2 de fevereiro de 2020

Desigualdade, impostos e eleições municipais

Eleitor merece discussão aprofundada e soluções

Paulo Feldmann

Folha de S.Paulo

O professor Paulo Feldmann, da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária - Universidade de São Paulo). Reinaldo Canato/Folhapress

É fato conhecido o Brasil ser um dos países com a distribuição de renda mais desigual do mundo. Praticamente em todos os rankings figuramos entre os dez piores, ao lado de países africanos bem pobres. Mas o que agora começa a ser desnudado é que essa desigualdade é agravada em diversas capitais brasileiras.

São Paulo, por exemplo, além de ser a maior cidade da América Latina, é também a mais rica. Nela estão a sede de quase todos os bancos, assim como as principais indústrias e as maiores empresas da área de tecnologia. Dos 206 bilionários existentes em nosso país, um terço mora na cidade de São Paulo.

Infelizmente, a região metropolitana da capital paulista apresenta uma outra face completamente diferente, onde as coisas não correm tão bem. Segundo o IBGE, ela abriga mais de 700 mil pessoas em situação de pobreza extrema. São pessoas que gastam em média 4,5 horas por dia se movimentando no trânsito, cujo rendimento mensal é todo consumido em alimentação, moradia e transporte. 

Pelo Mapa da Desigualdade, editado pela Rede Nossa São Paulo, ficamos sabendo que a expectativa de vida dos habitantes da cidade depende do bairro onde moram: enquanto os moradores de Moema atingem os 81 anos de idade, quem mora em Cidade Tiradentes vive muito menos —a expectativa de longevidade é de apenas 57 anos. Os dados da própria prefeitura paulistana mostram que apenas o 1% de moradores mais ricos da cidade possui 45% do valor total dos imóveis existentes. E, segundo o IBGE, os 10% mais ricos possuem uma renda média 23 vezes maior que os 40% mais pobres.

São inúmeras as causas que explicam essa desigualdade crônica, e não há como resolvê-la sem mudanças radicais em nosso sistema tributário —que hoje onera, proporcionalmente, muito mais o cidadão pobre.

Isso acontece por que, diferentemente da maioria dos países, o imposto sobre a renda não é o principal imposto do Brasil, mas sim os que incidem sobre produtos e serviços, como o ICMS ou ISS. Além disso não temos imposto sobre riqueza, e o imposto sobre herança é ridiculamente baixo quando comparado com outros países.

As soluções estão em sua maioria no âmbito federal, mas existem medidas que estão ao alcance dos municípios, como coibir a especulação imobiliária e prover moradia barata à população carente, o que deveria ser prioridade máxima dos prefeitos. O IPTU não é nem justo nem progressivo de fato, pelo menos em São Paulo. A cidade que tem o 3° maior orçamento do país —R$ 70 bilhões— deveria contar com um banco municipal para conduzir projetos destinados à população carente.

O tema da desigualdade é tão atual que foi destaque no fórum econômico em Davos. Em outubro teremos eleições para a escolha de novos prefeitos em todas cidades brasileiras. Os eleitores merecem que nesta campanha eleitoral haja uma profunda discussão sobre as raízes dessa desigualdade e quais são as possíveis soluções para a mesma.

Sobre o autor

Professor de economia da USP e ex-presidente da Eletropaulo (1995-96, governo Covas)

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