20 de junho de 2025

O Vale do Silício era "woke". Agora eles querem sangue.

A empresa de Big Data Palantir passou anos desenvolvendo tecnologia militar letal. Agora, ela lidera uma transformação no Vale do Silício, com gigantes da tecnologia abandonando sua postura progressista para se juntar à batalha pela supremacia militar americana.

Meagan Day

Jacobin


Alex Karp, CEO da Palantir Technologies, fala em um painel intitulado “Poder, Propósito e o Novo Século Estadunidense” no Hill and Valley Forum, no Capitólio dos EUA, em 30 de abril de 2025, em Washington, DC. (Kevin Dietsch / Getty Images)

Na semana passada, o Exército dos EUA anunciou a criação do Destacamento 201: Corpo de Inovação Executiva, uma nova unidade dentro da Reserva do Exército que recrutará executivos de tecnologia como oficiais uniformizados. Entre os primeiros alistados estava Shyam Sankar, diretor de tecnologia da Palantir, pioneira na expansão do Vale do Silício para o setor militar. Sankar não estava exagerando quando escreveu no Free Press:

Uma década atrás, seria impensável que tantos pesos pesados ​​da tecnologia se alinhassem abertamente com as Forças Armadas dos EUA. Da mesma forma, seria atípico para as Forças Armadas obter o apoio da elite empresarial do país — muito menos criar um corpo especial para poder empregar seus talentos técnicos a serviço do governo. Mas uma mudança radical ocorreu em ambos os lugares. [...] A Palantir foi a pioneira nesse esforço.

Esta história é parte integrante da autoimagem da Palantir. A empresa de Big Data, fundada após o 11 de Setembro por Alex Karp e Peter Thiel, nunca hesitou em auxiliar os esforços estadunidenses para estabelecer e manter a hegemonia militar global. Como Karp conta, a Palantir suportou estoicamente quase duas décadas de desconfiança no Vale do Silício até ajudar a formar um novo consenso. Em uma entrevista recente, Karp disse:

Éramos muito controversos, e isso mudou muito — em parte porque as pessoas perceberam que estavam erradas e, francamente, se alguém ganha muito dinheiro com alguma coisa, então ela deve estar certa. Então, mudamos o mundo humilhando as pessoas e enriquecendo. É a maneira mais eficaz de a mudança social acontecer: humilhar seu inimigo e torná-lo mais pobre.

Os inimigos em questão eram os frágeis sinalizadores de virtude do Vale do Silício. Em 2017, o Google ganhou um contrato para o Projeto Maven, do exército estadunidense, integrando inteligência artificial (IA) em operações de campo de batalha. A reação pública veio na sequência, e o Google recuou, não querendo que sua tecnologia fosse associada à mortes em massa automatizadas. A Palantir assumiu o Projeto Maven, com Karp chamando a relutância do Google em ser associado à guerra de “posição perdedora”.

Agora, o Vale do Silício está se recuperando. Desesperados para não serem vistos como perdedores, eles substituíram a sinalização de virtude pela sinalização de vício. Entre os membros do Destacamento 201: Corpo Executivo de Inovação está o diretor de tecnologia da Meta, uma empresa que, sob a direção de Mark Zuckerberg, antes buscava parecer carinhosa e inofensiva, mas agora mudou para querer parecer imponente, atrevida e, como o próprio Zuckerberg sugeriu, agressivamente masculina.

Este é o efeito Palantir, e suas implicações vão muito além da reformulação do MAGA de Zuckerberg. Um novo senso comum se consolida no Vale do Silício: as empresas que antes se apresentavam ostensivamente como aliadas da justiça social agora estão conquistando a simpatia do governo Donald Trump — e acolhendo as críticas ao longo do caminho, considerando-as um distintivo de honra, uma prova cabal de que não são liberais ineficazes. Atender às críticas públicas é dobrar os joelhos diante dos “conscientes”, que Karp chama de “o risco central para a Palantir, os Estados Unidos e o mundo”.

Armada com essa nova sensibilidade antimoral, a tecnologia está se dissolvendo no nexo pulsante entre MAGA, criptomoedas, esportes de combate e as Forças Armadas dos EUA. A fusão é exemplificada pela lista de patrocinadores corporativos do desfile militar de Trump no último fim de semana, que incluía a Palantir, a fabricante de armas Lockheed Martin, o conglomerado global de mineração de dados Oracle, a plataforma de criptomoedas Coinbase e a Phorm Energy, uma nova empresa de bebidas energéticas criada por Dana White, CEO do Ultimate Fighting Championship e membro do conselho da Meta.

O Vale do Silício substituiu a sinalização de virtude pela sinalização de vício.

Dentre elas, a Palantir é a queridinha do governo Trump. O governo a cobriu de contratos federais, vultosos o suficiente para gerar uma carta de legisladores democratas solicitando que a empresa se explicasse e se justificasse. Particularmente preocupantes são as aparentes iniciativas da Palantir para atender ao pedido de Trump de que a empresa criasse um banco de dados unificado sobre cidadãos estadunidenses, consolidando informações atualmente dispersas entre agências em um único índice de dossiês, que os críticos temem que o governo use para vigilância e repressão política.

A Palantir também assinou um contrato para criar um sistema “ImmigrationOS” para o Serviço de Imigração e Alfândega (ICE), que rastreará os movimentos de imigrantes e facilitará sua prisão, detenção e deportação. E o governo Trump aumentou o financiamento do Projeto Maven da Palantir. O trabalho da Palantir no Projeto Maven acelerou a militarização de IAs, permitindo sistemas autônomos de vigilância por drones e segmentação algorítmica. Sob Trump, o governo está se esforçando para expandir esses recursos para ferramentas de IA em tempo real no campo de batalha, incluindo a concessão à Palantir de um contrato adicional de US$ 174 milhões “para abrigar um sistema de inteligência no campo de batalha dentro de um grande caminhão” chamado Nó de Acesso de Alvo de Inteligência Tática, ou Titan.

Por muitos anos, a Palantir recebeu surpreendentemente pouco escrutínio público, desproporcional ao seu status de “traficante de armas de IA do Ocidente”. A guerra de Israel em Gaza gerou mais cobertura da imprensa negativa do que o normal; a Palantir vendeu a Israel ferramentas que analisam dados massivos de vigilância e inteligência para ajudar o exército israelense a gerar rapidamente listas de alvos para ataques aéreos em Gaza, resultando em inúmeras mortes de civis. Quando confrontado por uma mulher palestina que acusou a Palantir de desenvolver software usado para matar civis, Karp disse levianamente: “Ela acredita que eu sou mau. Eu acredito que ela é um produto involuntário de uma força maligna, o Hamas.”

A visibilidade da Palantir aumentou ainda mais agora que Trump a utiliza para executar seus planos mais assustadores, desde vigilância doméstica em massa até guerra automatizada. Grande parte do público estadunidense se mostrou revoltada. O mercado de ações, por sua vez, reagiu aos contratos federais obscuros da Palantir recompensando generosamente a empresa. A Palantir tem as ações com melhor desempenho de 2025, valorizando-se 140% desde que Trump assumiu o cargo.

O projeto civilizacional da Palantir

A resposta de Alex Karp à manifestante palestina não foi sua primeira nem última palavra sobre o assunto. Ele tem o hábito de criticar os protestos pró-Palestina, considerando-os emblemáticos das razões da precária situação geopolítica global dos Estados Unidos e da Europa. Em um encontro de especialistas em IA de defesa, ele chamou os acampamentos estudantis pró-Palestina de “religião pagã infectando nossas universidades” e criticou os manifestantes estudantis como “uma infecção dentro de nossa sociedade”. Essas são palavras perturbadoras vindas do diretor executivo de uma empresa encarregada de coletar dados para um presidente que prometeu erradicar “o inimigo interno”.

Karp afirma que, em Stanford, em Palo Alto, onde ele e Peter Thiel se conheceram e fundaram a Palantir, Thiel era o direitista, enquanto ele era o progressista. Ele fez doações aos democratas durante todo o período em que Kamala Harris esteve presente. Quanto à sua mudança, a revista New Republic resenhou o livro recente de Karp, The Technological Republic [A República Tecnológica], caracterizando-o como “um liberal vacilante, abrindo caminho minuciosamente em direção ao chauvinismo civilizacional”.

Ele parece ter chegado, adaptando-se rápida e perfeitamente, ao ethos do governo Trump em curso. Em um discurso no Instituto da Fundação Presidencial Ronald Reagan, explicando por que a “esquerda consciente” perdeu a eleição de 2024, Karp disse:

Os estadunidenses são o povo mais amoroso, temente a Deus, justo e menos discriminatório do planeta. E eles querem saber que, se você acordar pensando em prejudicar cidadãos estadunidenses, ou se cidadãos estadunidenses forem feitos reféns e mantidos em masmorras, ou se você for uma potência estrangeira enviando fentanil para envenenar nosso povo, algo muito ruim vai acontecer com você, seus amigos, seus primos, sua conta bancária, sua amante e quem quer que esteja envolvido.

Karp opina incansavelmente sobre o Ocidente, invocando o contexto do choque de civilizações, tão popular entre figuras de direita como JD Vance, Steve Bannon e Viktor Orbán. Em mensagem aos acionistas, vestindo uma camiseta, cabelos despenteados e com um ar de indiferença, Karp afirmou que a visão da Palantir era desenvolver capacidades bélicas que os Estados Unidos e seus aliados nem sequer haviam solicitado, a fim de “impulsionar o Ocidente até sua superioridade inata”.

Ele continuou: “Por mais que eu me importe pessoalmente com o Ocidente em geral, incluindo a Europa continental, apesar de nossos melhores esforços e do trabalho diário, ele é anêmico”. Mas ele estava otimista, disse, de que “estamos tornando os EUA mais letal, fazendo com que nossos adversários tenham cada vez mais medo de agir contra os interesses estadunidenses”. Com um sorriso, ele disse aos acionistas: “A Palantir está aqui para perturbar e tornar as instituições com as quais fazemos parcerias as melhores do mundo e, quando necessário, para assustar os inimigos e, às vezes, matá-los”.

Esses tipos de comentários não são incomuns para Karp, que também disse ao New York Times: “Temos uma visão consistentemente pró-Ocidente de que o Ocidente tem uma maneira superior de viver e se organizar”, acrescentando que, sem a tecnologia da Palantir, “já teríamos tido ataques terroristas massivos na Europa, como no estilo do 7 de outubro”.

O mesmo teor vem sendo expresso pelo governo Trump. O Secretário de Defesa, Pete Hegseth, tem duas tatuagens proeminentes relacionadas às Cruzadas. Mas, caso alguém precise explicar, o Departamento de Estado recorreu ao Substack no final de maio para definir os riscos do conflito civilizacional que prevê se formar entre o Ocidente e todos os outros:

A estreita relação entre os Estados Unidos e a Europa transcende a proximidade geográfica e as políticas transacionais. Representa um vínculo único forjado em cultura, fé, laços familiares comuns, assistência mútua em tempos de conflito e, acima de tudo, uma herança civilizacional ocidental compartilhada.

A publicação do Departamento de Estado citou JD Vance alertando sobre uma “ameaça interna” antes de criticar autoridades alemãs por censurarem o partido de extrema direita Alternative für Deutschland, implorando aos líderes europeus que “recomprometam-se com nossa herança ocidental”. Com o retorno de Trump à Casa Branca, o Estado de segurança nacional evoluiu do militarismo corriqueiro para o “nacionalismo místico” de Steve Bannon.

Se o chauvinismo ocidental da Palantir e sua adoção despreocupada da força letal já não fossem perturbadores o suficiente, vindos de uma empresa com recursos avançados de IA, o que é ainda mais alarmante é como o sucesso da Palantir — juntamente com a defesa de Peter Thiel e outros bilionários da tecnologia de direita, incluindo Marc Andreessen e Elon Musk — arrastou com sucesso o restante do Vale do Silício. Em uma feira de tecnologia de defesa chamada AI Expo for National Competitiveness, executivos da Palantir, Google, OpenAI e Anthropic sentaram-se ao lado de mestres da espionagem, generais e senadores, normalizando coletivamente o casamento da inovação do Vale do Silício com a força militar letal.

Empresas que antes competiam, ainda que desonestamente, para parecerem socialmente conscientes, agora se esforçam para demonstrar sua disposição de abandonar completamente esses princípios, posicionando-se abertamente como instrumentos da supremacia ocidental e incentivadoras da violenta dominação militar estadunidense. O que começou como a posição isolada da Palantir se transformou em um consenso no Vale do Silício, a era Trump 2.0 — uma transformação que coloca os recursos mais avançados de IA a serviço de uma ideologia que desumaniza a maior parte do mundo e qualquer pessoa em seu país que se interponha em seu caminho.

Colaborador

Meagan Day é editora associada da Jacobin. Ela é coautora de "Bigger than Bernie: How We Go from the Sanders Campaign to Democratic Socialism".

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