8 de agosto de 2023

Amaldiçoando o planeta

Crise climática e a classe política.

Marco D'Eramo

Sidecar


Tradução / Como ninguém havia pensado nisso antes? Enquanto milhões de pessoas sofriam com as temperaturas recordes nos Estados Unidos e no sul da Europa, uma solução estava escondida à vista de todos. Simples, eficaz e bem debaixo de nossos narizes, mas foi necessária a perspicácia do presidente da República Francesa para identificá-la. Durante a semana de moda de Paris, a secretária de Estado para Ecologia de Emmanuel Macron, Bérangère Couillard, anunciou uma nova medida inovadora: a partir do próximo outono, subsídios que variam de 6 a 25 euros estarão disponíveis para qualquer cidadão francês que mandar consertar uma peça de roupa.

A crise climática será evitada com uma ida ao alfaiate ou ao sapateiro. Graças à meticulosa burocracia do Estado francês, já temos as letras miúdas desse bônus "réparation textile":

Para um par de sapatos:

8 euros para uma palmilha

7 euros para o salto

8 euros para costura ou colagem

18 euros para uma renovação completa (25 euros se o calçado for de couro)

10 euros para substituir um zíper

Para uma peça de roupa:

7 euros para consertar um buraco, rasgo ou fenda

10 euros para um forro (€ 25 se for complexo)

8 euros para um zíper

6 euros para uma costura (€ 8 se for dupla)

Pode-se argumentar que, antes de começar a incentivar os consumidores a serem menos esbanjadores, o governo francês deveria incentivar as indústrias têxteis e de calçados a reduzir sua prática de obsolescência planejada, impondo garantias que as obrigariam a consertar itens defeituosos gratuitamente por vários anos ou exigindo o uso de materiais mais duráveis. Educar os cidadãos sobre práticas ambientalmente corretas certamente não é algo ruim.

No entanto, como Mies van der Rohe disse certa vez – "Deus está nos detalhes", e vale a pena parar um pouco para analisar os valores envolvidos. O valor total alocado para essa medida revolucionária foi de 154 milhões de euros. Supondo que esse valor não inclua o custo da contratação de burocratas para avaliar as solicitações, distribuir os subsídios e supervisionar a qualidade dos reparos, isso significa que foram alocados belos 2,26 euros para cada um dos 68 milhões de habitantes da França. Mesmo se considerarmos apenas os 29,9 milhões de lares compostos por uma média de 2,2 membros, cada família receberia um total de € 5,13 por ano.

Para colocar isso em contexto, lembre-se de que o Estado francês gastou cerca de sete bilhões de euros em sua inútil missão colonial na África, a Operação Barkhane, que terminou em ignomínia no ano passado; aproximadamente 100 mil euros por ano para cada soldado enviado ao Sahel.

Esses números dizem muito sobre a extensão dos compromissos ambientais do governo francês e, de forma mais ampla, sobre a gigantesca brincadeira que está sendo feita pelos líderes mundiais em sua "declaração de guerra" contra o aquecimento global. Não se trata apenas de Macron. Observe como os governantes dos países atingidos pela onda de calor recorde de julho se comportaram: como se o aquecimento global fosse uma ameaça futura, a ser remediada com os estranhos seis euros por uma jaqueta aqui e ali (ou 10 euros se for forrada).

Não estamos lidando com negacionistas neste caso: eles são comparativamente pouco ameaçadores, pois sua má-fé é transparente e eles se tornam mais patéticos a cada hora, apesar de serem financiados por empresas. Muito mais perigosos são aqueles como Macron – ou seja, a maioria esmagadora da classe política mundial, independentemente da orientação ideológica – que fingem preocupação em seus escritórios com ar-condicionado e aviões particulares e depois não fazem nada. Pior do que nada, na verdade, pois fazem o público acreditar que o problema pode ser resolvido com meias medidas e paliativos, promovendo soluções de mercado para um problema criado pelo próprio mercado.

Atualmente, o mundo está sufocando sob um dilúvio de plástico, mas o setor de plásticos, que pode muito bem ter o lobby mais eficaz do planeta, está claramente ausente dos debates ambientais. Enquanto isso, o setor petrolífero, do qual ele depende, descobriu uma paixão irreprimível pelo meio ambiente, de acordo com suas campanhas publicitárias: o termo "lavagem verde" [Greenwashing] é apropriado justamente porque lembra a lavagem de dinheiro feita por organizações criminosas. Elas também propõem soluções totalmente improváveis.

Pense na ilusão do carro elétrico – para poluir menos, aparentemente precisamos construir uma rede elétrica que abranja todo o globo, substituir todos os carros do mundo (inclusive caminhões e vans) e equipá-los com baterias cuja produção é um dos processos mais poluentes conhecidos pelo homem.

Os cientistas contribuem para esses absurdos. Um relatório recente da revista Nature trata das tentativas de introduzir cristais no oceano para aumentar sua alcalinidade: um quarto das emissões de dióxido de carbono acaba no oceano, o que acidifica a água, tornando-a potencialmente inóspita para a vida. O que esse plano significa é jogar cal (ou algo equivalente) no mar. O problema é que a humanidade produz 37 bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano (em 1950, esse número era de seis bilhões). Um quarto disso é mais de nove bilhões de toneladas, que só poderiam ser neutralizadas por uma quantidade de cristais da mesma escala, que presumivelmente seriam jogados no mar a partir do ar.

Quanto CO2 seria emitido pela produção e distribuição global de bilhões de toneladas de antiácido oceânico (sem sequer discutir a imensa poluição que essa "solução" acarretaria)?

Todos os anos, à medida que as emissões de CO2 e a produção de plástico continuam a aumentar, são anunciados com pompa objetivos que todos sabem ser inatingíveis. A meta abrangente da Cúpula de Paris de 2015 era manter "o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais" e buscar esforços "para limitar o aumento da temperatura a 1,5° acima dos níveis pré-industriais", exigindo que as emissões de gases de efeito estufa "atinjam o pico antes de 2025, no máximo, e diminuam 43% até 2030".

Esses comunicados se assemelham a uma carta ao Papai Noel, desejos infantis de que os presentes caiam do céu ou pela chaminé. Só que aqui os governos de todo o mundo estão escrevendo cartas de Natal para si mesmos. A Organização Meteorológica Mundial anunciou em maio que há 66% de chance de que o aumento de temperatura de 1,5° seja atingido antes de 2027. No entanto, a mesma organização sustenta que, já em 2022, o planeta estava 1,15 ± 0,13° mais quente do que a média pré-industrial, tornando os últimos oito anos os mais quentes já registrados. Que entre 2020 e 2021 o aumento da concentração de metano na atmosfera foi o maior desde que existem medições (o metano é muito mais prejudicial do que o dióxido de carbono para o efeito estufa). Que a taxa de elevação do nível dos oceanos dobrou entre as décadas de 1993-2002 e 2013-2022. Que a acidificação dos oceanos está se acelerando. E assim por diante.

No entanto, a crise ambiental é tratada como uma ameaça futura, apesar dos avisos que emanam de veículos tão próximos das corporações poluidoras quanto o Financial Times, que informa severamente aos seus leitores que estamos lidando com "uma realidade presente". O planeta já está se tornando inabitável. Como um conhecido brincou comigo recentemente, "não se pode viver trancado em uma geladeira". No entanto, a cidade que mais cresce nos EUA é Phoenix, onde neste verão a temperatura ultrapassou os 40° por mais de um mês, forçando as pessoas a depender constantemente do ar condicionado (o que acelera ainda mais o aquecimento global).

Inspirados, talvez, por Ionesco e Beckett, os líderes mundiais de hoje inventaram uma política do absurdo. Para se ter uma ideia da situação, basta comparar a atenção, a mobilização ideológica e os recursos dedicados à guerra na Ucrânia com os dedicados à crise ambiental. A diferença é que, enquanto a guerra coloca em risco a vida de 43,8 milhões de pessoas e afeta diretamente outros 9 milhões que vivem nos territórios em disputa, a crise ambiental coloca em risco a vida de bilhões de pessoas, condena outros bilhões à pobreza e à fome e já forçou a migração de 30 milhões de pessoas por ano, com algumas previsões que apontam para 1,2 bilhão de refugiados climáticos até 2050. Enquanto isso, a Rússia e a Otan gastam centenas de bilhões em armas, enquanto a guerra aumenta os preços das commodities e os déficits governamentais. Se apenas um décimo desses valores fosse dedicado à crise ambiental, o efeito seria revolucionário.

Isso nos dá uma noção clara de quão alto o meio ambiente está nas prioridades de nossos governantes. De uma certa perspectiva, os senhores da Terra se comportam em relação à natureza como os EUA se comportam em relação à Rússia: travando uma guerra contra ela sem uma declaração direta. Eles tratam o planeta como invasores que saqueiam cidades, queimando tudo até o chão. Por que tanta obstinação por parte de nossa "aristocracia cognitiva"? Por que eles têm raiva do nosso planeta? Não é como se eles pudessem imitar os saqueadores que, depois de saquear uma cidade, podiam passar para a próxima. Por mais que alardeiem sua mítica indústria espacial, eles não poderão emigrar para um novo planeta depois de tornar este inabitável. Pura imprudência, talvez? Uma imersão completa no presente que elimina qualquer pensamento sobre o amanhã? Egoísmo sem limites? A síndrome do escorpião, para quem a Terra faz o papel do sapo? Ou é simples covardia, uma falta de coragem para enfrentar o problema?

Talvez uma pista tenha sido fornecida recentemente pelo próprio inefável Macron, quando ele falou sobre a violência que eclodiu no final de junho entre os jovens franceses – em sua maioria filhos de imigrantes que vivem nos banlieues [subúrbios] – desencadeada pelo assassinato de um jovem pela polícia. A solução, de acordo com Macron, era simples: "ordem, ordem, ordem". A "autoridade deve ser restaurada" porque a violência depende, em última análise, de um "déficit parental". "A maioria esmagadora" dos manifestantes, explicou ele, "tem uma estrutura familiar frágil, seja porque vem de uma família monoparental ou porque sua família está recebendo auxílio para sustentar os filhos". Em resumo, a culpa é das mães solteiras (que supostamente têm uma moral frouxa), que não conseguiram incutir os valores da etiqueta civil em seus filhos turbulentos. Em outras palavras, os jovens dos banlieues são violentos porque são filhos das... E pensar que não tínhamos percebido! Talvez as elites exerçam tanta violência no planeta porque, sem nunca admitir, elas também são filhos das...

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