28 de agosto de 2024

Estatais estratégicas

"Um jornal em defesa da energia limpa" sabe qual é o papel do Estado nisso

Jean Paul Prates
Ex-presidente da Petrobras (2023-24) e ex-senador da República (PT-RN; 2019-23)

Folha de S.Paulo

No último domingo (25), esta Folha defendeu em editorial a necessidade de "Privatizar Petrobras, Caixa e Banco do Brasil", entre loas aos bons serviços privatizados, crítica aos maus resultados das estatais derivados da má gestão pública e a promessa de que ambientes competitivos atuarão em prol do interesse do consumidor. Como pano de fundo, menciona apoio popular à privatização demonstrado por pesquisa Datafolha realizada em abril do ano passado.

Editoriais de grandes jornais servem para expor à sociedade as opiniões do veículo, propondo ou fortalecendo discussões sobre as grandes questões nacionais. A Folha acerta ao reconhecer que o debate avançou, com um reconhecimento muito mais amplo por parte da sociedade, gestores públicos e investidores sobre os benefícios de uma atuação concertada entre Estado e iniciativa privada, em uma miríade de modelagens jurídicas que existem para garantir transparência e segurança, tanto ao privado como ao interesse público. Nisso avançamos.

Funcionário trabalha em plataforma de extração de petróleo da Petrobras no Espírito Santo - Bruno Santos - 1º.mar.24/Folhapress

Seria oportuno, porém, ampliar os horizontes. A Folha, que desde fevereiro exibe o slogan "Um jornal em defesa da energia limpa", sabe que o debate sobre a participação do Estado na economia foi afetado profundamente pela transição energética. A China e os Estados Unidos têm demonstrado na prática caminhos distintos para o desenvolvimento tecnológico visando uma transformação econômica ecológica, em linha com o que se vê nos esforços liderados pelo Ministério da Fazenda e recentemente estreitados num pacto firmado entre os três Poderes.

Em comum a todas as iniciativas sérias de alteração do nosso modelo econômico em prol da sustentabilidade está a superação de preconceitos neoliberais de que existe uma superioridade técnica e até moral da iniciativa privada sobre o esforço público. Ninguém no mundo faz transição energética sem apoio e coordenação do Estado, justamente por ser este o ente mais interessado em benefícios futuros —que vão muito além do fechamento de um balanço anual, com esperada distribuição de dividendos. Essa percepção de supremacia privada parece especialmente anacrônica diante da constatação de que o maior escândalo empresarial recente no Brasil, nas Americanas, contou com fraudes de todo tipo e rendeu até CPI. O brasileiro não deixou de ironizar: cadê as manchetes pedindo privatização como solução para o descaminho e a corrupção?

O editorial centra fogo nas maiores estatais brasileiras, "assíduas no noticiário sobre aparelhamento e má gestão".

Falando da parte que eu entendo bem, desde o começo do governo Lula a Petrobras superou a descrença vigente para entregar recordes por todos os lados. Recordes de produção, de refino, de comercialização, de descarbonização, de inovação. Entregamos, no Plano Estratégico da Petrobras para o quinquênio 2024-28 (PE 2024-28+), a previsão de US$ 102 bilhões em investimentos nos próximos cinco anos, um crescimento de 31%. Batemos sucessivos recordes de valor de mercado, atingindo R$ 570 bilhões na B3 e valorização das ações em mais de 110% em um ano. Fizemos isso ao mesmo tempo em que retomamos o investimentos no refino. Alteramos a sistemática de dividendos. Retomamos investimentos em fertilizantes e petroquímica. Recompramos ações. Criamos uma diretoria para energia renovável e transição energética. Mudamos a sistemática de preço de derivados com tranquilidade e sobriedade, conciliando a rentabilidade da companhia com a visão de que nossa missão nunca foi a de cobrar o maior preço que o consumidor aguentar pagar. Avançamos rumo a uma empresa mais resiliente, atenta ao mercado e com diálogo franco com o investidor. Nossos resultados foram os melhores dos 70 anos da empresa, sem vender ativos estratégicos. Sem deixar de gerar emprego e renda no Brasil, produzindo desenvolvimento tecnológico local. Sem crise.

Nesse contexto, o editorial da Folha me parece desatualizado e imerso no catastrofismo que pretende criticar. Não é genial dizer que estatizar não é um fim em si mesmo; e da mesma forma não o é privatizar.

A interação entre o público e privado, desafio histórico do nosso país, seguirá objeto de disputa em qualquer cenário. Essas empresas têm um papel relevante que devem continuar exercendo, para benefício do Brasil e do povo brasileiro.

Aliás, não deixa de ser curioso que a própria pesquisa Datafolha mencionada pelo editorial sinaliza negativa popular à venda da Petrobras (53% contra, 37% a favor) e dos bancos federais (55% contra, 36% a favor). Faltou à Folha mencionar esse detalhe.

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