27 de julho de 2022

A pasokização do peronismo

A Argentina carrega nas costas uma longa e multifacetada crise. A retirada de Martín Guzmán do Ministério da Economia e a assunção de Silvina Batakis não muda o rumo da austeridade e submissão ao FMI escolhido pelo governo. Será o fim do peronismo?

Leonardo Frieiro

Jacobin

Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner. (Foto: CEDOC)

No domingo, 4 de outubro de 2009, o centro de Atenas foi tingido de bandeiras verdes. O PASOK, o grande partido de massas da social-democracia grega, havia vencido as eleições de forma estrondosa, esmagando a direita sob a promessa de virar a página das políticas de austeridade que haviam começado a ser implementadas um ano antes. Pouco menos de três anos depois, a imagem foi completamente invertida. Nas eleições de maio de 2012, o PASOK sofreu um dos maiores reveses eleitorais da história política recente: perdeu 7 em cada 10 eleitores e mal recebeu 13% dos votos. Um mês depois, confirmou sua decomposição, caindo para 12% dos votos, para chegar a 4% dos votos nas eleições de 2015, a última eleição do PASOK como tal.

Conhecemos esse rápido e fulminante processo de declínio como "pasokização", ou seja, o esgotamento histórico, a queda política e a decomposição institucional de um partido de massas, geralmente ideologicamente localizado na centro-esquerda. Como isso aconteceu? Afinal, o PASOK foi o principal partido político na Grécia desde a queda da ditadura dos coronéis (1967-1973). Foi o partido que, sob o lema de Independência Nacional, Soberania Popular e Emancipação Social, construiu o não negligenciável "Estado de bem-estar" grego, firmemente apoiado pelo movimento sindical. A resposta é simples: o PASOK não cumpriu as promessas eleitorais que o levaram ao poder em 2009. Giorgos Papandreou, primeiro-ministro e líder do partido, governou contra sua própria base de apoio e contra a própria história de seu próprio partido.

Quando a crise grega terminou em abril de 2010, o PASOK pactuou com o Eurogrupo e o Fundo Monetário Internacional um programa de austeridade que está entre os mais draconianos da história econômica. O grande partido do Estado de Bem-Estar Social e os grandes sindicatos gregos não titubeou para reduzir em 20% o salário dos trabalhadores do setor público, privatizar 66% das empresas estatais, aumentar a idade de aposentadoria e promover uma reforma para tornar a contratação e condições de demissão mais flexíveis.

***

Sabe-se que as comparações são odiosas, que deixam pontos cegos e que dificilmente refletem plenamente realidades políticas, sociais e econômicas que têm mais pontos de ruptura do que pontos de contato. Mesmo assim, rever outras experiências serve para tirar algumas lições.

Com efeito, é tentador analisar a situação atual da crise política na qual a Argentina se encontra submersa do prisma oferecido pela crise grega. Primeiro, porque há aspectos que coincidem claramente: tanto a retumbante vitória quanto a imagem extremamente pobre da perplexidade do PASOK diante da eclosão da crise mantêm uma notável semelhança com relação ao governo de Alberto Fernández e à Frente de Todos. Segundo, porque o desfecho trágico da crise grega em uma espiral de inquietação permanente —que continua até hoje— é um bom espelho no qual podemos ver como será o futuro se não conseguirmos mudar de rumo.

A Grécia cumpriu seus acordos com o FMI e a austeridade se impôs como paradigma incontestável através da submissão de sucessivos governos e do desmantelamento da resistência. Na Argentina, a imposição do programa político, econômico e social do FMI ainda pode —e apesar de tudo— ser contestada.

O peronismo e a "primeira incorporação"

Diz-se que ninguém que não tenha vivido na Argentina é capaz de compreender o peronismo. Apesar de grande parte da América Latina ter levantado durante o segundo pós-guerra de movimentos de massa predominantemente urbanos e centrados na classe trabalhadora que tentaram modernizar os capitalismos periféricos por meio da substituição de importações, a experiência peronista é narrada como uma singularidade absoluta. É provável que alguns dos problemas atuais na definição do peronismo estejam no mito desse excepcionalismo. Além disso, é provável que alguns dos problemas do atual governo peronista também residam em uma leitura equivocada: tentar trazer para o presente uma imagem do peronismo histórico que é, no mínimo, incompleta.

Como apontou a pesquisadora canadense Louise Doyon, o peronismo costuma ser apresentado como uma experiência de arregimentação política da classe trabalhadora. Isso significa que, embora os trabalhadores tenham conseguido reverter a situação de exclusão em que se encontravam durante o período da história argentina conhecido como ordem oligárquica (1880-1916) e restauração conservadora (1930-1943), o custo disso foi sua filiação em sindicatos estatais que, sem qualquer tipo de autonomia, reconheciam apenas parcialmente seus interesses.

Para isso, segundo as teses de Gino Germani e Torcuato Di Tella, o peronismo se concentrava em representar os migrantes internos que se deslocavam do interior rural do país para os cordões industriais da província de Buenos Aires. Esses migrantes internos, sem experiência política anterior, desarraigados de seus lugares de origem e acostumados a relações mais próximas ao clientelismo agrário do que às relações capitalistas, encontraram na liderança carismática de Juan Domingo Perón uma liderança capaz de suprir a perplexidade em que se encontraram, e tornando-se uma massa disponível para o populismo peronista.

Diante disso, Doyon nos apresenta uma visão alternativa do peronismo, questionando a centralidade dos migrantes internos em sua origem, bem como reduzindo a distância entre estes e os trabalhadores industriais de décadas anteriores. De fato, boa parte dos migrantes internos teve algum tipo de experiência urbana antes de migrar para Buenos Aires; Por outro lado, os sindicatos promovidos pelo Estado contavam com a participação ativa de trabalhadores que tinham —pelo menos— uma década de trabalho fabril. Em suma, o fato de a classe trabalhadora argentina estar disposta a aderir a um novo movimento político corresponde não à passividade de sua composição orgânica, mas à situação de rebaixamento político dos partidos majoritários que se tornaram cúmplices de uma ordem social excludente.

O que precede é complementado pelo que foi apontado por Miguel Murmis e Juan Carlos Portantiero, que apontam que o núcleo de trabalhadores com experiência sindical prévia desempenhou um papel fundamental tanto na origem do peronismo como um movimento popular de massas, dando ao peronismo uma dinâmica interna marcada pelo diálogo entre os quadros estatais e as bases operárias mobilizadas.

Assim, a lógica política do primeiro governo peronista baseava-se, em linhas gerais, em uma dialética de pressão das bases e lideranças estatais, onde as bases operárias lutavam por seus interesses de classe, ainda que à custa de sua plena independência política e organizacional; o que não significa em absoluto que tenha renunciado ao seu protagonismo político. As tentativas de centralismo e subordinação dos trabalhadores realizadas por Perón, como a dissolução do Partido Trabalhista em 1946 e a supressão do direito de greve na Constituição de 1949, foram consequentemente respondidas pela classe trabalhadora com uma enorme onda de mobilização e greves entre 1946 e 1948, que tensionaram a coalizão interna de um movimento político que buscava garantir uma aliança de ferro entre os capitalistas industriais e os sindicatos.

Essas tensões entre Perón e os trabalhadores tornaram-se evidentes durante sua segunda presidência, quando as condições internacionais que permitiram a expansão do capitalismo com progresso material simultâneo para empresários e trabalhadores se tornaram materialmente insustentáveis. Apesar de o peronismo ter tentado por todos os meios suprimir a independência da classe trabalhadora e ter enfrentado duramente o movimento comunista e socialista com métodos que vão da repressão aberta à promoção do nacionalismo – vale lembrar que durante o governo de Perón o içamento da bandeira e o canto do hino nacional foram implementados até mesmo em partidas de futebol – esse objetivo nunca foi alcançado.

Paradoxalmente, a salvaguarda de alguns elementos de autonomia para a classe trabalhadora foi a chave para a continuidade do peronismo sociológico, durante os dezoito anos de proscrição. Deve-se notar também que a resistência peronista tampouco era um bloco monolítico sob as ordens de Perón. Por exemplo, a tendência à independência da classe trabalhadora foi demonstrada nas eleições de 1958, quando apesar das ordens de Perón para votar em um dos candidatos autorizados pelo regime, o radical Arturo Frondizi, o voto em branco chegou a 9%, o que indica que uma fração não desprezível do voto dos trabalhadores recusou-se a votar em um partido "anti-trabalhador".

O peronismo, então, mais do que um simples fenômeno de liderança populista ou carismática, responde a uma complexa realidade sociopolítica na qual os trabalhadores tiveram um papel central. Aqui também vale esclarecer que a hegemonia que o peronismo original alcançou não se baseou em nenhum tipo de mito produtivista, nem em transformar a Argentina em uma potência mundial. Muito pelo contrário, o peronismo se consolidou com base na melhoria das condições mínimas de existência de uma grande massa de trabalhadores, que lutaram por essas conquistas e foram majoritariamente reconhecidos pelo governo do Estado nessas reivindicações. Não há peronismo triunfante sem mobilização e pressão constantes de uma fração majoritária da classe trabalhadora.

Por outro lado, o grande objetivo político do peronismo, o ideal de uma sociedade sem conflitos entre capital e trabalho, nunca foi alcançado, nem mesmo no auge de sua hegemonia. Muito pelo contrário: de 1946 a 1955, os conflitos de classe se acirraram de forma inédita na história argentina. Além disso, desde 1952, grande parte das críticas foi dirigida à própria direção do Estado peronista, processo que atingiu seu ápice durante o ciclo de mobilização entre 1969 e 1971, quando o capitalismo argentino foi questionado por meio da ação de massa. É até possível pensar no golpe de Estado de 1955 —executado pelas facções mais reacionárias da burguesia e do exército— como uma tentativa desesperada de deter a dinâmica de pressão e mobilização operária que o peronismo trouxe consigo devido a sua própria dinâmica sociopolítica. Nesse mesmo cenário, a resistência peronista (1955-1973) deve ser lida como a luta acirrada da fração majoritária da classe trabalhadora para defender a posição política conquistada durante os dois governos de Perón.

A queda do paradigma peronista

Quando em 1973 Juan Domingo Perón retornou ao país após seu exílio, as tensões que haviam rompido sua coalizão durante sua segunda presidência, vinte anos antes, atingiram seu ponto mais alto. A classe trabalhadora argentina atingiu seu auge de luta e organização. Apesar do peronismo manter a hegemonia política dentro dos trabalhadores, a esquerda conquistou sindicatos importantes, surgiram partidos revolucionários de massa e até organizações guerrilheiras. O próprio retorno de Perón, que terminou no massacre de Ezeiza, mostrou os limites para recriar a antiga aliança peronista. Diante disso, Perón tomou uma decisão: abriu um processo de repressão aberta contra a esquerda —incluindo a esquerda peronista, que reivindicou sua figura de líder revolucionário—, incluindo a perseguição paramilitar de ministros de seu próprio governo. A nova escalada da repressão ilegal lançou as bases para o início da repressão ilegal em larga escala durante o governo de sua esposa, Isabel Martínez (que o sucedeu no governo após sua morte), e que depois despencou com o estabelecimento da ditadura militar (1976-1983), que redesenhou a sociedade argentina através do terrorismo de Estado.

El fracaso orgánico del «tercer peronismo» (1972-1976), significó la transformación del principal movimiento de masas de Argentina en lo que el histórico dirigente trotskista Jorge Altamira llamó un «cadáver insepulto». Esto significa la pérdida de la perspectiva histórica, de adecuación lógica a las condiciones materiales de la sociedad y la economía, y el agotamiento de un paradigma político ideacional capaz de hacer progresar las relaciones sociales capitalistas, mediante el empuje de un grupo social o fracción de clase que aporte algún tipo de sustancia dinámica a ese proceso. Para el caso argentino, esto significa que el peronismo continuó existiendo en tanto una identidad política petrificada en buena parte de la memoria colectiva de la clase obrera, quienes siguieron ligadas a buena parte de sus símbolos, organizaciones y estructuras político discursivas arraigadas en el corolario del peronismo clásico, pero sin ningún programa ni perspectiva política que pudiera aportar una salida popular o progresista a la actualidad de un capitalismo argentino en crisis.

A final de cuentas, el modelo que el peronismo como su objetivo último —la sociedad organizada— no era más que una reedición de un tipo particular de democracia social semicorporativa, donde un Estado benefactor adquiría la tarea de limitar la lucha de clases mediante el dirigismo tanto de las asociaciones patronales como de los sindicatos mayoritarios. La tendencia propia del capitalismo mundial desde la década de los 70 se mostraba en franca contradicción con cualquier perspectiva de construcción de un capitalismo «de rostro humano».

El cierre de ese paradigma y la desestabilización del sistema de ideas consecuente para el peronismo es uno de los factores que explica la razón por la que haya sido un peronista, Carlos Menem, el que ejecutó el programa de reformas neoliberales más extenso y ambicioso de toda América Latina en la década de los 90. Que el peronismo se haya revelado como «cadáver insepulto» es una arista importante que nos permite pensar porqué en Argentina el neoliberalismo se instaló mediante la adopción del paradigma liberal de parte de un partido popular y no mediante la popularización de un partido liberal. En este punto es donde la vacancia ideológica del peronismo se encontró frente a un escenario global de reestructuración de las relaciones capitalistas en clave neoliberal.

Si el peronismo clásico logró una expansión de la clase obrera mediante un proceso de industrialización por sustitución, el peronismo menemista dejó como resultado final un nuevo piso de pobreza estructural, pauperización y desempleo crónico que Argentina no ha logrado revertir hasta hoy en día. Como el PASOK de Papandreou, el peronismo de Menem gobernó contra los intereses colectivos de la base de sustentación de su gobierno. Su modelo de ultra ortodoxia neoliberal mostró señales tempranas de alarma en la periferia argentina, para convertirse en una crisis general desde 1998. El peronismo perdió las elecciones legislativas de 1997 y fue expulsado de la presidencia en 1999.

Pero ¿por qué el peronismo no encontró su pasokización luego del menemismo? Hay tres elementos que nos permiten explicarlo. Primero, el factor consensual del menemismo descansó en una importante expansión del consumo a todos los sectores de la sociedad gracias a la sumamente costosa paridad cambiaria artificial entre el peso y el dólar, un apoyo que además debe ser contextualizado en el pánico social generalizado durante el proceso hiperinflacionario de 1989/1990. Un sector relativamente importante de la sociedad —principalmente las clases medias con capacidad de ahorro y capitalización— continuó apoyando al menemismo inclusive luego de la exteriorización de la crisis de la convertibilidad en 1998, lo que explica el apoyo posterior a la candidatura presidencial de Menem en el año 2003.

Segundo, ninguna fuerza política se encontró en condiciones de aglutinar el descontento popular producido por décadas de austeridad, y de un cambio en la situación orgánica de la clase obrera. Cuando el peronismo menemista fue derrotado electoralmente de forma directa en 1997 y de forma indirecta en 1999, el gobierno argentino fue capturado una vez más por una fuerza política agotada, el radicalismo, que no tenía ninguna capacidad para abrir un nuevo proceso de desarrollo ni, mucho menos, plantear una alternativa que contradijera la dependencia estructural de un capitalismo argentino en ruinas. Conviene recordar que, la desorientación del radicalismo fue tal que en la campaña presidencial recordó en cada uno de sus spots la continuidad de la convertibilidad, en medio de una recesión brutal. La constante crisis hegemónica y los quiebres sucesivos de la representación política argentina son el resultado lógico de la falta de energía vital de las principales fuerzas políticas del país.

Por último, el menemismo no logró sostener la plena unidad del movimiento peronista a lo largo de su ciclo de hegemonía interna. En un principio, el peronismo menemista sufrió una pequeña pero ruidosa ruptura en el congreso, cuando abandonó sus promesas originales de aumentar el valor los salarios y generar una «revolución productiva» por un primer paquete de reformas laborales, privatizaciones de empresas públicas, y cuando decretó el indulto de los militares condenados por crímenes de lesa humanidad, y que se efectivizó con la formación de un bloque independiente —el Grupo de los Ocho— dando origen a la proliferación de grupos neoperonistas que desafiaron al menemismo reivindicando las banderas históricas del peronismo.

A pesar de que la oposición de estos grupos fue en los hechos pocos efectiva, sí funcionó para generar un espacio de referencia de una suerte de peronismo en los márgenes que fue clave para la generación del locus kirchnerista (recordemos, por ejemplo, la reversión de la marcha peronista hecha desde kirchnerismo que reza «resistimos en los 90, volvimos en 2003»). Por otro lado, como recopilan los estudios del grupo PIMSA, el período menemista también fue un periodo marcado por la conflictividad obrera, a pesar de la adhesión al menemismo de una parte importante del movimiento sindical, en particular de la CGT. Pero, de la misma forma, que fue la unidad del movimiento sindical en 1996, con la convocatoria a dos huelgas generales y la amenaza de una tercera por tiempo indeterminado, fue crucial para enterrar el proyecto del menemismo de una reforma laboral integral en favor de los empleadores. Si bien luego de la derrota electoral del menemismo en 1997, el movimiento huelguístico entra en reflujo, y la unidad del movimiento obrero se diluye.

Lo importante aquí es señalar que, primero, el activismo sindical también funcionó como un salvoconducto para la ligazón del peronismo a la defensa de los trabajadores y, más importante todavía, la derrota de la reforma laboral significó un resorte de contención involuntario para vincular definitivamente al peronismo con la destrucción integral de los derechos colectivos de los trabajadores. Cabe decir que, unos años después, una reforma laboral parcial se lograría implementar únicamente mediante el soborno a los legisladores e inclusive con el escándalo inclasificable de un «diputado trucho» votando en el recinto, bajo el gobierno de la Alianza, comandado por la Unión Cívica Radical (1999-2001)

O kirchnerismo e a "segunda incorporação"

Luego de la expulsión del presidente De la Rúa del poder, Argentina tomó juramento a cinco presidentes en el transcurso de una semana, revelando la descomposición total de la dirigencia política. En ese contexto, la presidencia cayó fortuitamente en las manos de Eduardo Duhalde, quien inició un nuevo proceso de represión de la protesta social callejera. Esto marcó el declive de las movilizaciones populares, lo que coincidió con el agotamiento de las asambleas populares que se habían diseminado a lo largo del país luego de diciembre de 2001. Los argentinos volvieron a las urnas en el 2003, donde Menem volvió a ganar las elecciones con el 25% de los votos, en un escenario de fraccionamiento tanto de los partidos como de las identidades políticas. A pesar de haber ganado la primera vuelta, el profundo rechazo social que producía su figura lo imposibilitaba de cualquier perspectiva de triunfo en una segunda vuelta. Así, Menem se retiró del ballotage y Néstor Kirchner, quién había salido segundo con el 21% de los votos, se convirtió en presidente de la nación, sin haber ganado elección alguna.

Con Kirchner en el poder, el peronismo ensayó su último intento de regeneración. Si el peronismo clásico había incorporado a la clase trabajadora a la vida democrática del país, el kirchnerismo inició una «segunda incorporación», reconociendo la agencia política de las organizaciones de desempleados y de los nuevos movimientos sociales que se organizaron como producto del desgarro social producido durante el menemismo. Kirchner logró un proceso exitoso de renegociación de la deuda externa que se encontraba en default desde 2001, inició una política de asistencia social de emergencia para los desempleados, y disfrutó de un rápido empujón fiscal gracias al inicio del boom de las exportaciones agropecuarias. Sumado a esto, Kirchner derogó las leyes de impunidad con respecto a los crímenes de lesa humanidad cometidos durante la última dictadura militar, ganándose la simpatía de todo el progresismo argentino.

Durante los años del kirchnerismo (2003-2015) se produjo una modificación discursiva del peronismo en la que se reconoció la agencia de las organizaciones de desempleados, pero sin actualización programática. En lugar de eso, se volvió a insistir con la misión imposible de construir un «capitalismo popular» donde los trabajadores –empleados y desempleados– y empresarios gozaran de los beneficios del crecimiento económico. El peronismo kirchnerista chocó así contra los mismos obstáculos del peronismo clásico.

Luego de un primer periodo de «contra reformas» que comprendieron la recuperación de empresas públicas y la estatización del sistema privado de jubilaciones y pensiones, los límites del modelo económico basado en la captación estatal de la renta diferencial generada por las exportaciones agropecuarias comenzaron a crujir en 2008, cuando la crisis financiera internacional volvió a modificar la lógica del crecimiento económico a escala global, deteniendo el crecimiento de la economía y reactivando las tensiones distributivas entre el capital y el trabajo. El fin del boom de los precios de las materias primas como producto de la pérdida del dinamismo del crecimiento económico en la República Popular China, recordaron el rol dependiente del capitalismo argentino que se quedó sin muchas herramientas para hacer frente a una crisis en puertas.

Como señaló Adrián Piva, la economía argentina entró desde 2012 en un largo proceso de estancamiento económico con una clara tendencia hacia la crisis. Sin el esplendor de los años anteriores, el kirchnerismo buscó evitar un ajuste ortodoxo que castigara a su base de sustentación, pero sin una alternativa para iniciar un nuevo ciclo de expansión económica. El intento de llevar adelante un ajuste de rostro humano durante la segunda presidencia de Cristina Fernández de Kirchner mediante la «sintonía fina» llevó a una ruptura entre el gobierno y los sindicatos mayoritarios lo que postergó los planes y forzó a continuar con la tendencia de estancamiento. Producto de esto, la coalición kirchnerista continuó con su proceso de desgaste hasta la elección de 2015, cuando se optó por una salida conservadora a la crisis con la candidatura de Daniel Scioli, quien fue derrotado por Mauricio Macri luego de una ciertamente pobre performance electoral en la primera vuelta electoral.

Alberto Fernández e a crise de identidade peronista

Luego del desastre social y económico generado por el gobierno de Mauricio Macri, Alberto Fernández llegó al poder con una coalición que selló la unidad de todos los sectores del peronismo (kirchneristas, no kirchneristas e inclusive antikirchneristas). Con una campaña tanto popular como populista, Fernández sintonizó con el profundo malestar de la sociedad, prometió defender el valor de los salarios revirtiendo las políticas de ajuste sobre los ingresos y renegociar con firmeza la insoportable deuda heredada con el FMI.

Lejos de eso, el gobierno ha incumplido con el mandato electoral que recibió y contradice sus dichos con sus actos de gobiernos. Durante la pandemia, el gobierno de Fernández fue reticente a sostener las políticas extraordinarias de transferencia de ingresos hacia las familias pobres, en un contexto de destrucción del empleo precario, es decir a las capas de trabajadores pobres que no cuentan con ningún resorte de resistencia para evitar su empobrecimiento. El «rebote» de la economía y de los niveles de empleo se produjeron con una profundización de la precariedad, y en medio de una nueva espiral inflacionaria que asesta otro mazazo a los ingresos. Por otro lado, y luego de dos años de idas y vueltas en las que la gestión económica de Martín Guzmán logro poco y nada, el gobierno rechazó todas las posibilidades para investigar el carácter fraudulento del préstamo otorgado por el FMI a la gestión de Mauricio Macri, firmando un Memorándum de Entendimiento (MdE) ruinoso para la economía argentina y de estricto carácter recesivo.

En 2021, con los efectos de la pandemia todavía a flor de piel, el gobierno del Frente de Todos recibió una auténtica paliza electoral en las elecciones de medio término, sufriendo la fuga de cuatro millones de votos en las elecciones primarias, algo que pudo revertir parcialmente en las elecciones generales, consiguiendo una «derrota digna» en las elecciones generales un mes después. Aun así, el golpe a la gestión del Frente de Todos fue certero, abriendo una pelea interna profunda desde lo discursivo, pero vacía tanto en el contenido como en los hechos. La derrota electoral forzó a hacer cambios en el gabinete nacional, aunque sin más efecto que la rotación de los cuadros dirigenciales del peronismo. Inclusive, el recambio de algunas figuras dentro de varios ministerios efectivizó un giro conservador más que un avance de los sectores más progresistas del peronismo, como ocurrió en la Jefatura de Gabinete, y en los ministerios de Seguridad, Producción y Agricultura. Este último, clave en la relación con los sectores ligados a la exportación agropecuaria es hoy directamente controlado por representantes de las patronales agrarias, en un acto pleno de sumisión a la élite económica del país.

A diferencia de lo ocurrido en los años de Menem, esta vez todos los sectores del peronismo se encuentran estructuralmente comprometidos en la administración del gobierno del Estado. Esto alcanza no solo al Partido Justicialista y a las organizaciones kirchneristas, sino a una gama amplia de movimientos sociales y sindicatos, que se mantienen en una costosa pasividad frente a la continuidad de una política económica que sacrifica el valor de los salarios y el poder adquisitivo de la gran mayoría de la población. Esta vez, el peronismo no tiene válvula de escape. A pesar de las declaraciones, los comunicados y las cartas publicadas por referentes kirchnerismo, en particular por la vicepresidenta y su hijo Máximo Kirchner, ex jefe de bloque del Frente de Todos en la Cámara de Diputados, y presidente del PJ de la provincia de Buenos Aires, la unidad se del frente electoral se mantiene a pesar de las «insalvables» diferencias con la gestión económica del presidente Fernández.

Inclusive, esta instancia del peronismo nos ha regalado la imagen patética de diputados que fingieron su voto negativo al acuerdo de Guzmán con el FMI, en un acto inaudito de cinismo. Es probable que el pobre resultado de las elecciones de medio término funcione como un aglutinante del peronismo para conservar la unidad, ante la posibilidad de que una hipotética división genere un daño todavía mayor en todos los distritos electorales y en todas las escalas del Estado. Aun así, y a pesar de todas las estrategias desplegadas, el peronismo se encamina hacia una debacle electoral generada por una incompatibilidad cada vez más amplia entre su paradigma de representación simbólico y su actual forma óntica. Desde una perspectiva ideológica diferente, Juan Carlos Torre se pregunta por el fracaso del gobierno del Frente de Todos y llega a una conclusión similar, catalogando a este proceso en curso como «el 2001 del peronismo».

Para nosotros —por el origen, las características y la profundidad de este proceso— el peronismo se acerca a su pasokización. Esto es el resultado de que, una vez más, el mayor campo de identificación de las clases populares en Argentina revela su carácter de «cadáver insepulto», ya que no hay ningún sector del peronismo que ofrezca a la sociedad una alternativa clara al rol de sumisión y dependencia que la argentina cumple en el concierto del capitalismo global. Inclusive desde el kirchnerismo, y a través de la vicepresidenta, se sigue con alegando una y otra vez a la voluntad del peronismo para reeditar la fantasía de un capitalismo popular donde trabajadores y capitalistas ganen por igual. La reedición del mito jamás logrado por el peronismo clásico deviene tanto anacrónico como incompatible con la realidad objetiva. No hay en Argentina ninguna fuerza social comprometida con ese tipo de empresa.

El peronismo, más allá de funcionar como una herramienta electoral de bloqueo para las pretensiones de la derecha de consolidar su rol al frente del aparato de Estado, ofrece una y otra vez algo con lo que no puede cumplir. Aquí hace falta volver a ser claro: el rol de Argentina dentro del orden global capitalista radica en convertirse en un productor de recursos primarios producto de la actividad minería, la extracción de gas y petróleo, y la producción de granos y cereales, a lo que se puede agregar a lo sumo el rubro de la producción de los servicios digitales. Un orden socioeconómico en el que solo entramos, con suerte, un tercio de quienes habitamos en Argentina.

Torcer ese lúgubre destino requeriría de un amplio movimiento de reivindicación de la dignidad nacional, que contradiga las presiones del sistema financiero internacional que se ejercer mediante el eterna espiral de la deuda y la presión constante del FMI, a los designios del imperialismo para la región y de los sectores locales que se encuentran plenamente integrados a las cadenas internacionales de producción de valor. El peronismo no está interesado en esa empresa, y al apostar a todo o nada por la construcción de un capitalismo «de rostro humano» en un contexto en el que esa vía está completamente clausurada, su carácter históricamente agotado sale inexcusablemente a flote.

La caída de Martín Guzmán, el ministro de economía y la estrella del gabinete de Alberto Fernández, y su reemplazo por Silvina Batakis debe leerse en ese mismo sentido. Un cambio estético y discursivo, más que sustancial. Por eso, no es de sorprenderse que menos de veinticuatro horas se haya diluido la probada heterodoxia de la flamante ministra, en un discurso que pareció mucho más un pliego de rendición ante los mercados que el inicio de un camino alternativo para el destino de la Argentina.

El recambio en el ministerio de economía muestra la confirmación de una nueva forma de estatalidad en Argentina, lo que Wolfgang Streeck llamó el Estado de Consolidación, es decir la concentración de toda la actividad del Estado para asegurar el repago de la deuda externa mediante las políticas de ajuste fiscal y presupuestario, cueste lo que cueste y caiga quien caiga. Esta etapa de estatalidad en Argentina había comenzado con Mauricio Macri, y se consolidó con el gobierno de Alberto Fernández cuando el cambio de signo político no coincidió con una transformación en esa perspectiva. Todo indica que el próximo gobierno será un capítulo más de esa fase de estatalidad ligada al endeudamiento externo crónico.

Por otro lado, que el peronismo —y también parte de la oposición— pueda leerse como un «cadáver insepulto» no significa su desaparición del panorama político argentino. Mientras los sectores populares no cuenten con una herramienta política capaz de enfrentar el avance de la ofensiva contra sus intereses, puede recaer una y otra vez en optar por la opción que interprete como «menos dañina». Obviamente, esa estrategia tiene un límite claro, y probablemente lo estamos viendo ahora mismo. Que estemos ante la competencia de fuerzas políticas agotadas explica en buena medida por qué Argentina se encuentra en una situación de estancamiento crónico, en un proceso de decadencia social que lleva, al menos, desde mediados de la década de los 70.

Por otro lado, contra todo excepcionalismo, este tampoco es un fenómeno únicamente argentino. El PRI mexicano se convirtió en un cadáver insepulto desde la presidencia de Carlos Salinas de Gortari. El APRA peruano se transformó en un cadáver insepulto desde la primera presidencia de Alana García y se arrastró por décadas el sistema político peruano hasta su desaparición de hecho. El peronismo, el PRI y el APRA fueron enormes movimientos populares marcaron un sentido de época, fueron un canal para la consecución de conquistas obreras y mejoras objetivas en las condiciones de vida de las mayorías, pero, cada una a su tiempo, terminaron por agotarse.

Puede parecer paradójico, pero lo más probable es que, hasta este momento, sean los sectores más radicalizados de la ultraderecha los únicos que se encuentran plenamente adaptados a la realidad histórica del país, adoptando abiertamente la postura de los sectores más dinámicos de las élites agroexportadoras que presionan por un rediseño de la sociedad argentina a costa de los derechos colectivos de los trabajadores, mediante una reforma laboral, fiscal y previsional.

Si frente a esta ofensiva, que también está siendo recogida por un sector cada vez más amplio de la derecha mayoritaria, la única estrategia de contención que disponemos es rogar clemencia, estamos en serios problemas. Construir una alternativa real costará sangre, sudor y lágrimas. Que valga la pena.

Colaborador

Cientista político (UBA), Mestre em Estudos Internacionais (UTDT) e bolsista de doutorado CONICET na área de teoria política. Fundador da Revista Espartaco.

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