31 de outubro de 2023

Os filmes da franquia "A Hora do pesadelo" são fascinantes, imperfeitos e eternamente reassistíveis

Os filmes A Hora do Pesadelo, de Wes Craven, estão entre os filmes de terror mais icônicos. Eles dizem mais do que você imagina sobre as décadas em que foram feitos, começando com as ansiedades culturais da era Reagan.

Ben Burgis


Cartaz de lançamento de 1985 de A Hora do Pesadelo 2 - A Vingança de Freddy. (Universal History Archive / UIG via Getty images)

Em 2003, eu estava voltando do cinema com meu irmão mais novo, e fui parado por excesso de velocidade. O policial perguntou de onde vínhamos e então o que tínhamos visto. Quando eu disse que estávamos voltando de Freddy vs. Jason, seu comportamento mudou. O multa que ele estava prestes a me dar foi esquecida. Ele me perguntou “quem venceu”, e passamos vários minutos conversando sobre isso antes dele nos deixar ir.

Os fãs esperavam há muito tempo o confronto crossover entre o assassino que assombra os sonhos no centro dos filmes A Nightmare on Elm Street, conhecido no Brasil como A Hora do Pesadelo, e a estrela de máscara de hóquei dos filmes Sexta-Feira 13 até 2003. Foi um evento.

Também foi, inequivocamente, um filme do Freddy que apresentava Jason, em vez do contrário. Até certo ponto, isso é apenas um produto natural da combinação da força silenciosa e implacável por trás da máscara de hóquei e do tagarela Freddy Krueger. Jason é assustador por causa da ausência de personalidade; Freddy é personalidade.

Mas a decisão dos cineastas de atender mais ao fandom de Freddy também diz algo sobre a força do culto aos filmes da franquia. São filmes muitas vezes tolos, até absurdos, mas eles têm uma maneira de se infiltrar na alma dos espectadores e deixar uma marca que os diferencia de filmes slasher comuns.

De muitas maneiras, são filmes completamente apolíticos – falando de ansiedades tão universais que não podem ser atadas a eventos atuais. Mas eles abrangem três décadas da história americana e conseguem transmitir muito sobre a sociedade que gerou esses pesadelos.

"Cada cidade tem uma Elm Street"

O primeiro filme da franquia, A Nightmare on Elm Street de 1984, é um dos melhores filmes de terror já feitos. Como grande parte do que o cineasta Wes Craven produziu, é bem construído, atmosférico e genuinamente onírico.

Ele também consegue ser tanto um representante icônico do gênero slasher quanto algo completamente diferente. Um filme slasher típico apresenta um assassino de máscara perseguindo adolescentes pela floresta (como Sexta-Feira 13 de 1980) ou um subúrbio (como Halloween de 1978) até que alguém o mate e a “última garota” para possa parar de correr.

O termo final boy ou final girl geralmente se refere à última personagem sobrevivente, seja ela feminina ou masculina, que enfrenta o antagonista no final de um filme de terror, muitas vezes superando o vilão e sobrevivendo aos eventos da obra.

Mas Freddy morreu muito antes do primeiro filme começar e persiste apenas dentro dos sonhos de suas vítimas. A ação em vigília é supostamente ambientada em Springwood, Ohio – uma cidade aparentemente localizada em uma região do estado que se parece exatamente com o sul da Califórnia. (Talvez não importe onde está ambientado. Como Freddy diz em uma das muitas sequências, “Cada cidade tem uma Elm Street!”) Um grupo de adolescentes está tendo pesadelos. Eles então percebem que o mesmo personagem aparece em todos eles — o que, é claro, é impossível. A garota final, Nancy, aos poucos percebe que quando Freddy mata seus amigos em seus sonhos, eles realmente morrem. (Isso você entenderia de um trailer – mas este é um bom momento para dizer que, se você está preocupado com “spoilers” para uma série de filmes lançados entre 1984 e 2010, eles abundam neste artigo!)

Um dos medos básicos em ação neste primeiro A Nightmare on Elm Street é sobre adultos que não entendem seus filhos o suficiente para protegê-los. Os pais de Nancy e os outros adultos em sua vida estão sempre tentando fazê-la dormir, convencidos de que isso a fará se sentir melhor. Tome um banho; tome alguns comprimidos para dormir; tente descansar um pouco. Nancy sabe melhor. Ela mantém uma panela secreta de café em seu armário.

No primeiro filme, Freddy não fala muito. Em sua maioria, ele se esconde e exibe um sorriso muito sinistro, e você ouve o arrastar de suas garras contra a fornalha na sala de caldeiras do mundo dos sonhos, onde ele passa a maior parte do seu tempo. Quando ele fala, existem algumas insinuações do personagem que ele se tornará. (“Agora sou seu namorado, Nancy!”)

Até o filme de 1991, Freddy's Dead: The Final Nightmare, ele se tornou algo como um Pernalonga demoníaco, armando armadilhas e fazendo piadas, com pouco restante em seu repertório que seja verdadeiramente assustador. Mas um fio condutor consistente ao longo dos seis filmes de 1984 a 1991, e um que empresta algum medo genuíno até aos filmes mais absurdos da franquia, é o simples fato de que ninguém pode ficar acordado para sempre. Nancy e seus sucessores todos têm que confrontar Krueger mais cedo ou mais tarde.

Demônios dos sonhos e rendimentos decrescentes

A Wikipédia não existia em 1985. Mas o filme desse ano, A Nightmare on Elm Street 2: Freddy’s Revenge, é sobre o que você poderia criar se folheasse a entrada da Wikipédia para o primeiro filme, se entediasse na metade e tentasse construir algo baseado no que se lembra.

Como um filme, é terrível em praticamente todos os níveis. É memorável apenas pelo que diz sobre as ansiedades coletivas de uma era muito homofóbica.

O final boy Jesse — significativamente, o único homem nesse papel em toda a franquia — é possuído por Freddy, e isso permite que Freddy mate no mundo real. O filme está repleto de insinuações nada sutis para uma analogia entre o que Jesse está passando e ser gay, e por essa razão desenvolveu um considerável culto gay, mesmo que a forma como a metáfora é tratada no final do filme pareça bastante homofóbica. Jesse é essencialmente salvo da possessão de Freddy pelo amor de sua namorada.

Dois anos depois, a franquia estava de volta com o que é de longe o melhor dos cinco sequências originais: A Nightmare on Elm Street 3: Dream Warriors, de 1987. Craven, que, por outro lado, não estava envolvido nessas sequências, escreveu um rascunho do roteiro, e você pode sentir sua influência. Se nada mais, é o único dos seis filmes além do original que realmente tem muito a ver com sonhos.

A ação segue um grupo de adolescentes em uma instituição mental, todos confinados lá por causa da mesma ilusão sobre um homem com facas nas mãos e queimaduras por todo o corpo os assombrando em seus sonhos. Nancy volta para ajudar o grupo a descobrir poderes que eles não sabiam que tinham e se unir para derrotar Freddy.

O filme apresenta uma música clássica da banda de glam metal Dokken — ela está passando pela minha cabeça enquanto digito este parágrafo — e muitas pessoas acabaram gostando de Dream Warriors mais do que do original. É difícil argumentar a favor disso em qualquer nível cinematográfico, mas suspeito que a preferência possa dizer algo mais básico sobre o otimismo desta era da cultura americana — como pessoas que preferiram O Exterminador do Futuro 2 ao original, aqueles que amam Dream Warriors podem simplesmente estar respondendo a um tom mais leve e à catarse de uma vitória mais clara para os mocinhos.

Os filmes abrangem três décadas da história americana e conseguem transmitir muito sobre a sociedade que gerou esses pesadelos. Claro, esta é uma franquia de terror, então essa vitória mais clara ainda não dura muito. A maioria dos personagens de Dream Warriors é morta durante as primeiras seções de A Nightmare on Elm Street 4: The Dream Master, de 1988. O enredo é confuso na melhor das hipóteses, mas contém algumas das sequências mais memoráveis da franquia, incluindo uma cena em que Freddy serve à final girl Alice uma pizza coberta com salsichas que são as almas de suas vítimas.

No ano seguinte, A Nightmare on Elm Street 5: The Dream Child foi notável principalmente por aumentar as imagens católicas. Uma freira fantasmagórica que fez uma breve aparição em Dream Warriors está de volta de forma significativa, e um dos personagens principais é literalmente um feto.

O último dos seis filmes originais, Freddy’s Dead: The Final Nightmare, é notável principalmente por levar a imagética ao extremo. Há uma nova história de fundo sobre Freddy recebendo seus poderes de um grupo anteriormente não mencionado de três demônios dos sonhos, e alguns toques realmente legais, como ter Springwood vazia de crianças pelo longo reinado de terror de Freddy e habitada apenas por um grupo de adultos enlouquecidos pela experiência. Mas, no geral, os vapores estão praticamente esgotados.

As múltiplas ressurreições de Freddy Krueger

O personagem em si é supostamente derrotado no final de cada um desses seis filmes — mas quase todos eles terminam com um último susto para insinuar que ele ainda está por aí, e claro, ele sempre volta entregando piadas e rasgando carne jovem com suas facas de dedo no início do próximo filme. A franquia em si, pelas próximas duas décadas, seria igualmente difícil de matar. Para promover Freddy’s Dead, houve um “funeral” da vida real para Freddy no Hollywood Forever Cemetery. Foram dadas garantias de que ele não seria revivido. Naturalmente, três anos depois, houve outro filme.

Desta vez, Wes Craven finalmente estava de volta à cadeira de diretor — e ele até fez parte do título do filme. Em Wes Craven’s New Nightmare de 1994, ele e a atriz Heather Langenkamp (Nancy) interpretam a si mesmos. Robert Englund (Freddy) também, embora ele também interprete Freddy, que emerge no mundo real para ameaçar Heather e sua família. Ele consegue recapturar muito da atmosfera do filme original e antecipar o metahorror posterior como Scream e The Cabin in the Woods, e de muitas maneiras é o melhor das sequências.

Uma das várias inspirações que deram a Craven a ideia para o primeiro filme foi uma série de artigos que ele leu sobre refugiados atormentados por pesadelos do Sudeste Asiático. Freddy vs. Jason (2003) é um filme muito mais simples — divertido e trash e relativamente direto. Desta vez, os adolescentes estão sendo perseguidos em seus sonhos e em um subúrbio e na floresta. Jason supostamente “vence”, e o final do filme mostra Jason emergindo da água segurando a cabeça decepada de Freddy — e a cabeça piscando para o público na dica usual de que ele ainda não terminou.

Por último e definitivamente não menos importante é o remake de 2010, A Nightmare on Elm Street. Todos os adolescentes nesta versão parecem ter cerca de trinta anos, Freddy é interpretado por um novo ator que falha espetacularmente em acertar, e a descrição mais caridosa do enredo é “confusa”.

Nos últimos treze anos, a franquia esteve em limbo. Mas ninguém realmente acredita que Freddy permanecerá dormente para sempre.

Wes Craven lê sobre pesadelos do mundo real

Os materiais dos quais esses filmes são construídos são elementares. Sempre há pelo menos uma insinuação de sexo junto com toda a morte — afinal, são filmes de terror — e, com exceção de New Nightmare, os filmes sempre estrelam jovens adultos começando a navegar um mundo onde seus pais não podem protegê-los.

Os temas não poderiam ser mais universais do que isso. E, claro, todos sonham.

Mas desde os valores da era Reagan dos segundo e terceiro filmes até o metacommentário dos anos 1990 de New Nightmare, a franquia exibe lampejos dos momentos culturais específicos em que cada um dos filmes foi criado. E é impossível falar sobre a gênese da franquia como um todo sem falar sobre horrores que são muito reais — e muito familiares agora enquanto entramos nos últimos meses de 2023 com guerras ocorrendo de Ucrânia à Palestina.

Uma das várias inspirações que se juntaram para dar a Craven a ideia do primeiro filme foi uma série de artigos que ele leu sobre refugiados atormentados por pesadelos do Sudeste Asiático — uma região onde o terror da guerra dos Estados Unidos no Vietnã, Laos e Camboja e o subsequente genocídio de Pol Pot criaram muitos refugiados. O pai de uma vítima era médico e deu-lhe pílulas para dormir. O filho fingia tomá-las enquanto se mantinha acordado obstinadamente.

Segundo Craven: “Eles tinham vindo dos campos de guerra do Sudeste Asiático, então a família apenas assumiu que ele havia sido traumatizado. ... [Mas ele disse] ‘Não, não, é diferente, tem algo me perseguindo em meu sonho.’”

Quando o jovem finalmente adormeceu, Craven recordou, seus pais o carregaram para o andar de cima e o deitaram em sua cama. Aliviados, foram dormir também — e então o filho começou a gritar. Ele morreu de causas não claras durante o sono. Mais tarde, em seu armário, eles encontraram uma cafeteira.

Colaboradores

Ben Burgis é professor de filosofia e autor de Give Them An Argument: Logic for the Left. Ele faz um quadro semanal chamado "The Debunk", no The Michael Brooks Show.

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