Começo hoje com um episódio verídico, que me foi contado por testemunhas oculares. Aconteceu há muito tempo. Vinicius de Moraes, Tom Jobim e um grupo de amigos e familiares estavam em um restaurante no Leblon quando entrou Ibrahim Sued, a grande figura do colunismo social da época. Ibrahim dirigiu-se à mesa deles e houve efusiva troca de cumprimentos e abraços. Depois que o colunista se afastou, um dos presentes virou-se para o Vinicius e perguntou: "Afinal, que tal o Ibrahim?". E o Vinicius: "É uma boa pessoa, mas não vale nada".
Essa frase resume grande parte do panorama nacional, não é mesmo? O Brasil está repleto de boas pessoas que nada valem. Lembrei-me da história a propósito da equipe econômica do governo. Não os conheço todos pessoalmente, mas tenho certeza absoluta de que são pessoas bem-comportadas, educadas, de boa índole, que estudaram em boas escolas, freqüentaram boas universidades etc. E, no entanto, de posse de condições extraordinariamente favoráveis, conseguem o milagre de produzir um crescimento econômico pífio, muito abaixo da média mundial.
Logo antes do Carnaval, o IBGE informou o resultado do PIB para 2005. Foi um vexame, como se sabe. O PIB, que é a medida do valor adicionado por todas as atividades econômicas, cresceu 2,3%. O PIB por habitante, míseros 0,8%. A formação bruta de capital fixo, que inclui a construção civil e a aquisição de máquinas e equipamentos, apresentou expansão de apenas 1,6%.
Enquanto isso, a China e a Venezuela cresceram 10% em termos reais. A Argentina, 9%. A Índia e o Paquistão, 8%. A Rússia e a Turquia, 7%. A África do Sul, a Coréia do Sul e a Indonésia, 5%.
Entre os principais países emergentes, só um, o México, registrou crescimento medíocre no ano passado, mesmo assim um pouco superior ao do Brasil. O PIB mexicano aumentou 2,7% na comparação do quarto trimestre de 2005 com o mesmo período de 2004. O dado correspondente para o Brasil é 1,4%.
Dá para responsabilizar diretamente a equipe econômica? Creio que sim. O potencial de crescimento da economia brasileira parece inegável. Na maioria dos setores, a capacidade de produção está subaproveitada ou pode ser rapidamente ampliada em resposta a estímulos de demanda. Grande parte da força de trabalho encontra-se desempregada ou subempregada.
Os choques de oferta foram relativamente pequenos em 2005. A quebra de safra de alguns produtos importantes e a ocorrência de febre aftosa em Mato Grosso do Sul e no Paraná contribuíram para o baixo crescimento da agropecuária. Um fator não-econômico, a crise do "mensalão", pode ter levado ao cancelamento ou adiamento de investimentos.
Mas a agropecuária pesa relativamente pouco no PIB e, além disso, o seu fraco desempenho deve ser atribuído, em parte, à política econômica, especialmente à valorização cambial. A crise política teve impacto limitado. Nem chegou a provocar grandes turbulências no mercado financeiro.
Não vamos esquecer que os próprios defensores da política econômica passaram o ano inteiro alardeando que a economia estava "blindada" contra os efeitos da crise política, uma suposta prova da sabedoria da "parte sadia" do governo (a Fazenda e o Banco Central).
A verdade é que essa "parte sadia" do governo sufocou o crescimento da economia com o tripé: a) política fiscal apertada (superávits primários crescentes); b) acentuada apreciação do real em relação a moedas estrangeiras; e c) taxas de juro escorchantes.
A política de juros foi a causa central do pífio crescimento, não só porque restringiu diretamente o consumo e o investimento privados, mas também porque contribuiu para produzir a apreciação cambial e para induzir o governo a aumentar o superávit fiscal primário.
Em resumo, com políticas desnecessariamente apertadas, a equipe econômica, especialmente o Banco Central, retraiu a demanda agregada e gerou mais um ano de estagnação. No final das contas, o governo Lula não apresentará resultados muito diferentes dos do governo FHC em termos de crescimento econômico. Equipes econômicas semelhantes, políticas semelhantes, resultados semelhantes.
O brasileiro já tentou se livrar desse tipo de pessoa em 2002. Conseguirá nas eleições deste ano?
Sobre o autor
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
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