26 de fevereiro de 2023

China se equilibra como sujeito oculto da Guerra da Ucrânia

Aliada da Rússia, Pequim aposta em ambiguidade de olho em seus próprios interesses

Igor Gielow

Folha de S.Paulo

Putin e Xi durante o encontro de fevereiro de 2022 em Pequim, antes do início da guerra - Alexei Drujinin - 4.fev.2022/AFP

Em 4 de fevereiro de 2022, Vladimir Putin e Xi Jinping apertaram as mãos em Pequim e declararam "parceria sem limites" entre a Rússia e a China. Vinte dias depois, o presidente russo invadia a Ucrânia e disparava a maior guerra em solo europeu desde o conflito mundial encerrado em 1945.

Um ano depois, o noticiário sobre a invasão girava em torno não só do atrito dos campos de batalha ou da retórica nuclear de Putin, mas muito sobre o papel da China. Para o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o secretário-geral da Otan (aliança militar ocidental), Jens Stoltenberg, Pequim está prestes a armar o aliado.


Putin e Xi durante o encontro de fevereiro de 2022 em Pequim, antes do início da guerra - Alexei Drujinin - 4.fev.2022/AFP

Esse arco narrativo inclui inúmeros itens, como os alertas feitos por Joe Biden a Xi para que não se inspirasse em Putin para atacar a ilha autônoma de Taiwan ou o aumento exponencial da cooperação militar entre Moscou e Pequim, provando que a China permanece como o grande sujeito oculto neste primeiro ano da Guerra da Ucrânia.

Os EUA, rivais estratégicos declarados dos chineses na Guerra Fria 2.0 iniciada em 2017, têm insistido em explicitar o papel de Xi no contexto da guerra europeia. Pequim, por sua vez, insiste na ambiguidade e nega que irá interferir militarmente em favor do aliado.

Ambos os lados, de certa forma, têm razão. A China se recusa a condenar a invasão russa até hoje. Afirma querer mediar a paz e promete um plano para tanto —de fato, é talvez o único ator que poderia tentar assumir esse papel, já almejado pela Turquia e por Israel.

Na última sexta (24), aniversário de primeiro ano da agressão russa, chineses apresentaram uma proposta de paz absolutamente genérica, pedindo cessar-fogo e fim de sanções contra Moscou ao mesmo tempo. Foram rejeitados por Kiev e pelo Ocidente.

Por outro lado, se há relatos de insatisfação de Xi com Putin, ambos escalaram exercícios e patrulhas conjuntas, algo análogo à mentalidade de blocos da primeira Guerra Fria, entre EUA e União Soviética. E, ao aumentar em 48,6% a importação de hidrocarbonetos e produtos russos, chegando a um comércio bilateral recorde de US$ 190 bilhões (R$ 984 bilhões), Xi ajudou a custear a guerra.

Não sem pensar em si. Aufere vantagens econômicas com isso: petróleo mais barato, dado que o mercado europeu se fechou aos russos, e promessa de que o gás que deixou de ir para a Alemanha e aliados irá no futuro abastecer sua economia.

O balanço é delicado para Xi. O líder chinês, que firmou-se com um inédito terceiro mandato em 2022, enfrenta dificuldades econômicas domésticas significativas —que tenta reverter com o fim da política de Covid zero, que bagunçou cadeias produtivas, e com medidas no mercado imobiliário.

Sem ter como bancar uma crise de grandes proporções com os EUA, buscou uma aproximação a partir de um encontro com Biden em novembro, só para ver o esforço abatido juntamente com o balão chinês alvo de um avançado caça F-22 sobre os céus americanos na recente e algo burlesca crise dos óvnis.

Com generais dos EUA prevendo uma guerra com a China devido a Taiwan tão cedo quanto em 2025, a pressão cresce, o que explica as acusações sem provas de Blinken e Stoltenberg acerca de armas chinesas na Rússia.

Apesar da parceria sino-russa, que Putin sempre que pode chacoalha como um seguro contra a Terceira Guerra Mundial, a posição chinesa é ambígua pelos motivos citados. Há relatos, nenhum deles passível de confirmação, de que Xi não soube da invasão antes da hora, como a linha do tempo sugere, mas que esperava que uma queda rápida da Ucrânia robustecesse sua posição sobre Taiwan.

Seja como for, a ilha não é a Ucrânia, um país soberano invadido. O status taiwanês, território que a China comunista considera seu e diz que retomará de qualquer forma, é frágil mesmo em organismos como a ONU.

Para a retórica da Guerra Fria 2.0, tanto faz. Os EUA têm tentado empurrar a China para fora da sombra na Ucrânia, mesmo sem muito apoio entre seus parceiros europeus, que prezam o comércio com o gigante asiático. E têm aplauso entusiasmado de seus aliados asiáticos, o neomilitarista Japão à frente.

Se isso levará a uma acomodação ou a algo pior, transformando a invasão russa na primeira salva de um conflito maior, é a dúvida principal que talvez só Xi Jinping possa responder.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...