14 de julho de 2022

Transporte público deve ser gratuito

A Espanha está fazendo viagens de trem de curtas e médias distância gratuitas de setembro até o final do ano. Para combater o aumento do custo de vida devido a inflação e as crises climáticas, devemos fazer o mesmo estendo-o para todos os transportes públicos e torná-lo permanente.

Chris Saltmarsh

Tribune

O pacote de viagem da Espanha será financiado por um imposto inesperado sobre bancos e empresas de energia, que deve arrecadar 7 bilhões de euros. (Sterling750 / Getty Images)

Tradução /  Em Julho de 2022, o presidente da Espanha, Pedro Sanchéz, anunciou um pacote de descontos de 100% do valor para bilhetes de trem referentes a trajetos de curta e média distância. Estas medidas tiveram início no 1º de setembro e vão até o fim do ano. Previamente, as viagens de curta e média distância já contavam com um desconto de 50%, mas, dessa vez, o governo foi mais além para encorajar o uso de transporte público ao invés de carros, enquanto o preço do combustível segue aumentando. A Ministra do Trabalho espera que tal projeto proporcione mais de 75 milhões de viagens de trem gratuitas.

Sanchéz, que também é secretário–geral do PSOE, partido de centro esquerda espanhol, anunciou os planos com uma retórica populista, afirmando que ele (próprio) irá trabalhar nesse abono para defender a classe trabalhadora do país. O pacote será financiado por um imposto inesperado sobre bancos e empresas de energia, que deverá levantar 7 bilhões de euros.

O plano político espanhol vai na esteira do sucesso da recente introdução na Alemanha de um passe de viagem de 9 euros em todo o país entre junho e agosto. Revelou-se, no primeiro mês, um significante aumento nas viagens de trem de 30 km, com movimentos ferroviários 42% maiores em junho de 2022 que em junho de 2019. As viagens de trem vem crescendo particularmente nos finais de semana. Tem havido também um impacto positivo para as viagens na estrada: menos carros desde o início deste plano e o congestionamento tem sido reduzido em 23 das 26 cidades alemãs.

Estas medidas foram pensadas no contexto mundial da crise do custo de moradia: a inflação está nas alturas e os preços estão subindo enquanto o salário real cai. Na Espanha, a inflação atingiu uma alta de 37 anos de 10,2% em junho. Embora a inflação da Alemanha tenha desacelerado para 8,2% no mesmo mês, sua taxa de 8,7% em maio foi a mais alta desde a década de 1970. No Reino Unido, entretanto, a inflação subiu para a máxima de 40 anos de 9,1% em maio, e o Banco da Inglaterra continua a prever que superará 11% no final deste ano.

O aumento dos preços na economia foram substancialmente impulsionados pelo aumento dos custos de combustível. No ano passado, os preços médios da gasolina no Reino Unido foram de 133,34 pound por litro. Na semana passada, o RAC informou que o preço era 191,43 pound por litro, marcando um aumento de 43,57 %. O preço do óleo diesel teve um aumento ainda mais expressivo. Qualquer benefício da redução do imposto por parte do governo de 5 pound por litro fora retirado.

Isto significa que, cada vez mais, locomover-se de carro está fora das possibilidades financeiras de muitas pessoas, que ainda precisam ir ao trabalho, às lojas ou visitar familiares e amigos. Sem nenhuma medida como a do transporte público gratuito, os preços extorsivos dos combustíveis impulsionarão o isolamento social e as dificuldades de acesso ao emprego – e também aumentam a fome consequentemente.

Mas assegurar a política de transportes gratuitos não é a única medida crucial direcionada para enfrentar a crise do custo de vida. No Reino Unido, o setor dos transportes é responsável por aproximadamente um terço das emissões de gases com efeito estufa. O sistema de transporte é dominado por carros particulares, um dos modos de transporte mais ineficientes, eles gastam, em média, 95% do tempo estacionados e ocupam enormes quantidades de espaço nas estradas em comparação com os ônibus.

Não podemos simplesmente substituir todo e qualquer carro movido a petróleo ou diesel por veículos elétricos, já que, para a sua fabricação requer-se recursos especiais, incluindo o uso de minerais de terras raras. Por outro lado, a crise ambiental exige uma mudança generalizada das formas de transporte poluentes, incluindo a aviação, responsável por cerca de 3,5% das emissões globais, para os transportes públicos de baixo carbono. Para realizar essas mudanças sociais urgentes do uso do transporte, as políticas de abonos significativos para o transporte público ou medidas para torná-lo gratuito são fundamentais.

Tornar o abono permanente

Atualmente, os planos de transporte espanhol e alemão trata-se de regimes de tempo limitado, que duram, respectivamente, até ao final do ano ou nos meses do verão. Mas estas não deveriam ser apenas medidas temporárias para restaurar a demanda das viagens de trens para níveis anteriormente considerados “normais”. A menos que as coisas mudem radicalmente para melhor, provavelmente estamos entrando numa “nova normalidade” onde o custo de vida será permanentemente mais caro e as emissões mudarão irreversivelmente o clima. Precisamos de soluções a longo prazo.

Como exemplo, temos a iniciativa da modalidade de cartão de trem para jovens no Reino Unido. O popular railcard 16 – 25 oferece um desconto de um terço dos bilhetes para aqueles dentro desta faixa etária, e, em 2019, o railcard 26 – 30 fora implementado, quebrando recordes de vendas no lançamento. A alta demanda por transporte público pode e deve ser ativada por preços permanentemente mais acessíveis.

Mas, ainda mesmo esta experiência está longe da perfeição. Muitos millennials já estão preocupados em como conseguirão viajar após o limite etário estabelecido – e ainda por cima, à medida que a disponibilidade de renda diminui, as desigualdades aumentam para os indivíduos da classe trabalhadora de todas as gerações, dispôr de transportes públicos enquanto um serviço básico universalmente acessível torna-se cada vez mais uma questão de bom–senso.

Da mesma forma, assegurar a gratuidade dos transportes públicos não deveria vir enquanto uma política isolada. Sem uma ampliação do projeto de reformas, será uma medida de difícil cumprimento e não conseguirá abordar questões estruturais da desigualdade e das alterações climáticas. A política de descontos da Espanha só foi possível graças ao fato da RENFE ser uma entidade pública empresarial. Assim, a política de transporte público gratuito será igualmente mais efetiva no Reino Unido se concebida conjuntamente a um sistema ferroviário de propriedade pública, no qual os lucros de acionistas privados não seja mais um condicionante.

Também precisamos de investimento em nossas redes para garantir que os trens e ônibus sejam rápidos e confortáveis, um processo que foi na direção oposta sob o atual governo conservador britânico. Além de cortar as rotas de ônibus pela metade, o sindicato de trabalhadores do transporte, RMT Rail, Maritime and Transport Workers destacou durante a atual disputa industrial que os cortes de financiamento do governo causarão superlotação, redução de serviços e acidentes mais graves.

Enquanto vivemos tempos de crises entrelaçadas e intersetoriais, a possibilidade de deslocar-se vem mudando a cada dia: a notícia de que o Aeroporto de Doncaster-Sheffield pode não ser mais viável comercialmente é apenas mais uma recente surpresa. O central não é avaliar a ocorrência de tais transformações, mas se estas serão entregues para o caos do mercado e empresas lucrativas ou se serão democraticamente repensadas para interesse dos trabalhadores e da grande maioria das pessoas – incorporando o transporte público gratuito numa revolução de transporte verde.

Coalaborador

Chris Saltmarshé cofundador do Labor for a Green New Deal.

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