3 de janeiro de 2017

A falta que faz uma estratégia

Dawisson Belém Lopes


Nos últimos 20 anos, dois projetos de política externa foram postos em prática no Brasil.

Fernando Henrique Cardoso apostou em valores associados ao mundo liberal: democracia, economia de mercado e direitos humanos. Alinhou-se ideologicamente às nações da América do Norte e da Europa.

A opção pelo cânone ocidental, apesar de evidente, acomodava nuances em seu interior. Seria exagerado tratar FHC como mero adesista.

Para projetar o Brasil no mundo, apoiou-se largamente na difusão de imagens e valores instrumentais ao país, sustentados por algum lastro material -estabilidade macroeconômica, higidez institucional, respeito às normativas internacionais.

O próprio presidente tomou para si a missão de representar o Brasil no exterior. Alçou a diplomacia presidencial a um novo patamar.

FHC tinha uma estratégia que, com erros e acertos, foi implementada. Como resultado, o país cresceu na escala das nações.

Lula rompeu com alguns dos pilares diplomáticos do seu antecessor. Buscou um caminho autonomista para a política externa, pregando a revisão da ordem mundial. Por intermédio da iniciativa Brics, aproximou-se de países como Rússia e China -rivais da aliança transatlântica, encabeçada pelos EUA.

Seu plano de ação envolveu menos conteúdo moral e mais "poder duro". Cresceram durante os anos Lula o gasto com as Forças Armadas, a máquina diplomática, a cooperação sul-sul e a integração regional.

O presidente mostrou-se um entusiasta da diplomacia de mandatários. Se FHC havia sido o pioneiro, foi Lula quem mais empregou a tática.

Ainda que falhas houvesse, esse projeto de política externa rendeu dividendos. O Brasil atingiu os píncaros na primeira década do século 21.

Os últimos anos, contudo, têm sido frustrantes. Com Dilma Rousseff, "normalizou-se a curva". Seu aparente desinteresse pelas temáticas internacionais devolveu a diplomacia brasileira ao padrão de meados dos anos 1990.

Qual foi o plano de ação internacional de Dilma? É difícil dizer. Houve ambiguidade e, para a maior parte dos intérpretes, omissão. Parece consensual o diagnóstico de que, entre 2011 e 2016, o Brasil declinou no ranking das nações.

Pergunta-se: como Michel Temer pretende lidar com a diminuição da estatura internacional do país? É incerto o rumo que seguirá.

Privilegiaremos a liga de Estados liberais, mesmo em face da eleição de Trump nos EUA, ou buscaremos o beneplácito de Rússia e China? Toleraremos as agressões aos direitos humanos no Irã, condenando-as quando acontecerem na Venezuela?

Os sinais emitidos até o momento são ambivalentes e não autorizam juízos resolutos. As notas oficiais do Ministério das Relações Exteriores à imprensa, além de lacônicas e pasteurizadas, não diferenciam as ênfases de cada governo -o anterior e o corrente.

Depois de um início retumbante, com condenação de bolivarianos e "passa fora" na Unasul, a voz do chanceler José Serra sumiu. O que pensa a atual liderança do Itamaraty sobre o processo de paz na Colômbia? A construção de um muro entre EUA e México? Os rumos da União Europeia após o Brexit?

Temer pode perseguir uma rota parecida com a de FHC ou, quem sabe, reviver Lula na diplomacia. Pode até combinar aspectos das duas trajetórias. Só não pode abdicar de uma estratégia.

DAWISSON BELÉM LOPES é professor de política internacional da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreveu o livro "Política Externa na Nova República: os Primeiros 30 Anos" (ed. UFMG)

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