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14 de setembro de 2021

A agenda do dinheiro produzirá crescimento para o Brasil?

Devemos buscar o equilíbrio entre Estado e mercado, como o próprio FMI preconiza

Luiz Fernando de Paula e José Luis Oreiro

Folha de S.Paulo


Sobre a entrevista com Edmar Bacha, publicada nesta Folha, no domingo (12), sob o titulo “Bolsonaro é risco à democracia, e Lula é risco à economia”, gostaríamos de tecer alguns comentários.

A agenda liberal preconizada por Bacha na entrevista sustenta-se em dois pilares. Primeiro, na ideia de que a simples redução nas alíquotas de importação aumentará a competitividade internacional das empresas brasileiras e levará a um aumento das exportações do país. Segundo, na chamada “fada da confiança”, isto é a suposição de que o compromisso com uma agenda de austeridade e de redução do tamanho do Estado na economia fará com que o setor privado tome as rédeas do crescimento. Trata-se de uma agenda simplista e de eficácia duvidosa.

Abertura comercial indiscriminada sozinha, sem articulação com uma política industrial e uma boa política macroeconômica, possivelmente terá efeitos deletérios sobre a indústria brasileira, não contribuindo para integrar como num passe de mágica o Brasil às cadeias globais de valor. Como assinala o ministro da Economia francês, Bruno de Maire, há de se fazer uma diferença entre protecionismo generalizado e proteção a determinados setores que se entende como importantes em termos de desenvolvimento tecnológico e/ou de manutenção de emprego.

Por outro lado, a crença dogmática no teto de gastos —uma jabuticaba que só existe no Brasil—criou uma regra anacrônica que impede o governo utilizar a política fiscal de forma contracíclica, um instrumento corriqueiro e fundamental que qualquer governo utiliza para suavizar o ciclo econômico. Não há evidências empíricas que deem sustentação à tese da contração fiscal expansionista, isto é, de que um ajuste fiscal pelo lado da redução nos gastos públicos aumenta a confiança dos agentes e estimula maiores gastos de investimento e consumo.

O experimento ortodoxo-liberal, implementado no Brasil desde 2016 com a aprovação de várias reformas liberais (trabalhista, teto de gastos etc.), tem se revelado um fracasso para dar suporte a um crescimento sustentado. Isto nos faz lembrar a chamada Lei da Contra Indução, elaborada por Mario Henrique Simonsen com toque de ironia: uma experiência fracassada várias vezes poderá quiçá dar certo depois de muita repetição.

De fato, a economia não tem se recuperado desde a recessão de 2015-16, mantendo-se semiestagnada e com elevadas taxas de desemprego (acima de 11% desde 2016). Com relação ao mercado de trabalho, a reforma trabalhista pouco contribuiu para estimular o emprego, mas tem ocasionado um aumento na precarização do trabalho no país (trabalho informal, terceirização, trabalho temporário, etc.).

Cabe destacar que a afirmação de Bacha de que “Lula é um risco à economia” não encontra aderência nas políticas adotadas em seus governos e nos resultados econômicos e sociais obtidos, tendo inclusive obtido “investment grade” em 2008. Isso não quer dizer que não houve problemas na condução da política econômica, mas não há evidência para sustentar que sua gestão foi irresponsável.

Na realidade, tal declaração tem por objetivo central fomentar um “terrorismo de mercado”, buscando forçar o comprometimento de qualquer candidato a presidente em 2022, e sobretudo de Lula, com a agenda ortodoxa-liberal. Importante dizer que a “agenda econômica do dinheiro” —a agenda ultra-liberalizante da Faria Lima vendida por Bacha e outros como modernizante— tem por objetivo rentabilizar seus negócios e de seus clientes. Como já ressaltado, é duvidoso achar que a mesma se constitua numa agenda de desenvolvimento para o país, que vise dar condições para um crescimento econômico sustentado combinado com equidade social.

Concluindo, o Brasil tem vários problemas econômico-sociais, e os desafios para enfrentá-los são enormes. Torna-se cada vez mais necessário deixarmos de lado dogmas preestabelecidos e obtermos consensos para uma agenda de desenvolvimento para o país, que busque o equilíbrio entre Estado e mercado, em linha com o que vem sendo visto em outras experiências internacionais e preconizado pelo próprio FMI. Do contrário, seguiremos na trajetória de regressão “falling-behind”.

Sobre os autores

Luiz Fernando de Paula é professor de economia do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Geep/Iesp-Uerj.

José Luis Oreiro é professor de economia da Face/UnB e coordenador do Structuralist Development Macroeconomics Group.

23 de outubro de 2016

O núcleo duro da divergência entre ortodoxos e heterodoxos na economia

José Luis Oreiro e Paulo Gala exploram as diferenças fundamentais entre as abordagens ortodoxa e heterodoxa na economia, destacando os pressupostos centrais que definem cada corrente e suas implicações para a análise econômica.

José Luis Oreiro
Paulo Gala


RESUMO Autores entram na longa polêmica sobre as diferenças entre economistas heterodoxos e ortodoxos. Eles discordam que a clivagem possa ser feita segundo o critério da adesão ou não ao método científico. O divisor de águas seria o "núcleo duro" (os pressupostos) de cada corrente, que não é testado empiricamente.

*

Numa série de artigos publicados recentemente na "Ilustríssima", temos observado um acalorado debate a respeito das diferenças entre a ortodoxia e a heterodoxia econômica no Brasil.

Para autores como Samuel Pessôa e Marcos Lisboa, a diferença entre essas correntes seria essencialmente o método de análise. Enquanto a ortodoxia se basearia em conjecturas precisas e "falseáveis", ou seja, sujeitas a rejeição por intermédio de testes empíricos, a heterodoxia se basearia em "grandes narrativas" apoiadas em "fatos estilizados" selecionados de forma casuística –ou ainda na leitura exegética dos grandes autores do passado, como Karl Marx ou John Maynard Keynes.

Já para autores como Luiz Fernando de Paula e Elias Jabbour, a ênfase dada pelos ortodoxos à importância decisiva dos testes empíricos seria apenas um artifício retórico, ou seja, uma estratégia de convencimento do grande público acerca da alegada superioridade científica da agenda ortodoxa. A história do pensamento econômico, não custa lembrar, está repleta de casos em que a evidência empírica foi insuficiente para resolver as controvérsias, como demonstrado em artigo de Pérsio Arida ("A História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica", 1996).

Nos parece que a resposta de Paula e Jabbour é uma chancela tácita ao argumento de que a diferença entre as abordagens ortodoxa e heterodoxa se refere ao método de análise. Isso porque, como ressaltado por Lisboa e Pessôa, "em momento algum os autores questionaram a nossa taxonomia, contrapondo exemplos de abordagens heterodoxas que, sistematicamente, testam [...] as suas conjecturas, utilizando a melhor metodologia disponível".

Mas será mesmo que a taxonomia usada por Lisboa e Pessôa está correta? A grande maioria dos economistas heterodoxos no Brasil e no mundo escreve artigos nos quais suas conjecturas teóricas também passam pelo crivo dos testes empíricos, inclusive os escribas que assinam este texto (seriamos nós ortodoxos?).

Basta uma rápida análise dos principais periódicos heterodoxos indexados no Brasil e no exterior para se constatar que grande parte da pesquisa heterodoxa segue exatamente o mesmo protocolo defendido por Lisboa e Pessôa, ou seja, o protocolo do método científico.

Etimologia
O termo ortodoxia tem sua origem no grego, em que orthos significa reto, e doxa, fé ou crença. Ortodoxo significa, portanto, aquele que segue fielmente um princípio, norma ou doutrina. Está claro que a origem etimológica do termo não é suficiente para estabelecermos a diferença entre "ortodoxia" e "heterodoxia" na economia, pois um economista marxista que seguisse fielmente os princípios de Marx também poderia ser chamado de "ortodoxo".

No Brasil, a expressão "economista ortodoxo" é usualmente entendida como "economista neoclássico", ou seja, aquele que compartilha o programa de pesquisa neoclássico, definido a partir de um núcleo duro de proposições formado por princípios como a racionalidade econômica, entendida como a maximização da satisfação ou lucro, e o equilíbrio dos mercados como norma ou "ponto de referência" para o funcionamento do sistema.

Deve-se destacar aqui que esses princípios básicos do programa de pesquisa neoclássico são tidos como axiomas, ou seja, fazem parte da "visão de mundo" dos economistas neoclássicos, sendo aceitos como verdades autoevidentes, não estando, em princípio, sujeitos a comprovação empírica.

Em outras palavras, o que está sujeito ao teste empírico são as conjecturas obtidas a partir de modelos teóricos (o assim chamado "cinturão protetor") que se baseiam nesses princípios.

O conceito de programa de pesquisa, de acordo com Lakatos ("The Methodology of Scientific Research Programmes", 1978), consiste num conjunto de regras metodológicas que definem os caminhos que devem ser evitados e os que devem ser trilhados.

Nesse contexto, o programa de pesquisa possui uma "heurística negativa", a qual define um conjunto de proposições (o "núcleo" do programa) que não estão sujeitas ao critério de falseabilidade exposto por Karl Popper, ou seja, que são tidas como "irrefutáveis" por parte dos aderentes ao programa de pesquisa.

No entorno desse núcleo de proposições são estabelecidas diversas hipóteses auxiliares, as quais devem ser testadas contra os fatos observados.

Além da "heurística negativa", existe também uma "heurística positiva", que é constituída por um conjunto parcialmente articulado de sugestões de como mudar e desenvolver as "variantes refutáveis" do programa de pesquisa.

Aqui se inclui uma cadeia de modelos cada vez mais sofisticados que buscam "explicar" a realidade. Na formulação dos programas de pesquisa, é de esperar que algumas de suas variantes particulares (o "cinturão protetor") sejam refutadas pelos testes empíricos.

A função da "heurística positiva" é, portanto, de contornar esses problemas, definindo as regras que devem ser obedecidas na construção de novas variantes particulares do programa.

Em contraposição à ortodoxia entendida em economia como adesão ao programa de pesquisa neoclássico, a heterodoxia se define como rejeição ao núcleo duro desse programa.

Maximização

Em outras palavras, os economistas heterodoxos são todos aqueles que discordam da ideia de que o núcleo duro de um programa de pesquisa deva ser construído a partir dos princípios da maximização e do equilíbrio dos mercados. Economistas marxistas, por exemplo, acreditam que uma análise séria a respeito do funcionamento do sistema econômico deva se basear na dinâmica de conflitos entre as classes sociais, particularmente entre capital e trabalho.

Nesse contexto, a racionalidade individual –maximizadora ou não– é irrelevante para o entendimento do funcionamento do sistema econômico.

Já economistas pós-keynesianos não discordam da necessidade de basear a análise econômica no suposto de racionalidade individual, mas acreditam que a incerteza que permeia o ambiente econômico torna impossível analisar as decisões individuais a partir do suposto de maximização.

Num contexto de incerteza, o comportamento dos agentes é baseado em convenções ou rotinas que não só simplificam o processo de tomada de decisão como também permitem àqueles lidar com o fato inescrutável da extrema precariedade e incompletude do conjunto de informações sobre o qual decisões racionais devem ser tomadas.

A moeda e a preferência pela liquidez, por exemplo, adquirem, nesse contexto, papel fundamental para explicar o funcionamento do sistema econômico, algo que em princípio parece não fazer sentido para o programa de pesquisa neoclássico, como se pode constatar pela ginástica que os manuais mais modernos dessa corrente têm que fazer para incorporar a moeda na estrutura dos modelos de equilíbrio geral.

Essas divergências entre os programas de pesquisa são diferenças do núcleo duro, ou seja, naquela parte dos programas que não é falseável no sentido de Popper e que, portanto, não está sujeita ao crivo do teste empírico.

A refutação empírica só pode ser aplicada às conjecturas desenvolvidas a partir dos modelos teóricos construídos segundo as regras metodológicas definidas pelo núcleo duro.

Pluralismo
Se os programas de pesquisa não podem ser rejeitados com base em testes empíricos, pois são constituídos a partir de um núcleo duro não refutável, então a única atitude cientificamente honesta e politicamente democrática é aceitar, incentivar e conviver com o pluralismo teórico.

Ninguém pode afirmar que daqui a cem anos o programa de pesquisa neoclássico continuará hegemônico na comunidade científica. Isso porque não podemos descartar a possibilidade de que esse programa entre em trajetória degenerativa. Ou seja, que, em função do acúmulo de anomalias que não podem ser explicadas a partir de modelos construídos segundo a metodologia definida pelo núcleo duro, o referido programa comece a recorrer a hipóteses "ad hoc" para explicá-las.

Existem sinais importantes de que isso já está acontecendo com o programa de pesquisa neoclássico, mas certamente trata-se de um tema que demandaria outro texto; por isso, não o abordaremos.

Em suma, não é verdade que a diferença entre ortodoxos e heterodoxos no Brasil ou no mundo se resuma ao uso ou não de testes empíricos para aceitar ou refutar conjecturas.

A diferença entre essas correntes se baseia em diferentes "núcleos duros", não sujeitos a comprovação empírica. Nesse contexto, a melhor política será sempre "deixar que mil flores floresçam no campo" e que o tempo, senhor da razão, decida quem deve prosperar ou desaparecer.

José Luis Oreiro, 45, professor de economia da UFRJ, é autor de "Macroeconomia do Desenvolvimento: uma Perspectiva Keynesiana" (LTC).

Paulo Gala, 40, é professor de economia da FGV-SP.

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