2 de março de 2006

Valor adicionado

Paulo Nogueira Batista Jr.


Começo hoje com um episódio verídico, que me foi contado por testemunhas oculares. Aconteceu há muito tempo. Vinicius de Moraes, Tom Jobim e um grupo de amigos e familiares estavam em um restaurante no Leblon quando entrou Ibrahim Sued, a grande figura do colunismo social da época. Ibrahim dirigiu-se à mesa deles e houve efusiva troca de cumprimentos e abraços. Depois que o colunista se afastou, um dos presentes virou-se para o Vinicius e perguntou: "Afinal, que tal o Ibrahim?". E o Vinicius: "É uma boa pessoa, mas não vale nada".

Essa frase resume grande parte do panorama nacional, não é mesmo? O Brasil está repleto de boas pessoas que nada valem. Lembrei-me da história a propósito da equipe econômica do governo. Não os conheço todos pessoalmente, mas tenho certeza absoluta de que são pessoas bem-comportadas, educadas, de boa índole, que estudaram em boas escolas, freqüentaram boas universidades etc. E, no entanto, de posse de condições extraordinariamente favoráveis, conseguem o milagre de produzir um crescimento econômico pífio, muito abaixo da média mundial.

Logo antes do Carnaval, o IBGE informou o resultado do PIB para 2005. Foi um vexame, como se sabe. O PIB, que é a medida do valor adicionado por todas as atividades econômicas, cresceu 2,3%. O PIB por habitante, míseros 0,8%. A formação bruta de capital fixo, que inclui a construção civil e a aquisição de máquinas e equipamentos, apresentou expansão de apenas 1,6%.

Enquanto isso, a China e a Venezuela cresceram 10% em termos reais. A Argentina, 9%. A Índia e o Paquistão, 8%. A Rússia e a Turquia, 7%. A África do Sul, a Coréia do Sul e a Indonésia, 5%.

Entre os principais países emergentes, só um, o México, registrou crescimento medíocre no ano passado, mesmo assim um pouco superior ao do Brasil. O PIB mexicano aumentou 2,7% na comparação do quarto trimestre de 2005 com o mesmo período de 2004. O dado correspondente para o Brasil é 1,4%.

Dá para responsabilizar diretamente a equipe econômica? Creio que sim. O potencial de crescimento da economia brasileira parece inegável. Na maioria dos setores, a capacidade de produção está subaproveitada ou pode ser rapidamente ampliada em resposta a estímulos de demanda. Grande parte da força de trabalho encontra-se desempregada ou subempregada.

Os choques de oferta foram relativamente pequenos em 2005. A quebra de safra de alguns produtos importantes e a ocorrência de febre aftosa em Mato Grosso do Sul e no Paraná contribuíram para o baixo crescimento da agropecuária. Um fator não-econômico, a crise do "mensalão", pode ter levado ao cancelamento ou adiamento de investimentos.

Mas a agropecuária pesa relativamente pouco no PIB e, além disso, o seu fraco desempenho deve ser atribuído, em parte, à política econômica, especialmente à valorização cambial. A crise política teve impacto limitado. Nem chegou a provocar grandes turbulências no mercado financeiro.

Não vamos esquecer que os próprios defensores da política econômica passaram o ano inteiro alardeando que a economia estava "blindada" contra os efeitos da crise política, uma suposta prova da sabedoria da "parte sadia" do governo (a Fazenda e o Banco Central).

A verdade é que essa "parte sadia" do governo sufocou o crescimento da economia com o tripé: a) política fiscal apertada (superávits primários crescentes); b) acentuada apreciação do real em relação a moedas estrangeiras; e c) taxas de juro escorchantes.

A política de juros foi a causa central do pífio crescimento, não só porque restringiu diretamente o consumo e o investimento privados, mas também porque contribuiu para produzir a apreciação cambial e para induzir o governo a aumentar o superávit fiscal primário.

Em resumo, com políticas desnecessariamente apertadas, a equipe econômica, especialmente o Banco Central, retraiu a demanda agregada e gerou mais um ano de estagnação. No final das contas, o governo Lula não apresentará resultados muito diferentes dos do governo FHC em termos de crescimento econômico. Equipes econômicas semelhantes, políticas semelhantes, resultados semelhantes.

O brasileiro já tentou se livrar desse tipo de pessoa em 2002. Conseguirá nas eleições deste ano?

Sobre o autor

Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).

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