14 de outubro de 2022

Xi avança poderio militar da China, mas mobiliza seus adversários

Líder multiplicou capacidades bélicas de Pequim, que enfrentam desafios tecnológicos

Igor Gielow

Folha de S.Paulo

Há poucos meses, um grupo de executivos do setor de defesa com negócios nos Estados Unidos reuniu-se com o secretário de Defesa do país, Lloyd Austin. Eles esperavam ouvir oportunidades para seus produtos ante a renovada corrida armamentista europeia devido à Guerra da Ucrânia.

Segundo o relato de um dos participantes, Austin só falou de China e de cenários de coerção e confrontação que demandariam o desenvolvimento de novos armamentos. Falou-se da realidade do mar do Sul da China, não do Donbass.

O primeiro porta-aviões da China, o Liaoning, durante operação próximo de Hong Kong - Anthony Wallace - 7.jul.2017/AFP

Tal ênfase mostra como a ascensão da China como potência militar, que acompanhou sua assertividade política e econômica desde que Xi Jinping chegou ao poder em 2012, é ao mesmo tempo um cartão de visitas do país idealizado pelo chinês e uma fonte de riscos potenciais. Como reafirmou a nova estratégia de segurança nacional dos EUA, divulgada na quarta (12), o maior rival é o colosso asiático.

Xi será ainda mais entronizado neste domingo (16) no 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, que lhe dará um inédito terceiro mandato de cinco anos. Dando uma face reconhecível à sempre impessoal ditadura comunista, ele tem misturado sua visão de mundo à do PC, e a área militar não é uma exceção.

Ao contrário, é onde seus sucessos aparentes são menos discutíveis, ainda que não tenham sido testados de forma efetiva como no caso da economia, que está perigosamente titubeante. Afinal, a China não luta um conflito desde a altercação de 1979 com o Vietnã, e sua experiência formativa foi na guerra civil vencida por Mao Tse-tung em 1949, que legou um país fraturado.

O crescimento econômico chinês, que começou a disparar nos anos 2000, fez a liderança compreender que uma reforma militar era vital para suas pretensões, ainda que de forma algo confusa. Seu primeiro porta-aviões, o Liaoning, era uma sucata soviética comprada da Ucrânia sob o pretexto de montar um cassino flutuante, em um negócio obscuro feito por uma agência de turismo de Macau.

Reformado a duras penas, ele foi lançado ao mar dois meses antes de Xi chegar ao poder, em novembro de 2012, mas apenas como um demonstrador de tecnologia e treinamento.

Dez anos depois, ele e seu irmão-gêmeo Shandong, este já feito em Xangai, patrulham os mares em torno da China. Em junho, um superporta-aviões, o Fujian, foi lançado com faixas celebrando o início de uma "Marinha de águas azuis", ou seja, capaz de operar distante de seus portos.

Um modelo de propulsão nuclear parece estar a caminho, e em 2016 os chineses ultrapassaram os americanos em número total de navios de superfície.

Isso mostra a obsessão estratégica do "império do meio", por geografia uma potência continental com rotas marítimas suscetíveis a bloqueios: só pelo estreito de Málaca (Indonésia/Malásia) passam 80% das importações de petróleo chinesas. Isso para não falar no comércio de uma economia fortemente exportadora.

Com efeito, de 2014 para cá Xi militarizou ilhotas e atóis no mar do Sul da China, o corpo d'água que Pequim diz ser 85% seu —a ONU e os vizinhos discordam. Estabeleceu sua primeira base militar estrangeira em Djibuti, no mar Vermelho, e estabeleceu portos ao longo da África e da Ásia. Firmaram um acordo de segurança com as Ilhas Salomão, no Pacífico que os EUA veem sob sua jurisdição.

Xi, em seu processo de fortalecer o papel do PC como centro da vida chinesa, criou um novo ente militar dentro do partido, além da poderosa Comissão Militar Central que preside e sob a qual centralizou o controle sobre 1,5 milhão de membros da Polícia Popular Armada —a PM chinesa, que serve de reserva para os 2 milhões de soldados do maior Exército do mundo.

Tais movimentos, amparados pela Estratégia Nacional de Defesa de 2015, que pregou a reforma das Forças Armadas e uma crescente fusão das capacidades industriais civis e militares, foram determinantes para que os EUA lançassem em 2017 sua Guerra Fria 2.0 contra Pequim.

O presidente Joe Biden a aprofundou a partir de 2021, com o pacto militar estabelecido com britânicos e australianos e o reforço do Quad, que reúne seus EUA com Austrália, Japão e Índia. Basta olhar o mapa para entender o cerco em formação. Até a Otan, aliança liderada pelos americanos focada na Rússia, colocou Pequim na sua lista de preocupações centrais.

Xi reagiu aprofundando sua parceria com Vladimir Putin, inclusive na área militar, comprando ainda mais caças e fazendo patrulhas conjuntas nos céus e águas do Pacífico. Apoia o russo com discrição na Guerra da Ucrânia, temendo que o regime de sanções respingue em si, mas há poucas dúvidas sobre que tipo de alinhamento está em formação no mundo.

Quando Xi subiu ao poder, havia cerca de 240 ogivas operacionais em seu país. Agora são 350 e a China completou sua tríade —a capacidade de lançá-las de bases terrestres, submarinos e bombardeiros. O Pentágono afirmou que o país quer chegar a mil bombas no fim da década.

Outro aspecto enfrentado por Xi é a tecnologia. Pequim conseguiu montar uma frota que já tem cerca de 50 caças de quinta geração J-20, mas ainda enfrenta problemas para substituir seus motores russos por versões locais. Por outro lado, testou com sucesso armas hipersônicas, algo "bastante preocupante" segundo o secretário Austin.

Em 2021, o país ultrapassou os EUA como maior investidor em pesquisa e desenvolvimento do mundo: ambos têm cerca de 27% do volume global do setor. Mas isso ainda não capacitou a fazer chips avançados, mercado dominado justamente por sua dor de cabeça militar mais aguda: Taiwan.

A ilha autônoma está marcada para ser absorvida na política de Estado chinesa, e neste ano a provocativa visita da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, levou a uma movimentação militar intimidatória sem precedentes. Só que um ataque ali ensejaria um conflito com os americanos, protetores de Taipé, e muitos duvidam do apetite de Xi para tanto.

Por fim, há algumas realidades se interpondo ao plano declarado de ser uma superpotência equivalente aos EUA até 2049. Se Xi pretende ter até lá talvez sete grupos de porta-aviões, os EUA já operam 12. Seu arsenal nuclear, vistoso como é, representa um quinto do americano —embora aqui a aliança com Putin zere o jogo.

Apesar de ter o segundo maior orçamento militar do mundo, Xi manteve o gasto em porcentagem do PIB estável em seus mandatos: está em 1,22%. Com a queda no crescimento econômico, será um problema. Em termos nominais, o valor ainda é 3,6 vezes menor do que o dispêndio americano.

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