3 de julho de 2022

Como os teóricos latino-americanos da CEPAL mudaram nossa compreensão do "Terceiro Mundo"

Em meados do século 20, teóricos afiliados à Comissão para a América Latina e o Caribe defendiam uma divisão internacional entre o "centro" e a "periferia" do mundo — termos usados pelos latino-americanos para explicar e combater a exploração.

Margarita Fajardo  

Jacobin


Vista geral da inauguração da 37ª sessão da CEPAL em 8 de maio de 2018 em Havana, Cuba. (Yamil Lage/AFP via Getty Images)

Em 1948, as Nações Unidas criaram a Comissão para a América Latina e o Caribe (CEPAL na sigla em espanhol) para apoiar a região após a Segunda Guerra Mundial. Suas principais figuras desenvolveram as noções de “centro” e “periferia” para explicar a divisão internacional do trabalho e a posição dos países do “Terceiro Mundo” na economia global. Essa teoria rapidamente se espalhou pela América Latina e pelo mundo, inspirando intelectuais da classe trabalhadora e de esquerda a desenvolver a teoria da dependência, a teoria dos sistemas mundiais e muito mais.

Para o podcast da Jacobin Radio The Dig, Daniel Denvir conversou com Margarita Fajardo, professora do Sarah Lawrence College e autora de The World That Latin America Created: The United Nations Economic Commission for Latin America in the Development Era, para discutir as origens da CEPAL, a mudança política de seus intelectuais e sua influência sobre outros teóricos em todo o mundo. Você pode ouvir o episódio aqui. Esta transcrição foi editada por motivos de extensão e clareza.

Daniel Denvir

O economista argentino Raúl Prebisch desenvolveu dois insights que moldaram a CEPAL. A primeira era que a economia global estava dividida entre o "centro" e a "periferia". A segunda era commoditie primária — economias exportadoras da periferia enfrentava termos de troca em desvantagem com as economias industrializadas do centro. Explique esses dois insights inter-relacionados.

Margarita Fajardo

"Centro" e “periferia” referem-se à desigualdade global que surgiu da divisão internacional do trabalho. A periferia produzia commodities, matérias-primas, produtos agrícolas e produtos da mineração para o centro industrial mundial, que fabricava bens de capital que a periferia comprava.

A relação centro-periferia tornou-se um obstáculo para o desenvolvimento econômico quando os preços dos produtos primários ou commodities caíram no longo prazo em relação aos preços dos manufaturados. Isso colocou em questão a crença nas vantagens da especialização no comércio internacional – o próprio princípio do liberalismo [econômico] do século XIX. Na prática, também significava que as rendas dos países da periferia da América Latina, África ou Ásia não seriam capazes de alcançar as dos países do centro.

Daniel Denvir

Centro e periferia soam como conceitos marxistas familiares agora, mas Prebisch desenvolveu essas ideias enquanto trabalhava para a La Sociedad Rural Argentina, a associação dos maiores exportadores agrícolas do país, e o governo autoritário da Argentina como seu banqueiro central. Enquanto isso, os marxistas na América Latina estavam mais interessados em estudar as estruturas feudais e a economia doméstica.

Onde Prebisch se encaixou na economia e na intelectualidade, e em que ele se baseou para desenvolver sua análise?


Margarita Fajardo

Embora Prebisch fosse um professor, ele não era realmente um acadêmico. Ele era um economista que trabalhava nos problemas práticos de um formulador de políticas. Ele primeiro usou as noções de centro e periferia para se referir a como o dinheiro entrava e saía da periferia durante os ciclos capitalistas. Era um conceito limitado que nada tinha a ver com o marxismo. Mas, nesse contexto inicial de revisão, ele poderia ter sido exposto a termos ou ideias marxistas, mesmo que não o influenciassem.

A teoria da dependência, que surgiu na década de 1960 e início dos anos 1970, argumentou que algumas das ideias de Prebisch estavam explicitamente conectadas ao marxismo. Mas há debates sobre se a teoria da dependência é mesmo marxista que persistem até hoje.

Daniel Denvir

Os participantes da CEPAL, cepalinos, acreditavam que a solução para a desvantagem estrutural arraigada das economias periféricas era o comércio e a ajuda do centro. Essa solução, você escreve, equivalia ao “paradoxo do desenvolvimento da periferia: a necessidade de mais comércio e ajuda para resistir à dependência de longo prazo do comércio e da ajuda”. Por que os cepalinos achavam que o comércio com o centro resolveria os problemas causados ​​pelo comércio com o centro, e que papel eles achavam que a ajuda desempenhava para romper o paradoxo do desenvolvimento?

Margarita Fajardo

Primeiro, para definir o paradoxo do desenvolvimento, os cepalinos pensavam que a industrialização no longo prazo protegeria as economias das vulnerabilidades do comércio. Ao fazê-lo, transformaria a relação centro-periferia e a economia global. Mas, no curto prazo, a industrialização exigia maiores quantidades de divisas: bens mais caros, como máquinas mais sofisticadas, seriam necessários para acompanhar a industrialização e produzir bens mais sofisticados. Portanto, você teria que negociar ainda mais para continuar com o processo de industrialização.

Este é o paradoxo: o que o ajuda a resolver seu problema realmente cria e aprofunda o problema que você está tentando resolver. Cepalinos achava que os acordos de comércio de commodities, mecanismos de estabilização de preços ou ajuda poderiam compensar isso, preenchendo a lacuna entre a necessidade cada vez maior de importações e o valor cada vez menor das exportações em termos de preços e volume. Para resolver o paradoxo do desenvolvimento, eles propuseram melhores termos de troca que servissem aos interesses das nações periféricas como mecanismo compensatório.

Daniel Denvir

A CEPAL foi estabelecida no Chile como agência das Nações Unidas em 1948. Como a América Latina estabeleceu um órgão regionalmente específico dentro da ONU? A que necessidade percebida estava respondendo dentro da nova instituição política internacional, e por que as grandes potências concordaram com ela?

Margarita Fajardo

Representantes latino-americanos viram um espaço se abrindo onde não havia. Comissões regionais foram estabelecidas para regiões devastadas pela guerra, como Europa e Ásia. Os líderes justificaram o desvio do discurso internacionalista da ONU e a adoção de organizações regionais dentro da instituição porque havia uma emergência e uma necessidade urgente de reconstrução.

Um diplomata chileno viu essas comissões e pensou que elas poderiam servir de precedente institucional para defender uma organização semelhante para a América Latina. Assim, eles solicitaram uma organização para a América Latina com base na premissa de que a América Latina havia sofrido, enfrentado dificuldades econômicas criadas pela guerra e participado do esforço de guerra fornecendo commodities e produtos essenciais a baixo custo.

Quando o FMI [Fundo Monetário Internacional] e o Banco Mundial foram criados, era para existir uma terceira organização internacional: a Organização Internacional do Comércio (ITO). Essa organização nunca se concretizou e a CEPAL começou a preencher esse vácuo. Tornou-se um local para discussões sobre o papel do comércio internacional no desenvolvimento e na ordem econômica.

Daniel Denvir

Ao lado do Chile, a CEPAL também se enraizou no Brasil. Celso Furtado, jovem economista, influenciou o governo desenvolvimentista de Getúlio Vargas. Como as ideias cepalinas ganharam tanta influência no Brasil, e o que os cepalinos conseguiram com essa influência?

Margarita Fajardo

Sua influência no Brasil surgiu do trabalho em rede e de construção institucional dos intelectuais. [Furtado] trouxe ideias de cepalinos para o Brasil e as tornou parte das instituições de desenvolvimento do estado por meio de seus papéis na formulação de políticas.

Também havia demanda por ideias cepalinas. Há quem diga que este foi o momento do nacionalismo econômico e que a CEPAL adquiriu muita influência porque legitimava os processos de industrialização em curso. Isso é verdade, mas apenas parte da resposta. Não se tratava apenas de industrialização.

Em vez disso, a ideia de que cooperação, melhores acordos comerciais e ajuda eram necessários além da industrialização atraiu os formuladores de políticas. A preocupação de cepalinos com os efeitos de longo prazo do comércio internacional sobre o desenvolvimento e os efeitos de curto prazo, que podemos ver pelo interesse pela inflação e por ter divisas suficientes para resolver o paradoxo do desenvolvimento, repercutiu no Brasil.

Daniel Denvir

O Fórum Econômico da Organização dos Estados Americanos (OEA) ocorreu no Brasil em 1954. Cepalinos apresentaram uma proposta desenvolvimentista abrangente para a América Latina, que incluía preços e mercados garantidos para as exportações latino-americanas no centro, desenvolvimento econômico nos países periféricos por meio da industrialização por substituição de importações e novos critérios de empréstimo para o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento e o Banco de Exportação-Importação. Você escreve: “Enquanto as organizações internacionais de desenvolvimento entendiam a estabilidade monetária como um pré-requisito para os empréstimos, os cepalinos insistiam que os empréstimos eram necessários para a estabilidade monetária”.

A CEPAL conquistou a maioria dos representantes de toda a América Latina, mas o governo [Dwight] Eisenhower bloqueou sua proposta. Quais eram as apostas desse fórum e por que os EUA se opuseram ao que a CEPAL estava apresentando? Quais foram as consequências da oposição dos EUA?

Margarita Fajardo

A conferência foi a festa de debutante da CEPAL. Eles não fizeram apenas sugestões fragmentadas; eles propuseram um plano abrangente, que eles apresentaram como uma plataforma de desenvolvimento.

A conferência também mostrou o confronto entre a OEA e a CEPAL. A OEA tinha um Conselho Econômico e Social Interamericano. Quando a CEPAL foi criada, alguns formuladores de políticas dos Estados Unidos e representantes da ONU argumentaram que esse conselho tornava a CEPAL irrelevante. Disseram que não havia necessidade de criar outra instituição que tivesse um mandato econômico para a região porque já existia. A reunião da OEA de 1954 foi um teste em relação a conflito. De muitas maneiras, a CEPAL venceu a partida: assumiu a organização do encontro e conseguiu definir a pauta da discussão.

Os EUA bloqueando a iniciativa não mudou muita coisa porque era o esperado. Houve sinais de mudança na política dos EUA por meio de vazamentos e anúncios prévios.

Daniel Denvir

Em outras palavras, o mais importante foi que a CEPAL começou a vencer a batalha pelas ideias na América Latina.

Margarita Fajardo

Sim, é por isso que a conferência foi importante, independentemente da posição dos EUA. Mas os cepalinos esperavam que os EUA assumissem o papel que aspiravam a ter, e a batalha para tentar fazer com que o “centro” cooperasse da forma que os cepalinos achavam que havia prometido fazer quando se estabeleceu como potência hegemônica continuou por mais quatro décadas.

Daniel Denvir

Enquanto a CEPAL esperava a cooperação dos Estados Unidos, ela buscou cooperação e integração regional, começando com a integração econômica da América Central liderada por El Salvador e uma união de pagamentos que resolveria o problema do limite de moeda forte dos governos latino-americanos.

Mas você escreve que a integração regional esbarrou na “contradição não resolvida das relações comerciais desiguais entre centros e periferias dentro de determinados países latino-americanos”. Então, o FMI bloqueou a união de pagamentos proposta, insistindo que ele poderia e deveria fazer o que fosse necessário. Que promessa a integração regional trazia para os cepalinos?

Margarita Fajardo

Cepalinos falavam em aproveitar as economias de escala. Os mercados nacionais eram muito restritos e pequenos para chegar aos níveis mais difíceis de industrialização. Assim, os cepalinos acreditavam que a integração regional poderia permitir isso.

Muitos formuladores de políticas observaram que as [economias] bem-sucedidas tinham um tamanho continental, olhando especificamente para a Europa e a industrialização dos EUA. Aplica-se à União Soviética da mesma forma. Cepalinos pensaram: “O tamanho importa e precisamos de mercados maiores para nossos produtos”.

Daniel Denvir

Além disso, os países latino-americanos não tinham muitas relações comerciais entre si na época.

Margarita Fajardo

Não tinham em meados do século XX. Isso mudou no século XXI, mas na época era importante para eles estabelecer essas relações comerciais e acordos de troca que pudessem contornar a necessidade de moeda forte. Se eles pudessem negociar uns com os outros sem usar moeda forte, então moeda forte poderia ser economizada para futuros projetos de desenvolvimento, e eles poderiam investir em máquinas ou bens de capital mais caros.

Daniel Denvir

Mas neste ponto, a cooperação do centro não estava acontecendo e a integração regional também não estava funcionando. Prebisch e outros cepalinos estavam ficando frustrados?

Margarita Fajardo

Todo o projeto deles começou com frustração. Quando os cepalinos iniciaram seu projeto, os caminhos de desenvolvimento de muitos grandes países latino-americanos, como Chile, Brasil, México e Argentina, passavam da fase fácil para a fase difícil da industrialização. Por isso a cooperação era crucial neste momento: eles precisavam dar o salto para o outro estágio. Mas as mudanças que eles achavam que precisavam acontecer rapidamente não estavam acontecendo.

Apesar da frustração, eles continuaram trabalhando no mesmo projeto por décadas. Então eles ainda tinham esperança de que poderiam transformar essas economias.

Daniel Denvir

Os cepalinos inicialmente vitam o FMI com otimismo como uma entidade global keynesiana, mas as duas instituições logo entraram em conflito em torno da questão da inflação. Os cepalinos articularam uma perspectiva estrutural da inflação, identificando suas raízes como termos de troca desiguais e posse de terra desigual. O FMI, por outro lado, culpou o aumento dos salários pelo aumento dos preços e insistiu que a austeridade era a única solução. Em resposta, os cepalinos acusaram os líderes do FMI de serem monetaristas.

Como esse conflito entre a CEPAL e o FMI sobre a inflação surgiu na década de 1950? Quais eram as apostas políticas de suas diferentes interpretações?

Margarita Fajardo

Argumento que o conflito começou como uma batalha por poder e influência antes de se tornar ideológico. O FMI deu um passo ao lado da integração europeia porque o Plano Marshall veio e fez da integração europeia um processo de relações bilaterais com os EUA e não parte do internacionalismo do FMI. Assim, os países em desenvolvimento tornaram-se os clientes mais importantes do FMI, e a América Latina tornou-se um campo de batalha para a CEPAL porque estava no âmbito do FMI.

As duas instituições tentavam se afirmar na América Latina. Eles lutaram sobre qual era o escopo apropriado para cada instituição. A CEPAL poderia fazer propostas, como a união de pagamentos monetários que fizeram em meados da década de 1950, ou isso invadiria o âmbito do FMI? O que estava em jogo nessas batalhas institucionais era que elas definiam a relação entre inflação e crescimento.

Daniel Denvir

Ironicamente, Prebisch era um monetarista e tinha uma visão de mundo conservadora. O que aconteceu na década de 1950 para levar esse conflito sobre a inflação ao auge no Chile, e como esse conflito impulsionou a CEPAL para a esquerda – o lado de uma classe trabalhadora cada vez mais organizada e contra a linha teórica e política de Prebisch?

Margarita Fajardo

Nas décadas de 1940 e 1950, o Chile manteve um alto nível de inflação, o que aumentou o custo de vida. Os cepalinos contestaram a incursão de outros especialistas na arena chilena e perguntaram: “Como podemos ter a sede da CEPAL aqui sem sermos os que lideram a discussão em torno da inflação?” Esses cepalinos queriam ser atores importantes na definição da inflação na arena da política econômica.

O que se tornou a abordagem cepalina da inflação começou como uma divisão entre os cepalinos. Prebisch era uma figura de destaque, e outros cepalinos começaram a contestar suas posições, especialmente sua decisão de trabalhar para o regime autoritário na Argentina. Eles também começaram a pensar que poderia haver outras maneiras de explicar a inflação que não se relacionassem com a quantidade de dinheiro e voltassem às premissas do projeto cepalino: a posição da América Latina na periferia e a divisão internacional do trabalho.

Prebisch culpou os aumentos salariais pelo aumento da inflação. Este não era um entendimento monetarista; era o entendimento dominante e a ideia keynesiana predominante sobre a inflação na época. Mas os cepalinos avançaram com uma abordagem estrutural da inflação. Eles disseram que o primeiro motor da inflação era o atraso nos setores agrícolas, que não produziam alimentos suficientes para alimentar a população. O segundo fator era o impacto de estar na periferia; a volatilidade entrou na economia por meio do câmbio, o que gerou inflação.

Essa abordagem estrutural foi inicialmente uma posição holística e intermediária e um retorno aos principais princípios cepalinos. Mas os efeitos da abordagem no final dos anos 1950 e início dos anos 60 no Chile e no Brasil radicalizaram o que a abordagem estrutural significava. À medida que as pessoas começaram a usar as ideias cepalinas contra os planos de estabilização, a abordagem estrutural da inflação as colocou na esquerda política. Mas também havia forças que os puxavam para a direita. Os cepalinos navegavam na arena polarizada da América Latina e foram transformados por ela.

Daniel Denvir

As coisas só ficaram mais desconfortáveis para a CEPAL no início da Revolução Cubana, que foi tanto um produto quanto uma causa de uma renovada polarização na América Latina. Criou um novo pólo de esquerda para a política na América Latina na década de 1960. Os EUA inicialmente prometeram responder liderando um esforço maciço de reforma em toda a região por meio da Aliança para o Progresso de JFK [John F. Kennedy].

Você escreve: “Embora ideologicamente a quilômetros de distância, tanto a Revolução Cubana quanto a Aliança para o Progresso representaram para os cepalinos a culminação de seu projeto”. Como esses diferentes projetos inicialmente falaram, refletiram ou até cresceram a partir da crítica da CEPAL?

Margarita Fajardo

A estrutura centro-periferia era uma ideia poderosa que poderia ser levada em muitas direções. Ambos reuniram economistas no coletivo que chamamos de cepalinos e criaram caminhos para diferentes projetos políticos. Esses projetos, apesar de suas diferentes direções, subscreveram as noções de centro e periferia e se referiram a seus projetos nesses termos.

A Aliança para o Progresso e a Revolução Cubana simbolizam a divergência dos cepalinos. Em jogo com ambos os projetos está a crença de que ambos serão capazes de transformar a relação entre o centro e a periferia e a desigualdade global, seja por meio da cooperação, por um lado, ou rompendo com ela, por outro, como na Revolução Cubana.

Daniel Denvir

Você escreve que, graças ao domínio do King Sugar, “Cuba representou o exemplo por excelência da relação perversa entre centro e periferia que os cepalinos denunciaram”. Os cepalinos inicialmente desempenharam um papel importante na revolução: eles escreveram seu manifesto econômico e criaram a agência de planejamento do governo revolucionário.

Mas, em última análise, a CEPAL se dividiu por causa da revolução. Como instituição, retirou-se quando a revolução se tornou explicitamente comunista. Quão substantivamente a CEPAL moldou a trajetória inicial da revolução e, então, quais foram as consequências para a CEPAL quando rompeu com a revolução?

Margarita Fajardo

Ouvimos muito sobre o interesse dos intelectuais pela revolução, mas eles não tiveram tanto papel quanto os cepalinos. O manifesto econômico que os cepalinos formuloaram definiu os objetivos da revolução e definiu seu caminho na linha das ideias cepalinas: a transformação da relação entre Cuba e os Estados Unidos, a redução da dependência de Cuba do açúcar, a promoção da industrialização e e um afastamento da agricultura apenas.

Nesse manifesto, eles também imaginaram um papel para os cepalinos na revolução. Cuba queria que a CEPAL ajudasse a criar seu plano de desenvolvimento, por isso convidou cepalinos para treinar economistas em Cuba e planejar técnicas. Nos estágios iniciais da revolução cubana, a classe média e os profissionais estavam fugindo da ilha, então precisavam treinar a nova geração. Cuba também nomeou uma cepalina, Regina Botha, como Ministra da Economia.

A CEPAL, como instituição, enviou uma missão a Cuba, mas foi abortada antes do que o governo cubano desejava. Os países latino-americanos estavam debatendo se deveriam apoiar o direito de Cuba à autodeterminação ou se posicionar contra o comunismo, que muitos líderes temiam que pudesse dominar o resto da região. A decisão de Prebisch de retirar a missão cepalina de Cuba antes de terminar foi interpretada como um posicionamento da CEPAL contra Cuba.

Esse recuo institucional fez com que a esquerda intelectual pensasse que a CEPAL não era mais a voz da periferia e, em sua tentativa de enfrentar a desigualdade global, não estava agindo inteiramente de acordo com seus ideais.

Daniel Denvir

Em 1961, Prebisch, Furtado e outros cepalinos abraçaram a Aliança para o Progresso de JFK, que foi uma resposta reformista à Revolução Cubana. Parecia ser a cooperação do “centro” que a CEPAL estava esperando. JFK reuniu-se com Prebisch e pediu que a CEPAL trabalhasse com a OEA para ajudar cada país a fazer planos de desenvolvimento. Mas isso foi complicado pela Baía dos Porcos, que aconteceu um mês após o anúncio da Aliança para o Progresso e escandalizou os governos latino-americanos. Em seguida, Prebisch e Furtado foram ambos afastados. O programa prometido nunca foi implementado.

Como surgiu a lacuna entre as ambições da Aliança para o Progresso e sua triste realidade? Como o fracasso da Aliança e a oposição entre projetos revolucionários e contrarrevolucionários impactaram a CEPAL?

Margarita Fajardo

Até que ponto a Aliança para o Progresso falhou em seus estágios iniciais é uma questão. A aliança inspirou projetos cepalinos, incluindo projetos habitacionais no Chile, Colômbia e outros países. Mas, apesar dos projetos que inspirou e de seu financiamento, a lacuna entre o que poderia fazer e o que esperava fazer ficou clara desde o início.

Uma das razões pelas quais a Aliança para o Progresso fracassou é que foi uma ferramenta política; seus objetivos econômicos foram desviados e despriorizados. As pessoas perderam a fé rapidamente porque era claramente uma resposta à revolução.

Houve outros que estavam preocupados com as consequências da revolução, mas também ficaram rapidamente desapontados porque as ambições da Aliança para o Progresso não se traduziram em ação. Isso foi em parte por causa de sua burocracia. Também havia falta de clareza sobre como implementar seus planos. Deveria exigir que os países tivessem planos de desenvolvimento? Havia vontade política interna para fazê-los acontecer? Muitos daqueles que [inicialmente] se envolveram se afastaram porque era claramente uma forma de influenciar as políticas domésticas.

Daniel Denvir

A CEPAL perdeu seu senso de direção e legitimidade em meio ao que você chama de “fiascos gêmeos” de sua relação com a Aliança para o Progresso e a Revolução Cubana, e esse contexto ajudou a facilitar o surgimento da teoria da dependência. Você escreve que a teoria da dependência foi inicialmente desenvolvida no Brasil nos anos que antecederam o golpe de 1964 por dois círculos distintos de intelectuais: os paulistas em São Paulo, que incluía o futuro presidente neoliberal Fernando Henrique Cardoso, e o grupo de Brasília, que incluía o acadêmico alemão André Gunder Frank.

Os dependentistas tomaram como ponto de partida o conceito de centro e periferia da CEPAL, mas rejeitaram a noção de que o paradoxo do desenvolvimento era um paradoxo. Em vez disso, eles pensaram que o desenvolvimento poderia acompanhar a dependência, ou poderia até subdesenvolver a periferia. Por que isso aconteceu no Brasil e quais foram as diferenças entre a versão da teoria da dependência desses dois grupos?

Margarita Fajardo

Os dependentistas surgiram em parte como reação às ideias de desenvolvimento de Furtado. Os dois círculos intelectuais não eram totalmente independentes um do outro: havia muitos pontos de contato e contestação entre eles. Mas eles representavam dois projetos intelectuais diferentes.

São Paulo foi o local da industrialização, arquitetura modernista e arte no Brasil. Em contrapartida, desde sua formação, Brasília planejava reconceituar o território brasileiro e deslocá-lo dos centros de poder que se localizavam no sudeste, onde se localiza São Paulo. Os dois círculos intelectuais representavam as ideias que vinham de localidades específicas e explicavam as trajetórias futuras do Brasil. Seu surgimento de diferentes posições no Brasil moldou as vertentes da teoria da dependência que se desenvolveram nos anos 1960 e início dos anos 1970.

Daniel Denvir

Cardoso argumentou que "os cepalinos falharam 'em sequer colocar a questão de como e por que os empresários brasileiros, em um país inserido na economia global como produtor de matérias-primas e produtos primários, lutariam pela autonomia nacional". Na avaliação dos interesses da burguesia nacional, os cepalinos — segundo os independentistas — deixaram de considerar a dinâmica doméstica, política e econômica dos países da periferia, inclusive quem possuía e controlava os meios de produção. Os cepalinos também ignoraram, portanto, que a dependência poderia se aprofundar junto com o desenvolvimento.

Por que os primeiros cepalinos tinham uma visão otimista da burguesia nacional e qual era a crítica da teoria da dependência ao papel que a CEPAL havia atribuído à burguesia nacional?

Margarita Fajardo

Os cepalinos vislumbraram a burguesia como a classe dirigente no processo de desenvolvimento. Sua visão de desenvolvimento estava enraizada na ideia de que a nação e as relações entre as nações eram os espaços de desenvolvimento. Em vez disso, os dependentistas pensaram no papel transnacional do capital e argumentaram que os vínculos do capital entre as nações os uniam a todos.

O otimismo dos cepalinos no poder da burguesia nacional também surgiu de sua falta de atenção às estruturas internas de poder emergentes e às relações de classe. Eles acreditavam que o Estado poderia atuar como um árbitro — uma personificação das diferentes classes e seus interesses — que poderia orientar a burguesia.

Daniel Denvir

Gunder Frank argumentou que o problema do desenvolvimento se originou antes da divisão internacional do trabalho do século XIX. Em vez disso, ele sustentou que começou com as conquistas espanholas e portuguesas. Por que ele argumentou isso e o que estava em jogo no debate sobre as origens da dinâmica centro-periferia?

Margarita Fajardo

Gunder Frank criticou os cepalinos por procurarem as origens da desigualdade entre “centro” e “periferia” em um desvio da norma do desenvolvimento capitalista, que eles pensavam trazer benefícios para todos os participantes do comércio. Em vez disso, ele disse que a origem do problema estava embutida no próprio capitalismo. Essa crítica se conecta à questão das origens do capitalismo e quais elementos utilizamos para identificar suas origens.

Permanecem debates sobre [a natureza da] economia mundial centrada no euro do início da era moderna. Alguns pensam que dificilmente podemos dizer que a América Latina era periférica no início da era moderna; foi o centro da era do capitalismo prateado. Produzia matérias-primas para se inserir na economia global, mas também era vital, não apenas periférica, para o funcionamento da economia mundial.

Sua crítica também se cruzou com debates sobre se a América Latina era feudal ou capitalista na era colonial e se seus obstáculos ao desenvolvimento eram legados desse modo de produção feudal ou, em vez disso, vinculados a problemas mundiais mais estruturais e sistêmicos, como propuseram os cepalinos.

Daniel Denvir

Décadas de revolução colocaram teóricos da dependência, dependedistas e cepalinos em movimento. Muitos teóricos da dependência brasileiros se mudaram para o Chile após o golpe de 1964 no Brasil. Você escreve: "Foi a migração das ideias de dependência do Brasil para o Chile, em um momento em que as forças militares destituíram o presidente no primeiro e as forças de esquerda vislumbravam uma transição para o socialismo no segundo, que transformou a 'teoria da dependência' em um movimento político radical na América Latina e no mundo".

Como o exílio dos teóricos da dependência do Brasil e o movimento de suas sedes para o Chile impactaram a teoria da dependência e expandiram a residência cepalina tanto no Chile quanto em toda a região?

Margarita Fajardo

Primeiro, a transição para o Chile reuniu os dependentistas brasileiros. Essa reunificação fez com que suas diferentes ideias passassem a ser entendidas no conjunto como teoria da dependência, embora muitos deles contestassem a ideia de uma teoria unificada ou de que todos fizessem parte do mesmo projeto.

Em segundo lugar, o movimento no Chile, onde as ciências sociais foram politizadas, fez com que os brasileiros tivessem que se colocar em algum lugar no cenário político e se alinhar com projetos que lutavam por posições particulares. O mapeamento de grupos de dependência em instituições acadêmicas que tinham filiações políticas politizou a teoria da dependência; muitos dependentistas moveram-se ainda mais para a esquerda.

Esses dois elementos tiveram um impacto no resto do mundo. Depois que os dependentistas se mudaram do Brasil para o Chile com o golpe e se uniram, o golpe militar chileno novamente espalhou os dependentistas e outros cientistas sociais que haviam cultivado essas ideias em todo o mundo. Simultaneamente, cientistas sociais e intelectuais de todo o mundo prestaram cada vez mais atenção aos eventos no Chile sob [Salvador Allende] e, mais tarde, ao golpe. Essas mudanças no cenário político explicam o interesse e a influência das ideias da dependência na região e no mundo.

Daniel Denvir

O livro de Gunder Frank, The Development of Underdevelopment, tornou-se o ponto de referência global para a teoria da dependência. Isso, você escreve, irritou os dependentes latino-americanos. Até que ponto sua crítica a uma teoria latino-americana se tornava conhecida através do trabalho de um estrangeiroo? E em que medida foi mais um pretexto para a crítica política de Cardoso?

Margarita Fajardo

Houve momentos em que a versão da teoria da dependência de Gunder Frank prevaleceu sobre outras e em que cada grupo de teóricos se queixou de que o outro ocupava mais espaço. Gunder Frank não [reclamou] tanto quanto Cardoso. Quando a revolução parecia possível, muitos estavam preocupados que Gunder Frank estivesse representando as ideias latino-americanas. Mas quando a possibilidade de revolução desapareceu nos anos 70 e 80, a versão de Cardoso da teoria da dependência ganhou destaque. Portanto, ambas as suas sugestões são verdadeiras.

Na primeira década [após a publicação do livro], Gunder Frank foi definitivamente o ponto de referência. Mas como outros descobriram a origem da ideia, eles também citaram e citaram dependentes na América Latina. Acho que é válido criticar Gunder Frank por sua simplificação excessiva de ideias e determinação excessiva de resultados históricos. Mas, por causa de sua extensa rede, ele também ajudou outros intelectuais da América Latina a se tornarem conhecidos. Ele estava em contato com centros acadêmicos ao redor do mundo que outros também não tinham. O fato de sua obra ter sido traduzida para o inglês também contribuiu para essa conexão.

Daniel Denvir

Prebisch finalmente deixou a CEPAL para liderar a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) após sua criação em 1964. Você escreve que, de muitas maneiras, foi sua resposta à expansão teoria da dependência. O que a UNCTAD foi criada para fazer e como foi uma resposta à teoria da dependência?

Margarita Fajardo

A UNCTAD foi criada para resolver os problemas que o comércio internacional criou em torno do desenvolvimento para “as periferias”. Reuniu as periferias do mundo na Ásia, África e América Latina, para discutir questões de comércio internacional, embora essas periferias muitas vezes competissem entre si no mercado.

Foi o mecanismo pelo qual Prebisch poderia levar a plataforma de desenvolvimento da CEPAL da década de 1950 ao nível global. A UNCTAD se inspirou no potencial de acordos de commodities que poderiam incluir cotas para determinados produtos, a redução do protecionismo do centro para a periferia e a criação de estoques amortecedores que pudessem evitar flutuações no comércio e fornecer dinheiro para o balanço de pagamentos.

A UNCTAD foi uma resposta porque era a maneira de Prebisch dizer que suas ideias eram válidas e podiam fazer mais do que a CEPAL tinha sido capaz de fazer. Este foi um momento em que a CEPAL foi criticada por sua falta de compreensão do problema do desenvolvimento e pela falta de resultados que suas ideias produziram. Prebisch achava que a CEPAL havia perdido legitimidade entre a esquerda intelectual. Aos seus olhos, os novatos falavam em termos de exploração e dependência, mas ele queria reafirmar suas questões centrais.

Daniel Denvir

O poder e a influência dos dependentistas no Chile foram esmagados ao lado do governo da unidade popular com o golpe militar de [Augusto] Pinochet em 1973. Enquanto isso, no Brasil, Cardoso tornou-se o principal oponente intelectual do regime militar, mas não como um esquerdista radical. Em vez disso, ele entrou no principal partido da oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e liderou uma oposição liberal ao autoritarismo. Então, após a transição do Brasil para a democracia, ele serviu dois mandatos como presidente neoliberal na década de 1990. Como entendemos a trajetória de Cardoso?

Margarita Fajardo

Cardoso foi um crítico do estado desenvolvimentista desde o início. Ele criticou os cepalinos por sua crença no poder desenvolvimentista do Estado, o poder da burguesia e sua conceituação da nação e da relação entre as nações como o espaço para o desenvolvimento.

Ele ainda pensava nessa linha sob o regime militar, já que era altamente desenvolvimentista. Nos primeiros anos, avançou com ideias monetaristas, mas logo se desviou para continuar a vocação desenvolvimentista do Brasil. Assim, a posição de Cardoso contra esse regime era também uma posição contra o estado desenvolvimentista. Quando pensamos nesses termos, podemos ver sua continuidade com os acontecimentos da era neoliberal dos anos 1990, durante a qual foi presidente.

Na época em que Cardoso começou a se opor ao regime militar, ele ainda se caracterizaria como de esquerda. A esquerda foi amplamente definida para incluir qualquer um que se opusesse à ditadura militar; o termo tinha que ser amplo sob [regime] autoritário. Provavelmente ele foi considerado um membro da esquerda até o início dos anos 1980.

Daniel Denvir

Após o apogeu revolucionário e em meio à ascensão da ditadura reacionária, intelectuais latino-americanos desiludidos se voltaram contra a teoria da dependência. Ao mesmo tempo, a teoria da dependência influenciou outros em todo o mundo, incluindo o lendário marxista egípcio-francês e economista político Samir Amin. Amin, por sua vez, ajudou Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi a moldar a teoria dos sistemas-mundo.

O que os teóricos dos sistemas mundiais aprenderam com a teoria da dependência e o que tornou a teoria dos sistemas mundiais nova e distinta?

Margarita Fajardo

É difícil traçar uma linha de influência [entre os teóricos dos sistemas mundiais e os teóricos da dependência.] No final dos anos 1960, Amin escreveu sobre os dependentistas, dizendo que formas inovadoras de pensar sobre a economia mundial estavam surgindo na América Latina. Mas pode ser que ele e Wallerstein estivessem criando ideias semelhantes do ponto de vista da África ao mesmo tempo em que os dependentistas tentavam entender a economia mundial do ponto de vista da América Latina.

Wallerstein complicou o mundo do “centro” e da “periferia” acrescentando a noção de semiperiferia. Mas ambos [dependentistas e teóricos dos sistemas mundiais] estavam pensando sistemicamente. Os dependentistas observavam o mundo a partir da ideia da internacionalização do mercado interno e da difusão do capital transnacional. Essa ideia não tinha nada a ver com estados-nação específicos; em vez disso, concentrou-se no crescimento das corporações multinacionais e nas formas de organização do capital e do trabalho.

Enquanto isso, Wallerstein se concentrou no outro fim histórico. Wallerstein e os dependentistas estavam considerando dois extremos diferentes do processo histórico de emergência do sistema mundial.

Daniel Denvir

Você escreve que “como resultado dos esforços de Amin, dependentistas e muitos outros, o Terceiro Mundo se transformou de uma categoria geopolítica em uma categoria econômica”. Como ocorreu a mudança de uma categoria geopolítica da Guerra Fria para uma categoria econômica – que unificou os estados-nação oprimidos que lutam contra o sistema mundial neocolonialista? Foi coincidência que essas grandes iniciativas econômicas terceiro-mundistas tenham ocorrido nas Nações Unidas, assim como na CEPAL?

Margarita Fajardo

A mudança foi o efeito cumulativo de muitas vozes, com a CEPAL servindo como crucial. Na divisão da Guerra Fria, havia o Oriente, o Ocidente e o Resto, este último referindo-se ao Terceiro Mundo. A “definição econômica” refere-se a definir os países do Terceiro Mundo pela posição que ocupavam na economia global – ou seja, servir como produtores na divisão internacional do trabalho e se especializar em matérias-primas.

Mais do que a definição política, a econômica teve mais tração e a possibilidade de sobreviver ao fim da Guerra Fria. Sustentou a nova ordem econômica internacional, que surgiu dos legados da UNCTAD.

Houve tentativas de iniciativas internacionalistas feitas pelo Sul Global usando outros meios que não a ONU; alguns foram liderados por Cuba e outros países. Mas não é por acaso que ambos os projetos foram projetos da ONU: a ONU tornou-se um veículo institucionalizado e uma arena usada por países da periferia ou do Sul Global para fazer suas reivindicações. Tinha voz e poder que outras organizações internacionais não tinham. As pessoas questionam se a ONU tem efeitos concretos, mas certamente reuniu todas essas vozes e permitiu que falassem sobre assuntos globais de uma maneira que pudessem ser ouvidas.

Daniel Denvir

Como essa história se relaciona com o surgimento da teoria da modernização, uma teoria conservadora que postulava um caminho linear de progresso que levaria todas as nações a seguir o Ocidente em seu desenvolvimento? E como os teóricos da dependência e do mundo responderam à ascensão da teoria da modernização nos EUA?

Margarita Fajardo

Os cepalinos e dependentistas tentaram conceituar o desenvolvimento a partir de outros lugares além da Europa e dos Estados Unidos; ambos afirmavam que os países em desenvolvimento em meados do século XX tinham uma experiência histórica diferente daqueles que se desenvolveram no século XIX e que havia caminhos diferentes para o desenvolvimento. Eles analisaram as diferenças históricas [entre países] que influenciaram suas possibilidades de desenvolvimento.

A maioria dos pensadores do desenvolvimento acreditava que a industrialização era o meio para alcançar o desenvolvimento porque era o caminho que todos esses outros países haviam tomado. Eles vinham tentando se distanciar do paradoxo do desenvolvimento com o mundo econômico, mas não conseguiram por causa da tradição intelectual e do fato de que a industrialização foi historicamente comprovada como geradora de crescimento no século XIX. De certa forma, eles queriam imitar isso, mesmo que não quisessem seguir o mesmo caminho desses países. O objetivo deles era semelhante e eles seguiram o referencial que esses países haviam estabelecido.

Daniel Denvir

Na esquerda norte-americana, quando pensamos nos economistas chilenos, não pensamos nos cepalinos, mas nos infames e neoliberais Chicago Boys que desempenharam um papel fundamental na ditadura de Pinochet. Mas você escreve, “patrocinado pela Fundação Ford, os infames Chicago Boys, que dominam nossa narrativa da batalha das ideias econômicas na América Latina, lutaram para derrubar os cepalinos em seu próprio território e só tiveram sucesso após um amplo realinhamento das forças políticas no Chile e o uso da coerção e da violência”. Como podemos entender melhor os Chicago Boys quando vemos que eles só poderiam arrancar a autoridade da CEPAL através do uso da repressão de um regime militar brutal?

Margarita Fajardo

O poder e a influência que a CEPAL tinha entre a elite política no Chile tornou necessário que um grupo como os Chicago Boys se formasse e buscasse influência. Há ideias econômicas mais importantes na América Latina do que as dos Chicago Boys, embora suas ideias também ocupassem o espaço.

Na questão da transição para a violência, não temos um contrafactual ou algo que possa nos mostrar o que teria acontecido [sem a CEPAL], mas podemos traçar uma continuidade. Após os Chicago Boys e o regime autoritário, houve uma ruptura fundamental nas ideias econômicas no Chile. Mas muitas ideias cepalinas viveram nesse regime. Apesar dos cepalinos serem esmagados no momento, suas ideias não desapareceram. De fato, alguns deles foram ressuscitados e implementados durante a era neoliberal. Então, há mais continuidades do que imaginamos.

Daniel Denvir

Você escreve: “Inicialmente preocupados com o crescimento e o desenvolvimento mais do que com a equidade, para os cepalinos, as recentes demandas por melhor educação e saúde de uma classe média precária no Chile podem parecer problemas de primeiro mundo em comparação com a batalha de meados do século”.

A primeira e a segunda maré rosa dos governos latino-americanos continuaram de onde os teóricos da dependência pararam em sua ênfase tanto na desigualdade global quanto na desigualdade doméstica? E os governos de esquerda latino-americanos ainda se baseiam na teoria da dependência e mantêm essa visão de um regionalismo progressista que poderia remodelar a economia global a partir da periferia nos moldes do que os cepalinos imaginavam?

Margarita Fajardo

Algumas iniciativas que os cepalinos apresentaram durante a era do desenvolvimento foram realizadas na era neoliberal. Isso nos leva a questionar quais foram os legados de suas ideias e se essas iniciativas partiram dos mesmos pressupostos ou simplesmente utilizaram instrumentos semelhantes. A retórica dos cepalinos e desses governos diferem; eles obviamente não estão construindo sobre essa era de desenvolvimento, nem são nostálgicos por ela. Eles estão mais preocupados em como abordar questões de igualdade e desenvolvimento social que não foram privilegiadas no passado.

Daniel Denvir

Até que ponto você acha que as ideias apresentadas pelos cepalinos e dependentistas ainda são relevantes para a situação da América Latina hoje?

Margarita Fajardo

Esses dois últimos anos mudaram tudo, mas antes, alguns países perceberam as visões de cepalinos e alcançaram mais ou menos a estabilidade monetária, resolvendo alguns dos problemas de curto prazo criados pela posição da América Latina na economia mundial.

Mas os problemas de longo prazo da posição da América Latina na economia mundial ainda permanecem, como a dependência da produção de bens agrícolas, embora esses bens sejam muito mais diversificados do que eram em meados do século. Para resolver os problemas políticos que ainda existem, precisamos repensar essas categorias. Mas, no sentido amplo, são categorias úteis para analisar o desenvolvimento histórico e de longo prazo.

Colaboradores

Margarita Fajardo é professora do Sarah Lawrence College e autora de The World That Latin America Created: The United Nations Economic Commission for Latin America in the Development Era.

Daniel Denvir é o autor de All-American Nativism e apresentador do The Dig na Jacobin Radio.

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