Ben Morris
Jacobin
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Moradores trabalham nas ruas em 28 de fevereiro de 2018, em Kochi, Kerala, Índia. (Barry Lewis / In Pictures via Getty Images) |
O governo central da Índia vê o estado de Kerala com desconfiança e desdém. Políticos do Partido Bharatiya Janata (BJP), do primeiro-ministro Narendra Modi, frequentemente o apresentam como um inimigo interno, de quinta coluna.
Kerala tem sido, há décadas, um centro vital do movimento comunista do país. Apesar de seu status cada vez mais isolado, o estado continua a votar regularmente na Frente Democrática de Esquerda (LDF), liderada pelos comunistas, mais recentemente em 2021. O ano de 2021 foi a sexta vitória eleitoral da LDF desde 1980 e a primeira vez que conquistou dois mandatos consecutivos.
O que tornou o movimento tão duradouro e bem-sucedido em um momento em que a política indiana se inclinou acentuadamente para a direita em nível nacional? E há lições para a esquerda internacional aprender?
Fort Kochi é um porto pesqueiro abafado de Kerala, no Mar Laquedivo, onde garças caminham cautelosamente entre as ondas e vendedores aguardam compradores à sombra de gigantescas figueiras-de-bengala. Eles vendem sorvete, suco de fruta, chaat ou fatias de abacaxi com pimenta em pó.
O silêncio úmido da tarde é interrompido pelos chamados convidativos dos pescadores, posicionados no alto dos precários suportes de bambu suas redes de pesca. Turistas curiosos os observam, aguardando uma demonstração de sua arte. O almirante e diplomata da Dinastia Ming, Zheng He, trouxe as redes para cá em 1410.
Quando Zheng He chegou, estrangeiros já visitavam a Costa do Malabar desde a época dos antigos sumérios, incluindo egípcios, fenícios e gregos. Os romanos eram particularmente ávidos pela pimenta-do-malabar, que trocavam em grandes quantidades por ouro. Uma comunidade judaica se refugiou aqui depois que o Decreto de Alhambra de 1492 da monarquia espanhola os expulsou da Península Ibérica.
Há também influência árabe: já no século VII d.C., os habitantes locais estabeleceram relações com comerciantes marítimos ávidos por levar o excedente de especiarias da região aos mercados em expansão de Aleppo, Bagdá e Cairo. A associação era tanto cultural quanto econômica, com Kerala agora amplamente reconhecida como a porta de entrada do islamismo na Índia.
"O governo central da Índia vê o estado de Kerala com suspeita e desdém."
Com o surgimento do capitalismo industrial, as relações sociais mercantilistas inevitavelmente deram lugar a formas ainda menos equitativas de subjugação colonial. Primeiro, os portugueses, depois os holandeses, reivindicaram as redes comerciais de Kerala, antes da imposição do domínio colonial britânico.
Essa história complexa e heterogênea, favorecida pelas particularidades de sua geografia — cercada pelo Mar Arábico de um lado e pela cordilheira dos Gates Ocidentais do outro — confere a Kerala uma sensação de singularidade, uma diferença em relação ao restante da Índia. Percebe-se que, em sua essência, a identidade keralaana é intrinsecamente diferente daquela de seus estados vizinhos.
No entanto, o indicador mais proeminente da idiossincrasia do estado não está nas páginas dos livros de história nem na sua ampla gama de estilos arquitetônicos, que evoca cada um desses capítulos distintos. Está estampado nas paredes e pendurado nas vigas, impresso em bandeiras, faixas e cartazes políticos: iconografia comunista, por onde quer que você vá.
Esporte e socialismo
Dois jovens sentam-se em frente ao Red Youngs Sports Club, um prédio modesto em Calvathy, Fort Kochi. Uma grande bandeira vermelha com uma foice e um martelo está orgulhosamente amarrada às grades de ferro em espiral da janela do prédio.
No interior, um retrato emoldurado de Vladimir Lenin ocupa um lugar de destaque na parede. Abaixo, há fotografias: ativistas em frente ao clube, lendo, fumando e sentados diante de imagens de Fidel Castro e Che Guevara. O prédio já foi a sede do Partido Comunista local.
Essa história complexa e heterogênea, favorecida pelas particularidades de sua geografia — cercada pelo Mar Arábico de um lado e pela cordilheira dos Gates Ocidentais do outro — confere a Kerala uma sensação de singularidade, uma diferença em relação ao restante da Índia. Percebe-se que, em sua essência, a identidade keralaana é intrinsecamente diferente daquela de seus estados vizinhos.
No entanto, o indicador mais proeminente da idiossincrasia do estado não está nas páginas dos livros de história nem na sua ampla gama de estilos arquitetônicos, que evoca cada um desses capítulos distintos. Está estampado nas paredes e pendurado nas vigas, impresso em bandeiras, faixas e cartazes políticos: iconografia comunista, por onde quer que você vá.
Esporte e socialismo
Dois jovens sentam-se em frente ao Red Youngs Sports Club, um prédio modesto em Calvathy, Fort Kochi. Uma grande bandeira vermelha com uma foice e um martelo está orgulhosamente amarrada às grades de ferro em espiral da janela do prédio.
No interior, um retrato emoldurado de Vladimir Lenin ocupa um lugar de destaque na parede. Abaixo, há fotografias: ativistas em frente ao clube, lendo, fumando e sentados diante de imagens de Fidel Castro e Che Guevara. O prédio já foi a sede do Partido Comunista local.
"O comunismo é visto em Kerala como parte da vida cotidiana, um fato não apenas da política, mas da esfera social."
Vocês não têm clubes esportivos no seu país?", pergunta um jovem, perplexo com a minha curiosidade. "Não com fotos de Lênin dentro", respondo.
Adhil é ex-membro do clube. Ele afirma que o Red Youngs foi crucial na formação de sua compreensão política:
Pessoas como nós são influenciadas pelo próprio lugar. Quando eu era jovem, o escritório do nosso partido era aqui, podíamos ver as reuniões acontecendo. Víamos as bandeiras vermelhas, os cartazes de Che Guevara e Karl Marx. E assim fomos aprendendo sobre o comunismo enquanto crescíamos.
Nem todos concordam, contudo, que a proliferação de símbolos representa um movimento revitalizado. Nissim Mannathukkaren é acadêmico e autor de “Communism, Subaltern Studies and Postcolonial Theory: The Left in South India” [Comunismo, Estudos Subalternos e Teoria Pós-colonial: A Esquerda no Sul da Índia]. Ele argumenta que os slogans e a iconografia são meros resquícios estéticos de algo agora perdido:
Grande parte do que o movimento comunista em Kerala faz na prática é basicamente social-democracia, envolta nessa antiga retórica revolucionária comunista da União Soviética ou da China [...] a retórica revolucionária não se dissipou. Mas, na realidade, eles praticam a social-democracia.
No entanto, Adhil faz questão de enfatizar que clubes como o Red Youngs não são importantes apenas pela reprodução de bordões revolucionários: “Fazemos serviços sociais principalmente; coletamos alimentos em nossas casas e nas casas dos vizinhos para distribuir. Também realizamos torneios esportivos: futebol, críquete e carrom [um jogo de tabuleiro indiano tradicional].”
Seu relato é o de uma instituição bastante comum, significativa mais por sua inserção na comunidade do que por qualquer outra coisa. Ele retrata a maneira bastante comum como o comunismo é visto em Kerala: como parte da vida cotidiana, um fato não apenas da política, mas também da esfera social em que as pessoas conduzem suas atividades cotidianas.
O nascimento do comunismo de Kerala
Quando o Partido Comunista da Índia (PCI) foi criado, na década de 1920, a Costa do Malabar ainda estava dividida nos principados que mais tarde se tornariam o estado de Kerala. A região havia sido palco de inúmeras rebeliões contra o colonialismo britânico. Sua população rural, em grande parte empobrecida, sofreu muito com um sistema de castas supervisionado por governantes que consentiam em governar a partir de Londres.
Essas repetidas insurreições não foram meras respostas à opressão, desprovidas de ideologia ou pensamento estratégico. Um padrão profundamente arraigado de relações sociais agrárias, fruto da longa história comercial de Kerala, lançou as bases para uma ação coordenada e a fácil circulação de ideias radicais.
Mesmo sob o domínio britânico, o investimento governamental em infraestrutura, projetado para apoiar a expansão agrícola, demonstrou os potenciais benefícios dos gastos públicos. Isso, inadvertidamente, prefigurou os ideais de um Estado de bem-estar social robusto e o uso de políticas centralizadas, além de contribuir para minar as distinções predominantes de classe e casta.
"Nos anos que se seguiram à Revolução Russa, o envolvimento comunista nas lutas agrárias locais aumentou."
Grande parte do que o movimento comunista em Kerala faz na prática é basicamente social-democracia, envolta nessa antiga retórica revolucionária comunista da União Soviética ou da China [...] a retórica revolucionária não se dissipou. Mas, na realidade, eles praticam a social-democracia.
No entanto, Adhil faz questão de enfatizar que clubes como o Red Youngs não são importantes apenas pela reprodução de bordões revolucionários: “Fazemos serviços sociais principalmente; coletamos alimentos em nossas casas e nas casas dos vizinhos para distribuir. Também realizamos torneios esportivos: futebol, críquete e carrom [um jogo de tabuleiro indiano tradicional].”
Seu relato é o de uma instituição bastante comum, significativa mais por sua inserção na comunidade do que por qualquer outra coisa. Ele retrata a maneira bastante comum como o comunismo é visto em Kerala: como parte da vida cotidiana, um fato não apenas da política, mas também da esfera social em que as pessoas conduzem suas atividades cotidianas.
O nascimento do comunismo de Kerala
Quando o Partido Comunista da Índia (PCI) foi criado, na década de 1920, a Costa do Malabar ainda estava dividida nos principados que mais tarde se tornariam o estado de Kerala. A região havia sido palco de inúmeras rebeliões contra o colonialismo britânico. Sua população rural, em grande parte empobrecida, sofreu muito com um sistema de castas supervisionado por governantes que consentiam em governar a partir de Londres.
Essas repetidas insurreições não foram meras respostas à opressão, desprovidas de ideologia ou pensamento estratégico. Um padrão profundamente arraigado de relações sociais agrárias, fruto da longa história comercial de Kerala, lançou as bases para uma ação coordenada e a fácil circulação de ideias radicais.
Mesmo sob o domínio britânico, o investimento governamental em infraestrutura, projetado para apoiar a expansão agrícola, demonstrou os potenciais benefícios dos gastos públicos. Isso, inadvertidamente, prefigurou os ideais de um Estado de bem-estar social robusto e o uso de políticas centralizadas, além de contribuir para minar as distinções predominantes de classe e casta.
"Nos anos que se seguiram à Revolução Russa, o envolvimento comunista nas lutas agrárias locais aumentou."
Nos anos que se seguiram à Revolução Russa, o envolvimento comunista nas lutas agrárias locais aumentou. Sindicatos camponeses foram formados, marchas contra a fome foram realizadas reivindicando direitos para os agricultores e os trabalhadores da indústria do coco começaram a se organizar e ganhar apoio.
Grande parte do país era marcada por divisões sociais causadas pelo domínio imperial e pela estrutura hierárquica de castas. Em Kerala, ainda dividida entre o Distrito de Malabar e os reinos de Cochin e Travancore, distinções religiosas específicas se sobrepunham a essas linhas de clivagem. As enormes populações muçulmanas e cristãs da região constituíam uma proporção relativamente grande da classe trabalhadora descontente.
Quando trabalhadores muçulmanos tomaram terras de proprietários hindus apoiados pelos britânicos no Distrito de Malabar em 1921, declararam independência e estabeleceram um autogoverno temporário para a região, tornando proprietários os arrendatários anteriormente explorados. Embora as forças britânicas tenham recapturado a área seis meses depois, o episódio demonstrou a profunda interconexão entre a opressão religiosa regional e a luta de classes anticolonial mais ampla.
Grande parte do país era marcada por divisões sociais causadas pelo domínio imperial e pela estrutura hierárquica de castas. Em Kerala, ainda dividida entre o Distrito de Malabar e os reinos de Cochin e Travancore, distinções religiosas específicas se sobrepunham a essas linhas de clivagem. As enormes populações muçulmanas e cristãs da região constituíam uma proporção relativamente grande da classe trabalhadora descontente.
Quando trabalhadores muçulmanos tomaram terras de proprietários hindus apoiados pelos britânicos no Distrito de Malabar em 1921, declararam independência e estabeleceram um autogoverno temporário para a região, tornando proprietários os arrendatários anteriormente explorados. Embora as forças britânicas tenham recapturado a área seis meses depois, o episódio demonstrou a profunda interconexão entre a opressão religiosa regional e a luta de classes anticolonial mais ampla.
As autoridades britânicas impuseram uma proibição nacional ao PCI e perseguiram seus líderes. Na década de 1930, os comunistas do que viria a ser Kerala começaram a se organizar dentro do Partido Socialista do Congresso (legal), uma facção de esquerda do Congresso Nacional Indiano. Vijoo Krishnan, membro do Politburo de Kerala do Partido Comunista da Índia (Marxista) ou PCI(M), descreve o período da seguinte forma:
Os socialistas funcionavam como um grupo distinto dentro do Partido do Congresso. Ao contrário do Congresso, eles se dedicavam às questões dos trabalhadores e camponeses [...] O Partido [Comunista], desde o seu início, foi claro na reivindicação de independência completa do domínio britânico; numa época em que o Congresso Nacional Indiano ainda brincava com a ideia de status de domínio [...] levou quase uma década a mais para fazer o apelo pela independência completa.
Ao mesmo tempo em que participava ativamente da luta anti-imperialista, o movimento comunista também se engajava em agitações contra a discriminação social, as injustiças sociais e as reivindicações básicas da classe trabalhadora e do campesinato contra os latifundiários feudais. Essas atividades desempenharam um papel fundamental no fortalecimento da base do movimento comunista em Kerala.
Somente em 1942, com a Grã-Bretanha e a URSS aliadas contra os nazistas, a proibição nacional do PCI foi revogada. A popularidade do partido aumentou não apenas no que logo se tornaria Kerala, onde o PCI liderou uma série de revoltas camponesas, mas também em outras partes da Índia: Telangana, Bihar, Andhra Pradesh, Bengala Ocidental e Tripura.
A perseguição governamental contínua forçou vários comunistas de Kerala a se esconderem. Entre eles, estava um dos intelectuais de esquerda mais célebres da Índia, o historiador Elamkulam Manakkal Sankaran Namboodiripad, conhecido como EMS, fundador do Partido Socialista do Congresso e, posteriormente, do PCI em Kerala.
Depois da independência
Em 1947, os britânicos finalmente renunciaram ao seu domínio colonial e Jawaharlal Nehru tornou-se o primeiro primeiro-ministro da Índia. No entanto, apesar das inclinações social-democratas de Nehru e do papel fundamental da esquerda na luta pela independência, a repressão aos comunistas continuou sob a nova ordem, com alguns líderes do PCI sendo presos e outros vivendo na clandestinidade. Em 1950, vinte e dois comunistas foram mortos a tiros através das janelas de suas celas por guardas prisionais na Cadeia de Salem, no atual Tamil Nadu.
Nas eleições de 1951-52, o PCI conquistou o segundo maior número de assentos, embora seu grupo parlamentar fosse muito menor do que o do Congresso de Nehru. Enquanto isso, um esforço para reorganizar os estados com base em critérios linguísticos estava em curso. Em 1956, Travancore, Cochin e Malabar foram unificados para formar o atual estado de Kerala.
Somente em 1942, com a Grã-Bretanha e a URSS aliadas contra os nazistas, a proibição nacional do PCI foi revogada. A popularidade do partido aumentou não apenas no que logo se tornaria Kerala, onde o PCI liderou uma série de revoltas camponesas, mas também em outras partes da Índia: Telangana, Bihar, Andhra Pradesh, Bengala Ocidental e Tripura.
A perseguição governamental contínua forçou vários comunistas de Kerala a se esconderem. Entre eles, estava um dos intelectuais de esquerda mais célebres da Índia, o historiador Elamkulam Manakkal Sankaran Namboodiripad, conhecido como EMS, fundador do Partido Socialista do Congresso e, posteriormente, do PCI em Kerala.
Depois da independência
Em 1947, os britânicos finalmente renunciaram ao seu domínio colonial e Jawaharlal Nehru tornou-se o primeiro primeiro-ministro da Índia. No entanto, apesar das inclinações social-democratas de Nehru e do papel fundamental da esquerda na luta pela independência, a repressão aos comunistas continuou sob a nova ordem, com alguns líderes do PCI sendo presos e outros vivendo na clandestinidade. Em 1950, vinte e dois comunistas foram mortos a tiros através das janelas de suas celas por guardas prisionais na Cadeia de Salem, no atual Tamil Nadu.
Nas eleições de 1951-52, o PCI conquistou o segundo maior número de assentos, embora seu grupo parlamentar fosse muito menor do que o do Congresso de Nehru. Enquanto isso, um esforço para reorganizar os estados com base em critérios linguísticos estava em curso. Em 1956, Travancore, Cochin e Malabar foram unificados para formar o atual estado de Kerala.
"As eleições legislativas inaugurais de Kerala em 1957 trouxeram a vitória do Partido Comunista da Índia."
As eleições legislativas inaugurais de Kerala, no ano seguinte, trouxeram a vitória do PCI, com sessenta cadeiras, em comparação com quarenta e três para o Congresso. Com o apoio de parlamentares independentes, EMS tornou-se o primeiro ministro-chefe do estado e o primeiro líder comunista na Índia a chefiar um governo eleito pelo povo.
O novo governo começou a promulgar leis populares, como a proteção dos arrendatários contra despejos e a concessão de títulos de propriedade das terras que cultivaram por séculos, além da instituição de um salário mínimo. As classes proprietárias de terras ficaram indignadas.
O primeiro-ministro Nehru respondeu em 1959 invocando uma disposição obscura da Constituição nacional que permitia a destituição do gabinete de Kerala e o governo direto de Nova Déli. Isso prenunciava a percepção federal que persiste até hoje — a de Kerala como um desestabilizador essencialmente estrangeiro.
Quando novas eleições foram realizadas em 1960, a porcentagem de votos do PCI aumentou, mas ele perdeu muitas de suas cadeiras para uma aliança liderada pelo Congresso que formou o governo estadual seguinte. Após fortes controvérsias internas sobre diversas questões, os comunistas se dividiram em dois partidos, o PCI e o PCI(M). O EMS ajudou a liderar a dissidência do PCI(M), que se tornou o maior dos dois grupos.
A divisão entre os dois partidos comunistas tornou-se especialmente acirrada quando o PCI apoiou a filha e sucessora de Nehru, Indira Gandhi, que impôs o estado de emergência na década de 1970, forçando muitos comunistas a se esconderem. Foi somente após esse episódio que o PCI em Kerala conseguiu se reconciliar com o PCI(M) no âmbito da LDF.
A aliança também inclui vários partidos menores, embora o PCI(M) continue sendo o parceiro principal. Desde o avanço em 1980, a LDF alternou no poder com a Frente Democrática Unida (UDF), liderada pelo Congresso, até sua reeleição em 2021.
O modelo de Kerala
Os comunistas de Kerala e seus aliados de esquerda conquistaram o controle de um estado dentro de um sistema federal hostil. Mannathukkaren argumenta que essas condições exigiram uma guinada gradual à direita do PCI(M):
O novo governo começou a promulgar leis populares, como a proteção dos arrendatários contra despejos e a concessão de títulos de propriedade das terras que cultivaram por séculos, além da instituição de um salário mínimo. As classes proprietárias de terras ficaram indignadas.
O primeiro-ministro Nehru respondeu em 1959 invocando uma disposição obscura da Constituição nacional que permitia a destituição do gabinete de Kerala e o governo direto de Nova Déli. Isso prenunciava a percepção federal que persiste até hoje — a de Kerala como um desestabilizador essencialmente estrangeiro.
Quando novas eleições foram realizadas em 1960, a porcentagem de votos do PCI aumentou, mas ele perdeu muitas de suas cadeiras para uma aliança liderada pelo Congresso que formou o governo estadual seguinte. Após fortes controvérsias internas sobre diversas questões, os comunistas se dividiram em dois partidos, o PCI e o PCI(M). O EMS ajudou a liderar a dissidência do PCI(M), que se tornou o maior dos dois grupos.
A divisão entre os dois partidos comunistas tornou-se especialmente acirrada quando o PCI apoiou a filha e sucessora de Nehru, Indira Gandhi, que impôs o estado de emergência na década de 1970, forçando muitos comunistas a se esconderem. Foi somente após esse episódio que o PCI em Kerala conseguiu se reconciliar com o PCI(M) no âmbito da LDF.
A aliança também inclui vários partidos menores, embora o PCI(M) continue sendo o parceiro principal. Desde o avanço em 1980, a LDF alternou no poder com a Frente Democrática Unida (UDF), liderada pelo Congresso, até sua reeleição em 2021.
O modelo de Kerala
Os comunistas de Kerala e seus aliados de esquerda conquistaram o controle de um estado dentro de um sistema federal hostil. Mannathukkaren argumenta que essas condições exigiram uma guinada gradual à direita do PCI(M):
[Eles] trabalham em uma estrutura na qual existe uma democracia formal e todas as medidas constitucionais não são comunistas, tendo sido formuladas pelo Partido do Congresso, um partido burguês. É uma estrutura democrática burguesa [...] Não há outra maneira de um partido que trabalha dentro deste sistema capitalista funcionar a não ser fazendo concessões a ele.
O atual ministro-chefe de Kerala, Pinarayi Vijayan, que foi preso e torturado durante o período de emergência, é o secretário mais antigo do comitê estadual de Kerala do PCI(M). O governo de Vijayan continua construindo sobre os alicerces do que os economistas do desenvolvimento apelidaram de “Modelo Kerala” — um termo que desde então se tornou sinônimo das conquistas do comunismo de Kerala no campo do desenvolvimento humano.
Kerala hoje tem acesso quase universal à saúde e à educação. Ocupa o segundo lugar entre os estados indianos no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e ostenta a menor taxa de pobreza multidimensional do país. O distrito de Kottayam, em Kerala, gravou seu nome na história este ano, tornando-se o primeiro distrito indiano a erradicar a pobreza extrema.
No âmbito da Missão LIFE, lançada em 2017, o estado forneceu cerca de 450.000 casas para aqueles que ainda vivem em extrema pobreza. Quase 60.000 famílias receberam apoio para geração de renda, moradia e acesso a documentos de identidade.
As conquistas mais notáveis do Modelo de Kerala podem estar na área da saúde. Em 2020, a expectativa de vida média era de aproximadamente 75 anos — a melhor do país e significativamente superior à média nacional de 70 anos — e o estado apresenta uma das menores taxas de mortalidade infantil da Índia. Esses sucessos são ainda mais impressionantes quando se considera que Kerala tem um PIB nominal de cerca de ₹ 13,11 lakh crore (US$ 167 bilhões), colocando-o em décimo primeiro lugar entre os estados indianos.
Kerala hoje tem acesso quase universal à saúde e à educação. Ocupa o segundo lugar entre os estados indianos no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e ostenta a menor taxa de pobreza multidimensional do país. O distrito de Kottayam, em Kerala, gravou seu nome na história este ano, tornando-se o primeiro distrito indiano a erradicar a pobreza extrema.
No âmbito da Missão LIFE, lançada em 2017, o estado forneceu cerca de 450.000 casas para aqueles que ainda vivem em extrema pobreza. Quase 60.000 famílias receberam apoio para geração de renda, moradia e acesso a documentos de identidade.
As conquistas mais notáveis do Modelo de Kerala podem estar na área da saúde. Em 2020, a expectativa de vida média era de aproximadamente 75 anos — a melhor do país e significativamente superior à média nacional de 70 anos — e o estado apresenta uma das menores taxas de mortalidade infantil da Índia. Esses sucessos são ainda mais impressionantes quando se considera que Kerala tem um PIB nominal de cerca de ₹ 13,11 lakh crore (US$ 167 bilhões), colocando-o em décimo primeiro lugar entre os estados indianos.
"Os comunistas de Kerala e seus aliados de esquerda conquistaram o controle de um estado dentro de um sistema federal hostil."
Para Mannathukkaren, essas são as conquistas de um partido essencialmente social-democrata que há muito tempo se esquivou do comunismo na prática e optou pela acomodação com o capital multinacional. Ele observa as pressões às quais as administrações da LDF têm sido submetidas, incluindo a alta taxa de emigração de Kerala, o declínio da agricultura e a busca constante por investimento externo, evidenciada pelo lançamento de títulos na Bolsa de Valores de Londres em 2019:
Kerala é um lugar pequeno. O resto da Índia é inteiramente capitalista; assim como o resto do mundo. É simplesmente impossível para um partido comunista continuar a ter como objetivo transcender ou abolir o capitalismo nessas condições.
No entanto, Vijoo Krishnan contesta a equiparação do PCI(M) aos partidos da centro-esquerda europeia:
Kerala é um lugar pequeno. O resto da Índia é inteiramente capitalista; assim como o resto do mundo. É simplesmente impossível para um partido comunista continuar a ter como objetivo transcender ou abolir o capitalismo nessas condições.
No entanto, Vijoo Krishnan contesta a equiparação do PCI(M) aos partidos da centro-esquerda europeia:
Posições claras contra a jornada de trabalho de 12 horas, leis trabalhistas pró-empresariais e a privatização do setor público — tudo isso representa um afastamento significativo em relação aos partidos social-democratas da Europa. Não há absolutamente nenhuma verdade [na alegação] de que o PCI(M) se moveu para a direita. Ele continua sendo a vanguarda da classe trabalhadora, um partido firmemente anti-imperialista que defende o internacionalismo proletário.
Sobrevivendo sob cerco
Apesar das condições de cerco, o comunismo de Kerala resiste. Isso contrasta com a experiência de Bengala Ocidental, onde a Frente de Esquerda, liderada pelos comunistas, manteve o poder por várias décadas antes de sofrer uma pesada derrota em 2011, da qual ainda não se recuperou. Também contrasta com o cenário político nacional, onde os dois partidos comunistas foram reduzidos a seis cadeiras na Lok Sabha, tendo elegido 53 deputados — cerca de um décimo do total — nas eleições de 2004.
Kerala permanece relativamente imune às forças do Hindutva, que passaram a dominar a política nacional. Nas eleições para a Lok Sabha do ano passado, tanto a UDF quanto a LDF superaram confortavelmente a Aliança Democrática Nacional, liderada pelo BJP, que detém o poder em Nova Déli, embora o BJP tenha conquistado sua primeira cadeira em Kerala.
Em novembro deste ano, o estado espera se declarar o primeiro na Índia a ter erradicado a pobreza extrema. Seja qual for o futuro, é certamente um triunfo que tenha conseguido se manter por tanto tempo.
Ben Morris é jornalista e escritor.
Apesar das condições de cerco, o comunismo de Kerala resiste. Isso contrasta com a experiência de Bengala Ocidental, onde a Frente de Esquerda, liderada pelos comunistas, manteve o poder por várias décadas antes de sofrer uma pesada derrota em 2011, da qual ainda não se recuperou. Também contrasta com o cenário político nacional, onde os dois partidos comunistas foram reduzidos a seis cadeiras na Lok Sabha, tendo elegido 53 deputados — cerca de um décimo do total — nas eleições de 2004.
Kerala permanece relativamente imune às forças do Hindutva, que passaram a dominar a política nacional. Nas eleições para a Lok Sabha do ano passado, tanto a UDF quanto a LDF superaram confortavelmente a Aliança Democrática Nacional, liderada pelo BJP, que detém o poder em Nova Déli, embora o BJP tenha conquistado sua primeira cadeira em Kerala.
Em novembro deste ano, o estado espera se declarar o primeiro na Índia a ter erradicado a pobreza extrema. Seja qual for o futuro, é certamente um triunfo que tenha conseguido se manter por tanto tempo.
Ben Morris é jornalista e escritor.
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