29 de junho de 2009

Reação dos reacionários

Fernando Nogueira da Costa

Folha de S.Paulo

Os reacionários reagem contra a evolução social. O conservadorismo das posições conquistadas, segundo o "discurso da competência", dependeria da ambição (ou da arrogância) de se acreditar superior aos outros ("por se dizer mais competente, eficaz e sério") em uma sociedade de desiguais.

Para a ideologia de direita, como os homens são seres biológicos desiguais, devem submeter-se à "lei do darwinismo social". O que define uma posição de direita é a ideia de que a vida em sociedade reproduz a vida natural. A economia de mercado não faz uma seleção, neste caso "social", entre os indivíduos que podem se desenvolver e os que podem apenas sobreviver?

A regra de ouro da direita é: quem melhor se adapta ao meio ambiente econômico enriquece, inclusive dando continuidade a sua dinastia. O homem de direita, acima de tudo, preocupa-se com a defesa da tradição e da herança.

Uma atitude de esquerda pressupõe a negação da herança "natural". A sociedade se desenvolve, opondo-se às forças cegas da natureza. Quem acredita na essência humana como essencialmente egoísta e imutável é de direita, mesmo sem saber.

A direita acredita que as desigualdades sociais podem ser diminuídas à medida que se favoreça a competitividade geral. Minimiza a proteção social e maximiza o esforço individual.

A esquerda, por sua vez, prioriza a proteção contra a competição social. Na escolha entre a competitividade e a solidariedade, prioriza esta última.

Assim, são de esquerda as pessoas e os partidos políticos que reúnem essas pessoas em torno de uma ação coletiva que batalha pela eliminação das desigualdades sociais.

Diferentemente, a direita insiste na convicção de que as desigualdades são naturais e, enquanto tal, não são passíveis de serem eliminadas.

Podemos tomar como exemplos dessa clivagem ideológica as críticas ao governo Lula. A esquerda (partidária ou acadêmica) sem base social critica, em geral, "o tratamento insuficiente de projetos para a transformação da sociedade, tornando-se agente funcional da dinâmica do capital com a continuidade da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso".

E a crítica moralista de direita, geralmente, utiliza-se dos jargões da "traição da classe (e de suas bases partidárias)" devido à ambição pessoal pela "mordomia dos cargos" para desqualificar moralmente o governo Lula.

O temor dos conservadores de tudo perder em razão dos avanços sociais e econômicos produz uma ansiedade exponencial pela obsessiva apresentação pela mídia das realizações governamentais como uma série de calamidades.

Então, a direita diz: "Só faltava a chegada do PT ao poder para ele tornar-se igual aos outros; por isso, o jogo para 2006 está zerado, não há diferença entre o PT e a oposição e o pêndulo da política deve levar à vitória dos derrotados em 2002". Diz mais: "Não há por que acreditar que o PT seja partido ideológico diferenciado eticamente em relação aos demais. No poder, tem os mesmos defeitos dos outros".

São dois tipos de ilustração usual dessas críticas. Uma cita os defeitos pessoais de alguns membros do governo (ou do PT) para, implicitamente, generalizar a todos os outros "colegas" ou "companheiros". Não é justo condenar todos por atitudes condenadas (e punidas) de alguns poucos.

Da mesma forma, condenar alguns programas sociais que conseguem sucesso em 99% de suas ações em razão de 1% de seus desvios não é correto. Apontar também problemas históricos das instituições brasileiras que não foram ainda resolvidos no atual governo é ato de má-fé.

Mas o debate pré-eleitoral vai ficando mais claro quando aparecem os interesses econômicos. Esquerda e direita possuem contrastes não só de idéias mas também de interesses econômicos e de prioridades a respeito da direção a ser seguida pela sociedade.

Quando a crítica central se dirige para "o excesso de gastos públicos" ou "a elevada carga tributária", a reação dos reacionários fica transparente. Gastos sociais visam um Estado de Bem-Estar Social e são geradores de emprego. O problema não é o fato de eles crescerem, mas sim de não serem financiados de forma adequada.

Agora, a reação conservadora é forte justamente quando se faz uma arrecadação fiscal progressiva (ricos pagam mais que pobres) e uma pressão crescente sobre os sonegadores, sobre as pessoas físicas camufladas em pessoas jurídicas, sobre os mais beneficiados com o crescimento da renda etc.

Essa é a forma que a esquerda adota para realizar o programa com que ganhou as eleições presidenciais: crescimento com desconcentração de renda. Aliás, não há outra forma democrática capaz de superar a maior vergonha nacional, ou seja, a desigualdade social: gastar com os mais pobres com tributos pagos pelos mais ricos.

Sobre o autor


Fernando Nogueira da Costa, 53, professor licenciado do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é vice-presidente da Caixa Econômica Federal. É autor, entre outros livros, de "Economia em Dez Lições".

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