Em 38 Londres Street, Sands investiga a colaboração de um criminoso de guerra nazista com o sistema de repressão, tortura e assassinato da ditadura chilena.
Ariel Dorfman
Resenha:
38 Londres Street: On Impunity, Pinochet in England, and a Nazi in Patagonia
por Philippe Sands
Knopf, 453 pp., US$ 35,00
No início da tarde de 24 de março de 1999, minha esposa, Angélica, e eu estávamos sentados no alto da galeria com vista para a Câmara dos Lordes, em Londres, onde um painel de juízes (o equivalente inglês à Suprema Corte) decidiria se havia motivos para extraditar o General Augusto Pinochet, ex-ditador chileno de 83 anos, para a Espanha para enfrentar acusações de tortura, pelas quais ele teria sido acusado durante seus dezessete anos de terror, de 1973 a 1990. Eu vinha acompanhando o caso obsessivamente e comentando sobre ele com a mesma obsessão em artigos de opinião e aparições na televisão e no rádio, então tive a sorte de visitar Londres naquela semana e mais sorte ainda de ser convidado, graças ao meu ativismo, para ver seu destino decidido.
Desde o momento em que Pinochet, que convalescia na Clínica de Londres após uma cirurgia nas costas, foi preso às 23h do dia 16 de outubro de 1998, o caso ganhou repercussão global. Havia duas questões inovadoras que um possível julgamento levantava e para as quais não havia precedentes. A primeira era uma questão de jurisdição: nações estrangeiras poderiam julgar um ex-chefe de Estado por crimes contra a humanidade cometidos não nessas nações, mas na sua própria? Tal julgamento não deveria ser realizado no país onde os crimes foram perpetrados? A segunda questão era: o status de Pinochet como ex-chefe de Estado lhe garantia imunidade de processo em qualquer lugar do mundo, especialmente neste caso porque ele estava em Londres em missão diplomática para discutir um acordo de armas? E se fosse constatado que ele não possuía essa imunidade, isso significava que déspotas ao redor do mundo poderiam, doravante, ser indiciados pelo judiciário de qualquer país que visitassem?
A decisão dos juízes naquela tarde foi contundente e mordaz. Apenas um dos sete se pronunciou a favor da imunidade absoluta. Os outros seis determinaram que a Espanha e a Grã-Bretanha tinham o direito de julgar Pinochet por tortura e conspiração para tortura e que, dada a natureza desses crimes, ele não tinha imunidade. Ele poderia, de fato, ser extraditado para a Espanha.
Esta não foi apenas uma vitória para muitas das vítimas de Pinochet: aqueles executados após seu golpe contra o presidente Salvador Allende em 1973, aqueles atormentados, desaparecidos, exilados e perseguidos. Foi também uma vitória para a humanidade, como gritei, um tanto dramaticamente, aos jornalistas quando emergi no ar brilhante do outono de Westminster. Daquele momento em diante, onde e quando pessoas fossem torturadas e mortas como parte de uma política governamental sistemática e generalizada, tais violações poderiam ser julgadas e punidas em qualquer lugar do mundo. Este foi talvez o desenvolvimento mais significativo no direito internacional e nos direitos humanos desde os julgamentos de Nuremberg.
O fato de o precedente ter sido gloriosamente estabelecido não significava, contudo, que Pinochet acabaria em um processo na Espanha. Muitas forças estavam em ação para poupá-lo daquela humilhação e mandá-lo para casa, e após mais um ano de disputas legais e pressões de todos os tipos, o Ministro do Interior britânico anulou a decisão dos Lordes da Lei e o libertou por motivos médicos.
Enquanto observava da galeria, não conseguia tirar os olhos dos espectadores que ocupavam a primeira fila do andar principal: os litigantes, testemunhas, intérpretes, diplomatas e vítimas, além de apoiadores do general. Eram pessoas que sabiam, cada uma à sua maneira e de forma fragmentada, o que havia acontecido nos bastidores durante os meses de detenção de Pinochet.
Entre eles, descobri recentemente, estava um jovem advogado, Philippe Sands, que havia se envolvido no caso como consultor da Human Rights Watch, uma das autoras. Ninguém poderia prever que, 26 anos depois, Sands, agora consolidado como um eminente advogado de direitos humanos, publicaria 38 Londres Street: On Impunity, Pinochet in England, and a Nazi in Patagonia, um livro notável que revela como nunca antes a história da detenção do ex-ditador em Londres — uma crônica que logo se ramifica em um turbilhão de outras histórias e eventos.
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Como seria de se esperar, muitas páginas empáticas são dedicadas aos dissidentes cujas vidas foram destruídas pela perseguição inexorável de Pinochet, bem como à busca por justiça dos familiares devastados dos mortos, muitos deles desaparecidos: homens e mulheres sequestrados, torturados e executados, e depois desaparecidos e ainda insepultos. Com tantas vozes quase esquecidas, clamando por suas histórias, um autor deve inevitavelmente escolher em quem se concentrar, e Sands foi hábil em suas seleções, oferecendo consideração especial a duas das vítimas.
Uma delas é Carmelo Soria, funcionário da ONU com dupla nacionalidade, espanhola e chilena, e opositor ativo do regime de Pinochet, sequestrado em julho de 1976. Seu corpo foi encontrado em um canal de Santiago e sua morte foi feita para parecer um acidente de carro, embora logo tenha ficado claro que ele havia sido torturado e executado. Ao longo das décadas, os tribunais chilenos não se mostraram dispostos a investigar o caso, o que levou sua viúva, Laura, a buscar justiça na Espanha, o que se tornou o catalisador para o longo caminho até a emissão de um mandado de prisão contra Pinochet em Londres. Mas desvendar o que aconteceu com Soria também permite que Sands revele a rede de repressão no Chile: a casa onde ele foi torturado e morto
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era de propriedade de Michael Townley, um expatriado americano que trabalhava para a DINA, a polícia secreta chilena, responsável pelo assassinato na Argentina, em setembro de 1974, de Carlos Prats, um general leal a Allende, e sua esposa, Sofía, e, em setembro de 1976, de Orlando Letelier, ex-ministro do Interior, Relações Exteriores e Defesa de Allende. (Naquela casa, o bioquímico Eugenio Berríos desenvolvia gás sarin para envenenar os adversários do regime.) Um motivo adicional para a proeminência de Soria no livro é que Sands descobre, por acaso, que Soria é primo de sua sogra espanhola (ele adora coincidências), então tem um interesse pessoal em descobrir o que aconteceu com ele.
A outra vítima que Sands destaca é Alfonso Chanfreau, um estudante que foi preso em julho de 1974, torturado e levado em uma van refrigerada para nunca mais ser visto. Essas atrocidades (testemunhadas por vários outros detidos, incluindo sua esposa, Erika Hennings, que passou as décadas seguintes buscando informações sobre seu destino final) ocorreram em um centro de tortura localizado na Rua Londres, 38, em um bairro boêmio de Santiago, dando a Sands seu título — irônico, já que foi em Londres que o principal instigador desses crimes foi julgado.
Mas os nomes sobrepostos de dois lugares ligados pelo horror e pela justiça são secundários à razão mais profunda para focar no que aconteceu naquele edifício terrível. O que torna a Rua Londres, 38 tão importante (havia uma miríade de outros locais de tortura e extermínio no Chile que causaram muito mais mortes) é que ela leva Sands a investigar se um criminoso de guerra nazista participou do sistema de repressão da ditadura chilena. É a busca incessante por esse passado oculto e repulsivo que confere à Rua Londres, 38, sua originalidade surpreendente, transformando-a em uma obra-prima que estende seu alcance muito além do que normalmente imaginamos em um livro sobre direitos humanos.
Esse assassino em massa é Walther Rauff.
Muitos funcionários nazistas envolvidos no extermínio das vítimas do Terceiro Reich conseguiram escapar da justiça imediata após a guerra emigrando para a América Latina. Os mais notórios foram Adolf Eichmann, na Argentina, e Klaus Barbie, na Bolívia (ambos foram presos e, por fim, levados a julgamento), mas o caso de Walther Rauff é único. Sands explica que Rauff, um coronel da SS, havia supervisionado
a política de usar vans para gasear judeus e outros até a morte, e depois matar centenas de milhares em toda a Europa, para fazê-los desaparecer. Acusado por esses atos de assassinatos em massa, Herr Rauff evitou a captura e foi... para a Patagônia, no sul do Chile, gerente de uma fábrica de conservas de caranguejo-real.
Rauff morava lá com seu próprio nome e deve ter se sentido intocável (ele estava espionando para a inteligência da Alemanha Ocidental). Alertado de sua existência, um tribunal em Hanover solicitou ao Chile sua extradição. As evidências eram contundentes: ele havia projetado e implementado com eficiência a produção de centenas de vans nas quais prisioneiros eram mortos com monóxido de carbono — um meio de execução que o chefe da SS, Heinrich Himmler, havia exigido como forma de poupar os recrutas alemães do trauma de atirar neles cara a cara.
A polícia chilena prendeu Rauff às 23h da noite de 3 de dezembro de 1962 (exatamente a hora em que seu amigo Augusto Pinochet foi acordado por policiais ingleses na Clínica de Londres, 36 anos depois).
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Mas sua extradição foi recusada pela Suprema Corte chilena, que alegou prescrição. O autor das vans da morte tinha o direito de permanecer no Chile.
Esse teria sido o fim da história, não fosse o golpe de Pinochet contra Allende em 1973, que abriu as portas, segundo se sussurrava, para que o nazista impenitente atuasse como conselheiro da polícia secreta da ditadura e até mesmo se tornasse interrogador. Mas será que isso era verdade? Havia muitos rumores, mas poucas evidências concretas, nenhuma documentação, nenhuma prova cabal.
E aqui o livro de Sands assume o ritmo de um thriller, enquanto ele tenta encontrar provas irrefutáveis do envolvimento de Rauff no regime de terror do Chile. O que torna essa busca tão envolvente — dezenas de pistas e testemunhas oculares são examinadas, rastros são seguidos até que se esgotem ou apontem para outra pista em potencial, arquivos e fotos são vasculhados — é que Sands, sempre o advogado, não aceita relatos de irregularidades de Rauff sem examinar minuciosamente sua veracidade; ele é sempre escrupulosamente justo com um homem por quem nutre o maior desprezo. Ele quer prender Rauff, mas não o acusará de crimes que não cometeu.
Ainda mais contundente é o que Sands descobre. Rauff interrogou prisioneiros indefesos, investigando quando estavam mentindo, decidindo nas sombras quando aplicar mais corrente elétrica em seus genitais. Ele também estava envolvido na Colônia Dignidade, uma comunidade religiosa alemã que serviu como campo de tortura e extermínio para a polícia secreta chilena.
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É provável, embora não definitivo, que ele tenha ajudado a projetar e construir o campo de concentração na Ilha Dawson, na Patagônia, onde ex-ministros e funcionários de Allende foram mantidos em condições subumanas por meses após o golpe.
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Mas tudo isso empalidece em comparação com a importante contribuição de Rauff: ele ajudou a fabricar e a implantar no Chile vans semelhantes às que havia concebido na Alemanha para realizar o genocídio.
Rauff já havia sido, como gerente da pesca em Punta Arenas, responsável por inovações nas vans refrigeradas usadas para transportar latas de caranguejo-real. Elas eram um meio ideal, após o golpe, para transportar dissidentes chilenos do número 38 da Rua Londres, com escalas ocasionais em Colonia Dignidad, para uma instalação na costa chilena, onde seus corpos eram lançados ao mar amarrados a pedaços de trilhos de trem ou — em uma alternativa repugnante que evidências consideráveis sugerem — moídos para virar farinha de peixe.
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Quando li na "Nota ao Leitor" inicial de Sands que as vidas de Pinochet e Rauff "estavam profundamente interligadas" e que ele nos levaria "em uma jornada para descobrir suas conexões e suas consequências", me perguntei como ele conseguiria isso. Ele conseguiu brilhantemente. Ao situar Rauff no centro de tortura da Rua Londres, 38, onde o quase morto Alfonso Chanfreau — uma das 98 vítimas incluídas na lista que o juiz espanhol Baltasar Garzón enviou a Londres como parte de seu mandado original de prisão contra Pinochet — foi jogado em uma van refrigerada que o transportaria para a morte, Sands consegue vincular esses dois violadores de direitos humanos, o ditador chileno e o agente da Gestapo, em uma arrepiante acusação de cumplicidade e continuidade entre o nazismo e os piores excessos de uma ditadura latino-americana, um eco cruel da repressão passada que ressoa quase trinta anos após a morte de Hitler.
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Uma obra tão magistral é o resultado de dez anos de pesquisa e dezenas de entrevistas em diversos países (Inglaterra, Espanha, Chile, Alemanha e EUA), mas suas raízes remontam aos três livros anteriores de Sands, nos quais ele aprimorou as técnicas que lhe são tão úteis em Rua Londres, 38. Ele segue a estratégia narrativa estabelecida em Rua Londres, 38 (2016), continuada em The Ratline (2020) e novamente exibida em The Lost Colony (2022).
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: um constante vaivém no tempo e no espaço que entrelaça diferentes vertentes do passado, tanto pessoais quanto coletivas, com cada investigação sustentada por esboços marcantes dos envolvidos e os fios habilmente moldados em uma tapeçaria, de modo que cada evento e investigação se relacionem com todos os outros. Isso alcança um grau de sutileza hipnotizante em Rua Londres, 38, ao provar que "tudo está conectado".
Tal método não é arbitrário ou caprichoso, um mero floreio estilístico, mas está intrínseco à maneira como Sands vê as "impregnações" da história e como ele deseja que seus leitores as vivenciem: não como algo fixo, mas como algo mutável de acordo com os mistérios e associações que ele desvenda. Em Rua Leste-Oeste, por exemplo, ele toma Lemberg (antigamente na Polônia, hoje Lviv, na atual Ucrânia) como um ponto de apoio para contar a história da Segunda Guerra Mundial de quatro homens distintos unidos por aquela cidade, mesmo que nenhum deles jamais tenha se conhecido. Não contente em focar apenas na figura repulsiva, porém estranhamente sedutora, de Hans Frank, condenado à morte em Nuremberg por seus crimes como chefe do Governo Geral nas terras polonesas ocupadas pelos alemães, que incluíam Lemberg, ele traça as origens intrincadas dos conceitos de "genocídio" e "crimes contra a humanidade" através das vidas de Raphael Lemkin e Hersch Lauterpacht, os dois moradores de Lemberg que os criaram, independentemente um do outro e frequentemente em franca rivalidade. A isso, Sands acrescenta um livro de memórias pessoal, desvendando os segredos por trás da sobrevivência de seu avô, Leon Buchholz, nascido em Lemberg, o que lhe permite desvendar a fascinante história de como sua mãe, Ruth, aos três anos de idade, conseguiu sobreviver ao Holocausto. Mas o restante da família (dezenas deles) foi exterminado, embora Sands dê ênfase especial à avó de Ruth, Malke, assassinada em Treblinka, demonstrando assim como o genocídio e os crimes contra a humanidade afetam seres humanos reais, seus corpos e sonhos frustrados.
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É nessa recuperação de um passado obscuro a partir de um labirinto de traumas e ofuscações que Rua Londres, 38, se mostra especialmente engenhoso. Uma exploração tão completa e exaustiva do que ocorreu, tanto nos casos de Pinochet quanto de Rauff, só é possível graças à admirável facilidade de Sands em estabelecer relações cordiais com todos, grandes e pequenos, envolvidos nesta crônica, incluindo uma série de personagens desagradáveis: ex-torturadores e agentes que se tornaram testemunhas do Estado e, acima de tudo, aqueles que ajudaram Pinochet a escapar do acerto de contas que teria estabelecido um exemplo tão luminoso para o Chile e o mundo. Assim como Sands conseguiu, em "The Ratline", fazer amizade com o filho do criminoso de guerra Otto Wächter, que justificava o nazismo, e com outros que o ajudaram a evitar ser preso e julgado, em "38 Londres Street" ele se aproxima de pessoas revoltadas cuja presença física eu evitei assiduamente ao longo dos anos. E, no entanto, ao me forçar a coabitar, pelo menos na página, com aqueles que possibilitaram os crimes do general chileno e do Obersturmbannführer alemão, Sands me proporcionou a bizarra oportunidade de me reconectar com um apoiador de Pinochet do meu próprio passado íntimo e meditar novamente sobre a complexa e perversa relação entre vítimas e algozes.
Eu não poderia, é claro, ser um leitor neutro de um livro que despertava tantas memórias, algumas delas bastante dolorosas. Embora eu não fosse próximo nem de Chanfreau nem de Soria, conheci o primeiro brevemente na Universidade do Chile e o segundo quando ambos nos voluntariamos para trabalhar na Quimantú, a editora estatal que publicava milhões de livros baratos vendidos em bancas de jornal durante os anos Allende. Outras vítimas e testemunhas perfiladas ou entrevistadas por Sands eram amigos, camaradas e ex-alunos com quem trabalhei antes e depois do golpe — e, naturalmente, os parentes dos desaparecidos com quem criei um vínculo. Esses encontros eram de se esperar. O que eu não esperava era encontrar Miguel Schweitzer Walters assombrando tantas páginas do livro.
Schweitzer Walters era filho de Miguel Schweitzer Speisky, ministro da Justiça de Pinochet, que, em 1963, quando era professor de direito (e apesar de ser judeu), foi fundamental no desenvolvimento dos argumentos jurídicos contra a extradição de Rauff para a Alemanha. Sands escreve: "O filho de 22 anos do Professor Schweitzer Speisky, também chamado Miguel", disse mais tarde que, como estudante, "ajudou o pai a redigir o parecer que contribuiu para a liberdade de Rauff". Anos depois, Miguel Jr. negociou com os americanos no caso Letelier em nome de Pinochet e, em seguida, serviu como seu embaixador em Londres e ministro das Relações Exteriores, antes de resgatá-lo como um de seus advogados e conselheiros mais proeminentes quando ele enfrentou a extradição, como Rauff fizera anos antes.
Na noite da prisão de Pinochet, Miguel Jr., então advogado particular em Santiago, "aos 58 anos, queixo caído, sorridente, bem-vestido, um homem charmoso e inteligente, [e] um verdadeiro seguidor de Pinochet", recebeu um telefonema de Londres. Ele voou para a Inglaterra para ficar ao lado de seu ídolo durante a maior parte dos dezessete meses seguintes e conheceu o jovem Philippe Sands. Eles frequentemente sentavam-se lado a lado durante os procedimentos. (Eles estavam lado a lado naquela tarde de março de 1999, quando dei uma espiada na Câmara dos Lordes.) Foi um relacionamento que Sands renovou diligentemente anos depois, ao revelar detalhes de como a equipe jurídica de Pinochet e, acima de tudo, Miguel Jr., seu informante crucial, estavam reagindo à onda de eventos que colocou seu sinistro cliente à beira de ser julgado por suas atrocidades. Apesar de suas diferenças radicais, Schweitzer e Sands obviamente apreciavam a companhia um do outro.
Não fiquei surpreso que Sands gostasse de Miguel. Eu também sucumbi ao seu "charme e inteligência" quando era estudante na Escola Grange, em Santiago, em meados da década de 1950. Ele era dois anos mais velho que eu e se mostrara um defensor das crianças mais vulneráveis em uma instituição educacional onde intimidar e humilhar qualquer pessoa menor ou mais fraca era incentivado. Não posso dizer que o idolatrava, mas ele era inegavelmente um modelo a ser seguido. Se, naquela idade, me perguntassem que tipo de advogado ele se tornaria, eu teria previsto alguém como Sands — um defensor daqueles prejudicados por autoridades implacáveis e autoritários.
A presença persistente de Miguel no número 38 da Rua Londres era perturbadora. Durante a detenção de Pinochet, eu havia debatido com ele na televisão. Embora não estivéssemos no mesmo estúdio (ele estava em Londres e eu nos EUA), conseguimos conversar antes do nosso confronto, e não pude deixar de sentir uma onda relutante de amabilidade ao vê-lo novamente depois de todo esse tempo. Ele ainda era, em alguma zona insondável dentro de mim, o mesmo guardião carismático dos oprimidos e negligenciados, ao mesmo tempo em que era o protetor atual de um homem responsável pelo assassinato de tantos dos meus amigos e pela ressurreição de uma forma de fascismo. Embora eu mantivesse essas contradições sob controle durante nossa conversa muito civilizada na televisão, eu sempre tive consciência de que tal proximidade com um antigo amigo era perturbadora. Achei difícil reprimir a decepção que senti com a traição que ele fez ao menino que havia sido e ao homem que deveria ter se tornado.
Mas foi só muitos anos depois, quando li o livro de Sands, que percebi o que realmente me incomodava. Achei intolerável que, assim como o vasto número de civis que facilitaram tanta dor durante a ditadura de Pinochet, meu antigo herói Miguel não tivesse sofrido consequências, não tivesse pago preço algum por seu apoio a um assassino em massa. De fato, Sands não desperta nele o menor arrependimento por suas ações.
Os três livros anteriores de Sands conduzem o leitor — após uma jornada por uma paisagem sombria de crueldade — a finais com alguma sensação de encerramento e até mesmo de redenção. Em East West Street, os conceitos de genocídio e crimes contra a humanidade, laboriosamente estabelecidos por dois sobreviventes do Holocausto, tornam-se baluartes do direito internacional. Em The Ratline, a neta que estivera disposta a dar ao avô nazista o benefício da dúvida o declara um assassino em massa, deixando em aberto a esperança de que as novas gerações não se fechem diante das transgressões do passado. Em A Última Colônia, as famílias deportadas à força das Ilhas Chagos pelos britânicos com a conivência dos americanos conseguem, após cinco décadas de luta e litígio, um retorno emocionante ao seu lar ancestral.
O final de Rua Londres, 38, é mais ambíguo. Pinochet nunca é julgado e Rauff morre de causas naturais. (Em seu funeral, nazistas chilenos e alemães gritam "Heil Hitler!") No entanto, os dezessete meses de detenção de Pinochet em Londres (um para cada ano de seu governo desgovernado) impulsionaram a luta contra a impunidade, tanto internacionalmente quanto no Chile.
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E embora Rauff tenha escapado da punição e, por décadas, da verdade sobre seus crimes no Chile, ele agora surge neste livro impressionante como um monstro que usou seu conhecimento da repressão para colaborar friamente com mais um regime brutal.
Também ilesos estão os cúmplices civis daquele regime, como a figura afável e inefável de Miguel Schweitzer, cuja impunidade Sands destaca particularmente ao final de seu livro. Primordiais são as vans — tanto as usadas para exterminar judeus durante a Segunda Guerra Mundial quanto as usadas para se livrar dos desaparecidos no Chile ditatorial — que não surgiram do nada. Precisavam ser projetadas, testadas, fabricadas e, então, colocadas em operação. Para modernizar centenas delas e transformar seus escapamentos em máquinas de matar, Rauff adquiriu "peças de reposição da Gaubschat em Berlin-Neukölln". Sands comenta ironicamente que essa empresa foi adquirida em 1975 "pela Wartburgmobil, cujo lema é: 'Nós conectamos pessoas'".
No Chile, ele se concentra em Pesquera Arauco, uma pescaria em San Antonio tomada pela DINA de Pinochet após o golpe, cujas vans eram usadas para "transportar prisioneiros e cadáveres por todo o Chile, de e para San Antonio e outros lugares. Cadáveres em um sentido, peixes, mariscos e farinha de peixe no outro". É verdade que, após a prisão de Pinochet em Londres, "a barragem se rompeu, permitindo novas investigações", várias das quais se aprofundaram na má conduta de Pesquera Arauco, mas a maioria das evidências foi queimada e muitas testemunhas oculares cruciais ainda têm medo de falar, de modo que "cinquenta anos após o golpe", observa Sands, "nenhuma pessoa foi indiciada pelo uso das vans ou instalações de Arauco".
É uma conclusão séria para um livro excepcional, especialmente no mundo atual de aspirantes a ditadores, autoritarismo crescente, tentações fascistas ressurgentes, novos crimes de guerra e deportações em massa. Somos lembrados de que a impunidade dos poderosos é possibilitada pela cumplicidade de muitos e que tal cumplicidade depende da indiferença daqueles que assistem e não fazem nada para intervir, muito menos protestar. Para resumir, como Sands faz em seu epílogo: "E assim por diante".
Mesmo assim, uma lição do número 38 da Rua Londres permanece: a impunidade está longe de ser garantida para os transgressores. Sands pôde expor meticulosamente a segunda vida de Rauff como assassino em massa graças à disposição de diversas vítimas, testemunhas e magistrados em ajudá-lo em sua busca pela verdade. A prisão de Pinochet em Londres não foi um mero acaso ou acidente, mas sim o resultado de décadas de luta contra adversidades tremendas por inúmeras pessoas — entre elas a esposa de Carmelo, Laura, e a esposa de Alfonso, Erika — que juraram não esquecer, nunca se render. O exemplo deles nos dá esperança de que homens e mulheres comuns possam encontrar, nos momentos mais terríveis e perigosos de suas vidas, a coragem e a sabedoria para resistir à injustiça, para que os crimes de sua época — e, infelizmente, os nossos — não precisem se repetir indefinidamente amanhã.
Ariel Dorfman, Professor Emérito de Literatura da Duke, é autor da peça "A Morte e a Donzela" e do romance "O Museu do Suicídio". Seu romance "Allegro" foi publicado em inglês este ano. (Outubro de 2025)
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