12 de maio de 2023

"Conscientização" não nos salvará do desastre climático

Espalhar conhecimento e conscientização sobre a crise climática não é suficiente. Não há esperança para o planeta sem políticas climáticas que atendam aos interesses materiais dos trabalhadores.

Matt Huber

Jacobin

Mais de 200.000 pessoas foram às ruas de Washington, DC para a marcha climática de 2017. (Zach D. Roberts / NurPhoto via Getty Images)

Extraído de Climate Change as Class War: Building Socialism on a Warming Planet (Verso Books, maio de 2022)

Em meados dos anos 2000, havia uma sensação real de impulso na política climática. Em 2006, o filme de Al Gore Uma Verdade Inconveniente foi anunciado como a Primavera Silenciosa da nossa geração, com a certeza de mobilizar milhões para a luta climática. No mesmo ano, o economista Nicholas Stern alarmou o mundo das políticas com sua Stern Review on the Economics of Climate Change, um relatório de setecentas páginas, prevendo que os custos das mudanças climáticas poderiam chegar a algo entre 5% e 20% do PIB. Já em 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou seu quarto relatório de avaliação, apresentando a terrível ciência e as rápidas mudanças necessárias.

Tudo isso parecia estar se aproximando do encontro internacional de 2009 em Copenhague, onde muitos esperavam que o mundo — e, esperançosamente, os Estados Unidos — finalmente se uniriam para resolver o problema. Mas até a própria Terra estava pedindo soluções: no verão de 2007, a extensão da área de gelo marinho do Ártico atingiu um recorde de 4,13 milhões de milhas quadradas, 38% abaixo da média e quebrando o recorde anterior, estabelecido em 2005, em 24%.

Na primavera seguinte, James Hansen e uma equipe de cientistas apresentaram um artigo — “Alvo de CO₂ atmosférico: para onde a humanidade deve mirar?” — que declarava: “Se a humanidade deseja preservar um planeta semelhante àquele em que a civilização se desenvolveu e ao qual a vida na Terra está adaptada, as evidências paleoclimáticas e as mudanças climáticas em curso sugerem que o CO₂ precisará ser reduzido de seus atuais 385 ppm para ao menos no máximo 350 ppm.”

Dado todo o impulso e senso de urgência, o ativista climático Bill McKibben e “um grupo de amigos universitários” fundaram a organização ativista 350.org, que adotou a meta de Hansen de 350 partes por milhão de CO₂ como um grito de guerra para a mudança. McKibben escreveu vários artigos afirmando que era “o número mais importante do planeta” e organizou um grande dia mundial de ação para 24 de outubro de 2009, para forçar os estados a cumprir esse objetivo científico.

Em 2012, seu artigo viral na Rolling Stone, “Global Warming’s Terrifying New Math”, concentrou-se novamente em um conjunto de números (2.º Celsius, 565 gigatoneladas) e preparou o terreno para seu “Do the Math Tour”, que “vendeu shows em todos os cantos do país.” McKibben usou esses números para estabelecer a receita política necessária: a indústria de combustíveis fósseis queimará até a última gigatonelada de carbono que puder acessar — e deve ser interrompida.

No entanto, a confiança em números e apelos à objetividade científica significa que McKibben e outros estão sempre tentando demarcar o que não é político na luta climática.

Em uma aparição no Colbert Report do Comedy Central, McKibben repetiu um de seus principais pontos de discussão: “A ciência não é como a política. A química e a física não negociam dessa maneira.” Vários anos depois, ele descreveu a luta climática como uma batalha contra a física. “Essa negociação é entre as pessoas e a física. E, portanto, não é realmente uma negociação porque a física não negocia. A física simplesmente faz.”

O 350.org de McKibben e outros escolheram focar estrategicamente na política climática como uma luta sobre questões de ciência e conhecimento; para eles, tratava-se do que os cientistas afirmam serem as causas e soluções para a mudança climática. Mas, no final, parece que a questão crítica no cerne da política climática é sempre a crença ou a negação da ciência.

Há razões óbvias e boas para isso. Nós só conseguimos entender as mudanças climáticas por meio de medições científicas de gases de efeito estufa na atmosfera e modelos cada vez mais sofisticados que preveem nosso futuro climático. O fato de a ciência ter descoberto o problema das mudanças climáticas significa que ela sempre estará no centro da política climática. A confiança nos números e o apelo à objetividade científica significam que os ativistas climáticos estão sempre tentando demarcar o que não é político na luta contra as mudanças climáticas.

No entanto, após o aparente ímpeto de 2007 – 2008, tudo deu errado. A economia capitalista global entrou em colapso, os Estados Unidos reassumiram seu papel de retardador em Copenhague — e até hoje o movimento climático ainda não iniciou o tipo de mudança transformadora necessária. McKibben aponta de forma consistente e correta que estamos perdendo a luta climática, e muito.

Quais são os limites de fazer política climática sobre conhecimento? Esse tipo de política do conhecimento apela para uma posição de classe específica: a classe profissional. Defino a classe profissional amplamente como aqueles que reúnem diplomas, licenças e outras credenciais no mercado de força de trabalho. Assim como McKibben e seu “grupo de amigos universitários”, a classe profissional permanece no centro do movimento climático — cientistas, jornalistas e estudantes universitários.

A classe profissional é um produto das geografias historicamente mutáveis da acumulação de capital, em que o conhecimento se tornou a porta de entrada para um sustento seguro, diante da desindustrialização e do declínio do poder da classe trabalhadora. A economia do conhecimento tem como base a centralidade da educação e das credenciais na definição das qualificações de uma pessoa para determinados tipos de ocupações. Além disso, a classe profissional se reproduz por meio de um meio sociocultural que valoriza o conhecimento em geral, como acompanhar as notícias, pesquisar e esclarecer fatos, mesmo além do mercado de trabalho.

A política climática também é moldada por um mundo profissional de “política”. Como aponta Naomi Klein, foi um caso de “momento ruim” quando os cientistas chegaram a um consenso sobre a gravidade da mudança climática precisamente no mesmo momento em que o poder político mudou para uma ideologia de livre mercado de desregulamentação e austeridade na década de 1980.

Ainda assim, durante grande parte desse período, os profissionais dos mundos sem fins lucrativos e políticos se agarraram à crença de que a mudança climática poderia ser resolvida por meio de uma série de soluções tecnocráticas e baseadas no mercado. O economista centrista Brad DeLong descreve isso como um projeto que visa “usar os meios de mercado para fins social-democratas”.

Para esse tipo de tecnocrata político, a luta climática não se trata de uma batalha pelo controle sobre a produção material, mas sim uma disputa de ideias e projetos políticos lógicos. Aqueles envolvidos na comunidade de políticas climáticas perceberam que a direita havia assumido o poder e acreditaram que poderiam persuadi-los com políticas elegantes baseadas no mercado, incentivando a mitigação em larga escala das mudanças climáticas. Eles estavam enganados.

A "classe profissional-gerencial"

Grande parte da discussão sobre a classe profissional hoje deve-se ao conceito de classe profissional-gerencial” (PMC, na sigla original em inglês) cunhado por Barbara e John Ehrenreich. O ímpeto dos Ehrenreichs para teorizar o PMC veio de sua centralidade na formação dos movimentos da Nova Esquerda dos anos 1960 e 1970. Como eles dizem: “O renascimento do radicalismo do PMC nos anos 60 ocorreu em um momento em que a posição material da classe avançava rapidamente. O emprego em ocupações de PMC disparou e os salários subiram com eles.”

Eles descrevem como as melhores partes da Nova Esquerda certamente contestaram o controle capitalista da economia, mas combinaram isso com “desprezo moralista pela classe trabalhadora”. Os Ehrenreichs citam a famosa Declaração de Port Huron emitida pela Students for a Democratic Society: “Qualquer nova esquerda na América deve ser, em grande medida, uma esquerda com habilidades intelectuais reais, comprometida com a deliberação, honestidade e reflexão como ferramentas de trabalho”.

A política, do ponto de vista da classe profissional, é um terreno amplamente cultural sobre o conhecimento e um consenso sobre ideias. A classe profissional eleva a “autonomia intelectual e o serviço público” ao lado de credenciais e experiência acima de tudo. Além disso, se a universidade é, nas palavras dos Ehrenreichs, “o aparato reprodutivo histórico do PMC”, ela também se tornou um epicentro de dois tipos de engajamento com a política.

Primeiro, houve uma explosão de tecnocratas acadêmicos e outros especialistas em políticas altamente qualificados que adotaram o compromisso da classe profissional com a especialização na solução de problemas sociais e ambientais. Em segundo lugar, a universidade tornou-se um bastião de um novo modo de teoria política radical, que centralizou a cultura nas antigas linhas de luta de classe.

No entanto, como explicam os Ehrenreichs, os antagonismos de classe entre o PMC e a classe trabalhadora nunca foram resolvidos e, no final dos anos 70, a Nova Esquerda entrou em colapso em “mais [de] uma subcultura do que um ‘movimento’”. Jean-Christophe Agnew sugere, o abandono das velhas questões de classe pela classe profissional parece ainda mais evidente à medida que o poder político continuou a se deslocar para a direita, para o capital: uma época marcada pela flagrante transferência de riqueza entre as classes”.

Em outras palavras, a classe capitalista se organizou para acumular riqueza e poder político de maneira classista. Enquanto isso, a esquerda, imbuida de valores da classe profissional, convenceu-se de que a politica de classe era antiquada, ortodoxa e mal equipada para uma nova economia do conhecimento “pós-industrial”. Talvez não haja melhor exemplo de como a classe profissional moldou novas formas de política do que o movimento ambientalista.

Uma tipologia de políticas climáticas

Desde o início, a ciência foi fundamental para moldar a consciência e as demandas do movimento ambiental. De fato, foi Rachel Carson, uma bióloga marinha profissional, que iniciou o movimento com seu livro Silent Spring em 1962. O movimento ecológico colocou as credenciais científicas no centro da política ecológica. Em 1972, o Ecologist publicou uma matéria de capa chamada “A Blueprint for Survival”, que reivindicava uma política específica de autoridade: “Este documento foi elaborado por uma pequena equipe de pessoas, todas as quais, em diferentes funções, estão profissionalmente envolvidas no estudo dos problemas ambientais globais”. O mais famoso relatório de 1972 do Clube de Romasobre superpopulação, “The Limits to Growth”, promulgou a mesma visão da política — uma luta por um futuro julgado por modelos e conhecimentos científicos.

Não é apenas a “autonomia intelectual”, mas também o compromisso com o “serviço público” que muitas vezes caracteriza os valores da classe profissional. Esse compromisso está enraizado na ideia de que os profissionais podem aplicar o conhecimento para tornar o mundo melhor. Ofereço um esboço muito esquemático de diferentes tipos de profissionais na cena política climática que buscam combinar expertise e “serviço público” ambiental.

Tabela em inglês sobre a "classe profissional" na política climática

Primeiro, há os comunicadores de ciência que são eles próprios cientistas naturais, como Rachel Carson ou James Hansen, ou profundamente investidos em saber o que a ciência descobriu, como cientistas ou jornalistas ambientais. Esse tipo de pessoa acredita que o principal problema na política ambiental é a falta de conscientização ou a negação total do conhecimento científico. Ele argumenta que, se as massas realmente entendessem a ciência, a ação seguiria.

Em segundo lugar, há os tecnocratas cuja experiência profissional provavelmente se baseia em leis ou estudos de políticas e trabalha em grupos de reflexão, academia ou organizações sem fins lucrativos profissionalizadas. Ao lado das universidades, vale destacar a ascensão das ONGs — em oposição aos sindicatos e partidos — como centros críticos de ativismo e política na mesma época em que surgiu a política ambiental. Esses tipos procuram projetar soluções políticas “inteligentes” para problemas ambientais e acreditam que podem usar a lógica e o design de políticas racionais para influenciar os políticos e o público em relação a essas políticas.

Finalmente, existem os radicais anti-sistema, cuja própria exposição à ciência do colapso ecológico os leva a uma espécie de radicalização política. Grande parte dessa radicalização está enraizada na culpa por sua própria cumplicidade em práticas de consumo centrais para as normas da classe profissional.

Esse tipo de ativista climático provavelmente entende que a causa dos problemas ambientais está sistematicamente enraizada no capitalismo, mas sua resposta política é olhar para dentro, por meio de invocações moralistas para consumir menos, rejeitar a sociedade industrial e defender microalternativas em escala local. Essa pessoa pode encontrar a única saída para essas ideias radicais na academia ou pode evitar completamente uma profissão em favor de sistemas de conhecimento de nicho, como a vida alternativa fora da internet ou o estudo de técnicas agrícolas de “permacultura”.

O que conecta esses três “tipos” altamente esquemáticos é a centralidade dos sistemas de conhecimento na formação de seus engajamentos políticos com os problemas ambientais. Meu objetivo não é diminuir a importância do conhecimento e da ciência na informação da política, mas sim apontar as maneiras pelas quais essa política evita o conflito material e a luta de classes e apela apenas para a minoria da sociedade que possui essas credenciais educacionais.

Acima de tudo, a política climática da classe profissional atrai principalmente os próprios profissionais, mas eles são minoria na população. Se queremos construir uma coalizão climática majoritária e democrática, precisamos de uma política que apela para além das classes credenciadas. Em outras palavras, precisamos de uma política climática da classe trabalhadora centrada não no conhecimento e na política inteligente, mas sim nas lutas materiais cotidianas pelo acesso à energia, alimentos, moradia e transporte – os mesmos setores que precisamos descarbonizar.

Enquanto as sensibilidades da classe profissional tendem a assumir que a resolução da mudança climática requer aumentar o custo dessas coisas para “internalizar” os custos das emissões, os socialistas podem contra-atacar com um programa de descarbonização que garanta o acesso a essas necessidades básicas da vida da classe trabalhadora. A explosão de propostas que defendem essa visão, que ocorreu entre 2018 e 2020, tem esmorecido ultimamente, mas não podemos perder de vista essa visão básica de que devemos reorientar as políticas climáticas para melhorias diretas na vida dos trabalhadores que sofreram décadas de austeridade neoliberal e ataques da guerra de classes capitalista.

Colaborador

Matt Huber é professor assistente de Geografia na Syracuse University. É autor de "Lifeblood: Oil, Freedom, and the Forces of Capital".

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