25 de junho de 1998

Pedro Malan

Paulo Nogueira Batista Jr.


Dentro de alguns dias, o Plano Real completa quatro anos. Toda vez que o Real faz aniversário, este colunista descansa da sua sanha crítica e presta uma pequena homenagem ao sucesso da estabilização monetária.

Amigos, convenhamos que, para uma moeda brasileira, quatro anos são uma eternidade. Todo mundo sabe que ainda falta muito para consolidá-la e transformá-la em um programa de desenvolvimento com justiça social. Mas o pior dos mal-humorados haverá de reconhecer que o que se alcançou, nos últimos anos, em matéria de combate à inflação, foi muito importante para o país. Precisa ser preservado e consolidado por quem quer que vença as eleições deste ano.

Se o artigo enveredasse por aí, correria sérios riscos de contribuir mais uma homenagem ao conselheiro Acácio, o santo padroeiro do debate econômico nacional. Mas hoje eu queria fazer uma homenagem de caráter diferente, mais pessoal, a uma figura que teve e tem um papel-chave no combate à inflação.

Trata-se de Pedro Malan, presidente do Banco Central na época do lançamento do plano e ministro da Fazenda desde janeiro de 1995. Os meus leitores regulares -se é que os tenho- sabem o quanto Malan e sua política econômica já foram criticados aqui nesta coluna. Cheguei a sustentar, psicografando o Nelson Rodrigues, que o fleumático e sóbrio Malan, uma espécie de alto funcionário do Tesouro britânico em missão na Índia, era, na verdade, o último inglês da vida real, a última personificação das virtudes britânicas de comedimento e autocontrole (tese, diga-se de passagem, amplamente confirmada pela emoção descabelada que engolfou a Inglaterra quando da morte da princesa Diana).

Mas até os mais combativos precisam, de vez em quando, deixar de lado as divergências e desavenças e reconhecer os méritos dos outros. Malan é um economista de grande capacidade, equilíbrio, sofisticação e sutileza. Poucas pessoas no Brasil têm a sua experiência internacional. Sem a sua liderança e coordenação, o Real dificilmente teria chegado até onde chegou. E o Brasil não poderia ter realizado a façanha de passar, em poucos anos, de uma grande crise inflacionária para uma taxa de inflação próxima da que se observa nos países desenvolvidos.

O leitor talvez não se dê conta de como pode ser penoso o cargo de ministro da Fazenda no Brasil. É um dos empregos mais difíceis do planeta.

Dele pode-se dizer o que o Nelson Rodrigues dizia da função de técnico da seleção brasileira. No Brasil, o ministro da Fazenda está sempre cercado de palpites e palpiteiros. Sofre, no mínimo, umas 200 irritações por dia. Poucas funções são tão polêmicas. Tudo o que ele faz suscita debates no país inteiro. E há sujeitos que vivem, dia e noite, tramando a sua desgraça. Nessas circunstâncias, manter a calma é quase um ato de heroísmo.

Entre as qualidades do Malan está uma que não tem sido devidamente reconhecida: a extraordinária capacidade de falar, com grande categoria e elegância, sem dizer rigorosamente nada.

Pode parecer que estou fazendo troça. De forma alguma. Essa sua característica causa, é claro, decepções ao jornalismo escrito, falado e televisionado, mas ela é indispensável para o exercício do cargo de ministro da Fazenda ou de presidente do Banco Central. Em todos os países civilizados, esses funcionários têm, em geral, a mesma opacidade misteriosa que o nosso Malan aperfeiçoou ao longo dos anos. E reparem que alguns integrantes de sua equipe tentam, sem grande sucesso, imitar o seu estilo inconfundível.

Questões de estilo à parte, permanece o fato de que a estabilização da moeda foi alcançada a um custo desnecessariamente elevado em termos de dependência externa e fragilização da posição internacional do país. Isso vem levando o governo a adotar medidas que sufocam o crescimento da economia e produzem desemprego.

Já expressei muitas vezes essas divergências com a política do ministro Malan. Se pudesse resumi-las em uma frase, talvez recorresse novamente ao manifesto antropófago, de Oswald de Andrade, para dizer que o que falta a homens como Malan é, fundamentalmente, a disposição de ir "contra todas as catequeses" e "a verdade dos povos missionários, mentira muitas vezes repetida".

Mas isso já é outro assunto. Não quero que essa homenagem me saia reticente demais. O que eu gostaria de dizer hoje é, simplesmente, o seguinte: seja qual for o desfecho da atual política econômica, Pedro Malan, comandante da estabilização monetária, já conquistou um lugar na história econômica do país.

Sobre o autor

Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...