apenas pela rejeição a Bolsonaro. A memória de gestões passadas, uma plataforma focada na população de baixa renda e uma caminhada decidida em direção ao centro permitiram que ele concluísse uma trajetória que, em menos de três anos, levou-o da prisão para o Palácio do Planalto.
Já a votação de Bolsonaro permite que ele preserve uma força política que não pode ser ignorada. Milhões observaram seu desempenho, avaliaram seus planos para o futuro e quiseram que ele fosse adiante.
Mas a conta final representa um recado implacável num cenário político que costuma ser generoso com candidatos à reeleição. A experiência do país com a economia, a conduta do governo na pandemia e o pendor autoritário do presidente estabeleceram resistências insuperáveis em parte do eleitorado.
O conflito institucional fomentado pelo presidente assumiu protagonismo na formação de uma coalizão para derrotá-lo. Uma mensagem nítida na derrota foi a intenção de frear esse processo de degradação.
Para implantar sua plataforma num quadro de menor controle institucional, Bolsonaro atuou desde o primeiro dia de mandato para remover as amarras impostas pela lei e por outros órgãos da República.
Depois de uma fase inaugural marcada por embates, ele domou o Congresso e formou uma maioria parlamentar abastecida por repasses de dinheiro público. Aposentou, assim, a fantasia antissistema que o mantinha afastado de mesas de negociação com grandes partidos políticos.
Em seguida, investiu no desgaste do Judiciário. Nos últimos meses de campanha, não escondia que buscava um segundo mandato para enquadrar ministros do STF que ele enxergava como obstáculos.
Os eleitores puniram Bolsonaro pelas escolhas que ele mesmo fez. Na pandemia, priorizou o próprio cargo ao mandar os brasileiros às ruas sem vacina e com a falsa proteção da cloroquina. Confessou o que o afligia em março de 2020: "Se a economia afundar, acaba o governo. Há disputa de poder nisso daí".
A decisão de minimizar os riscos da Covid, as declarações em que fazia pouco caso das mortes e o atraso na compra de imunizantes se tornaram um peso para o eleitor ao decidir se ele merecia mais quatro anos.
Manobras adotadas pelo governo na economia ajudaram Bolsonaro a criar uma sensação artificial de bem-estar que o manteve no jogo, mas não foram suficientes para suavizar o julgamento das urnas.
O comportamento errático em relação à inflação e às políticas sociais tornaram pouco convincentes as medidas anunciadas às vésperas da eleição. Bolsonaro deixou em segundo plano uma agenda relacionada à melhora da vida da população e apostou na mesma plataforma divisiva com a qual venceu em 2018. Muitas das decisões do presidente foram tomadas com o objetivo de fidelizar seu eleitorado, proteger seu grupo político de investigações e reforçar as linhas de seu discurso.
Nos últimos meses, refez promessas de ampliar o acesso a armas de fogo –com referências pouco sutis a um embate com seus rivais políticos. Em busca de sobrevivência, intensificou a instrumentalização de valores religiosos e tentou posicionar no centro do palco uma campanha baseada no pânico conservador.
Bolsonaro deve insistir nesse processo como linha mestra de sua doutrina política, aliada ao possível (ou quase certo) questionamento do resultado da votação. A partir de 1º de janeiro de 2023, no entanto, esse trabalho deverá ser feito nos palanques da oposição.
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